Hanbok: traje milenar coreano se mantém atual

A estilista Kim Hye-soon fala sobre colaboração com a Fendi, a exposição no Louvre e o desfile no Brasil.


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Fotos: Divulgação



Parte essencial da história coreana, o Hanbok (한복), que significa traje coreano, é uma peça tradicional que atravessa gerações e está presente na cultura do país há mais de 2 mil anos. Existem evidências históricas de que ele seja utilizado desde o período dos Três Reinos (57 A.C – 668 D.C), sobrevivendo à Ocupação japonesa, que começou em 1910, e à divisão da península em Norte e Sul, após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

Seu estilo único, marcado por linhas retas e cores vibrantes que correspondem aos elementos da natureza, era usado diariamente por todos e classificava a população de acordo com gênero, classe social, idade e ocupação. O Hanbok de um membro da nobreza, por exemplo, poderia ser feito com materiais leves e de alta qualidade, como a seda, enquanto trabalhadores e plebeus vestiam uma versão de algodão.

Já sua estrutura básica consiste em duas partes: a superior chamada jeogori, uma espécie de jaqueta que cobre os braços e possui uma faixa de tecido que recorta a gola, e a inferior, que pode ser uma calça (baji) para os homens ou saia (chima) para as mulheres. Independentemente de gênero ou classe, todo Hanbok preza pela fluidez e conforto do usuário, adaptando-se às formas do corpo de maneira elegante e funcional.

Hanbok, roupa tradicional coreana

Hanbok, roupa tradicional coreana.KIMHYESOON HANBOK / Divulgação

“A roupa, para mim, pode ser traduzida como um estado de espírito”, diz Kim Hye-soon, uma das maiores estilistas de Hanbok da Coreia do Sul, em entrevista à ELLE. “Acredito que o Hanbok seja um elemento essencial para representar a cultura coreana. A peça, em si, expressa as emoções artísticas apresentadas pelas cores e traços, onde podemos encontrar também todos os aspectos culturais coreanos, desde as estações do ano até características sociais e outros costumes.”

Criada em 1984, a marca KIMHYESOON HANBOK, comandada por Kim, é especializada na fabricação de trajes sob medida. Estabelecida no centro de Gangnam, principal bairro de moda da capital Seul, a designer conta que sua paixão pela vestimenta surgiu ainda na infância: “Eu cresci olhando projetos do meu tio, que criava bonecos coreanos. Em meio a essas pesquisas sobre nossa tradição, o meu interesse pelo Hanbok despertou naturalmente e, depois de adulta, acabei lançando a marca. Sendo uma grife coreana, o principal objetivo da KIMHYESOON HANBOK é valorizar a beleza do meu país e expandir nossa cultura de maneira correta”.

Desfile de Hanbok, roupa tradicional coreanaDesfile de Hanbok, da designer Kim Hye-soon.KIMHYESOON HANBOK / Divulgação

Com mais de 30 anos no mercado e assinando colaborações para filmes e séries de TV, a marca passou a chamar a atenção fora da Coreia, resultando em exposições com as criações de Hye-soon no Metropolitan Museum of Art, em Nova York, e também no Louvre, em Paris. “O convite para participar dessas duas exposições aconteceu após a publicação do meu livro King’s costume. Para escrevê-lo, pesquisei muito sobre o Hanbok e os costumes reais durante sete anos. Depois do lançamento, consegui gerar muita curiosidade sobre as roupas tradicionais e logo em seguida recebi o convite”, revela.

Publicado em 2009, o livro já foi enviado para diversas partes do mundo. “A Coreia já possui 5.000 anos de história e, ao longo desse tempo, tivemos inúmeras dinastias, resultando em certos costumes da corte, envolvendo classe e riquezas em sua estética da época. Acredito que por todas essas características, o Hanbok conseguiu chamar a atenção mundial, inclusive nesses espaços importantes para a moda internacional. Para mim, como coreana e mestre de Hanbok, foi um grande orgulho poder viver essa experiência. Expor no Louvre e no MET foi um ponto importante na minha trajetória”.

Outro marco significativo na carreira da estilista é sua parceria com a Fendi. A grife italiana convidou Kim para redesenhar a clássica bolsa Baguette, criada em 1997 e considerada a primeira it-bag da história. “Redesenhar a Baguette, uma bolsa tão popular, com minhas inspirações artísticas e meu estilo tradiciona, foi um projeto emocionante. Através de elementos gráficos e ornamentos, como joias e laços, pude apresentar uma nova versão dela em estilo coreano”, diz.

Mesmo que o Hanbok tenha sido substituído pelas roupas ocidentais nas últimas décadas, sua herança permanece presente no país até os dias de hoje. Em feriados, como o Ano Novo lunar e o Chuseok (uma espécie de Dia de Ação de Graças), e também em ocasiões especiais, como casamentos, ele continua sendo utilizado. Na tentativa de resgatar ainda mais o costume, em 1996, o Ministério da Cultura, Esporte e Turismo sul-coreano estabeleceu o dia 21 de outubro como o Dia do Hanbok, a fim de incentivar que os cidadãos incorporem a peça ao seu estilo outra vez.

Bolsa Baguette, da Fendi, redesenhada por Kim Hye-soon

Bolsa Baguette, da Fendi, redesenhada por Kim Hye-soon.KIMHYESOON HANBOK / Divulgação

 

Um novo legado

Com a popularização do K-pop a partir da década de 1990, o fenômeno Hallyu, conhecido como onda coreana, foi criado pelo governo na intenção de propagar globalmente seus bens culturais como estratégia econômica. Junto com a música, produtos de beleza e rotinas de autocuidado, pratos típicos e produções audiovisuais também ganharam espaço fora do país.

Através das séries de TV e dos videoclipes, fãs do mundo todo passaram a se interessar sobre as tradições coreanas, incluindo o Hanbok. “Nos dramas de época, diversos tipos de trajes são apresentados ao público, desde os tradicionais até os mais modernos, então, fico feliz por toda essa exposição que a nossa cultura ganhou recentemente”, comenta Hye-soon. Como parte da atração local, turistas que viajam à Coreia do Sul podem alugar um Hanbok para visitar sets de filmagem e monumentos históricos. No Instagram, a #Hanbok possui quase 1 milhão de publicações.

Também é comum ver artistas de K-pop compartilhando fotos com a peça em ocasiões importantes nas suas redes sociais. No videoclipe de “How you like that”, do BLACKPINK, o quarteto usou uma versão estilosa e virou notícia em 2020. No mesmo ano, o grupo BTS fez uma performance com Hanbok em frente ao Palácio de Gyeongbok, que foi exibida no programa estadunidense The Tonight Show Starring Jimmy Fallon. Ambos acumulam milhões de visualizações no YouTube.


Apresentação do grupo BTS no programa The Tonight Show Starring Jimmy Fallon.

Mas o uso da peça não se restringe apenas aos coreanos. Em 2003, durante uma viagem à Coreia do Sul, a cantora Britney Spears usou publicamente um Hanbok cor-de-rosa para divulgar seu quarto álbum de estúdio, In the Zone. Além dela, a atriz Sandra Oh, famosa por seu papel em Grey’s anatomy, escolheu um vestido inspirado no traje para o tapete vermelho do prêmio Screen Actors Guild, em 2008.

Sendo inspiração para outros designers e marcas de luxo, releituras do Hanbok também já pintaram nas semanas de moda, incluindo a coleção Cruise 2015/16 da Chanel, assinada por Karl Lagerfeld, e também na primavera/verão 2011 da Dior, de John Galliano. “Assim como os demais conteúdos da Hallyu, certamente a moda coreana pode gerar um impacto mundial. Principalmente o Hanbok, por apresentar muitas vantagens estéticas e ser uma peça funcional. Acredito que qualquer pessoa poderá sentir uma emoção única ao vesti-lo, além de vivenciar parte da nossa cultura no próprio corpo”, diz Hye-soon.

 Vestidos da Chanel e Dior inspirados pelo Hanbok, roupa tradicional coreanaGrifes como Chanel e Dior já fizeram releituras do Hanbok.Getty Images

Hanbok no Brasil

A marca de Kim Hye-soon foi convidada para desfilar durante a K-EXPO 2021, o maior evento de cultura coreana da América Latina, organizado pelo Centro Cultural Coreano no Brasil. A edição deste ano aconteceu virtualmente no mês de julho e contou com 20 peças exclusivas da KIMHYESOON HANBOK, enviadas da Coreia do Sul para a apresentação. “Pensei em apresentar looks que representam as quatro estações do ano para as futuras oportunidades para passeios depois de vencermos a atual pandemia de COVID-19”, diz. “O que eu me lembro do Brasil são as suas inúmeras belezas, de pessoas atraentes e uma natureza impressionante. Então, espero que o meu trabalho tenha agradado aos olhos brasileiros.”

Mantendo viva uma tradição milenar, a estilista reforça a importância que a peça ainda possui nos dias atuais: “O Hanbok pode ser traduzido como uma peça que representa a essência e o espírito de uma nação. Por isso, por mais que sejam feitas inovações para trazer ares de contemporaneidade ao look, a sua estrutura deve se manter fiel às peças originais e tradicionais, pois, em sua ausência, qualquer alteração em seu design é apenas uma mudança sem sentido que flui por um período de transição. Eu acredito que um Hanbok só é Hanbok se houver os elementos tradicionais ali presentes, que podem ser encontrados em cada parte dos seus detalhes.”

Veja como foi o desfile de Hanbok durante a K-EXPO 2021:

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