Joias e acessórios com formas do corpo são tendência para ficar olho
Para designers, movimento tem a ver com vontade por liberdade, fantasia e extravagância.
Foi durante os meses mais duros da pandemia que as joias douradas que imitam partes do corpo humano ganharam popularidade graças a Daniel Roseberry, atual diretor de criação da Schiaparelli. Ele foi o sucessor que melhor soube interpretar o viés surrealista e fantástico da criadora italiana.
Antes de 1927, ano em que Schiaparelli lançou sua marca, o design de joias seguia uma linha bastante convencional, com pedras preciosas emolduradas por metais nobres em desenhos clássicos. Foi ela, com ajuda de seus amigos artistas, que subverteu essa lógica. Com a escritora russa Elsa Triolet, por exemplo, criou um colar com contas de porcelana; com Jean Cocteau, um broche no formato de um olho com uma pérola no lugar de uma lágrima; com Salvador Dali, fez lábios com dentes cravejados de diamantes e mãos de ouro.
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Algumas dessas peças aparecem em nova versão pelas mãos e olhar de Roseberry: brincos moldados como grandes orelhas decoradas com argolas, óculos que imitam os olhos, acessórios com forma de mãos com unhas longuíssimas, anéis de dedos dourados e broches de seios. Mas o estilista está longe de estar sozinho nessa onda.
Em junho, um brinco na forma de uma mão dourada com dedo do meio levantado viralizou assim que apareceu na passarela do verão 2023 da Y/Project. Na Alaïa, os saltos foram moldados como pernas femininas douradas, enquanto na alta-costura de Jean Paul Gaultier eles reproduziam o desenho dos torsos masculinos e femininos dos famosos frascos dos perfumes Le Male e Classique, respectivamente.
Y/Proejct, verão 2023.Foto: Divulgação
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Jean Paul Gaultier, alta-costura inverno 2022.Foto: Divulgação
Vivienne Westwood, inverno 2017.Foto: Getty Images
Engana-se, no entanto, quem acha que o movimento é novo ou ficou parado nos anos 1930 com Elsa Schiaparelli. Desde então, acessórios com formas de partes do corpo não deixaram de aparecer, só ficaram mais tímidos ou pontuais. Coisas das modas e seus ciclos. Nos desfiles masculinos de inverno 2016 e 2017, por exemplo, Vivienne Westwood apresentou colares, abotoaduras, chaveiros e pulseiras no formato de pênis – uma alusão aos sapatos com dildos no bico que marcaram a temporada de verão 1995 de sua etiqueta.
Já no verão 2019 da Marni, corpos de mulheres foram esculpidos em resina colorida e pendurados nos pescoços ou nas orelhas. Inclusive, elas vieram para o Brasil via LOOL, a multimarcas de Luiza Setúbal. “Quando elas chegaram, todo mundo achou estranho, eram marcantes, grandes. É uma bijoux que você tem que se sentir segura para usar”, diz Setúbal. “Mas depois da Schiaparelli, as pessoas começaram a achar mais aceitável”, explica a empresária, que também apostou em acessórios com formas de pequenos rostos na sua linha própria.
Para ela, o retorno dessa estética tem a ver com a vontade das pessoas se sentirem mais livres, menos presas às regras e convenções. Já para Rose Benedetti, designer e joalheira que trabalhou ao lado de Yves Saint Laurent por 15 anos e ajudou a popularizar a bijuteria de luxo no Brasil, a tendência tem mais a ver com extravagância. “Nos anos 1990, teve a onda dos japoneses chegando na Europa, que acabou limpando a bijuteria”, fala Benedetti. “As peças ficaram menores, mais limpas. Agora a ideia é exagerar. O acessório da vez é mais futurista e chamativo.”
Corpos nacionais
No Brasil, a designer que mais investiu na pesquisa sobre partes do corpo, colocando-o em evidência em suas joias, foi Paola Vilas. A carioca cria um elo entre as formas esculturais e a força das mulheres. Nas suas coleções, o corpo nu e a vulva são trabalhados em formas delicadas e poderosas. “A conexão com o corpo da mulher fala sobre trazer o feminino de volta para nós. A gente vive em um mundo onde todo mundo decide sobre nosso corpo, menos a gente. Temos que lembrar da nossa liberdade o tempo todo”, diz a designer.
Debruçada nessa pesquisa desde 2016, Vilas ganhou notoriedade rapidamente e suas peças são reconhecidas tanto pela delicadeza quanto pelo DNA forte. Avessa a tendências, suas joias servem como ferramenta de reapropriação do poder feminino. Não à toa, ela relata, muitas mulheres que trabalham em ambientes majoritariamente masculinos a procuram para que seus acessórios transmitam essa força.
Paola Vilas.Foto: Divulgação
Gansho.Foto: Divulgação
A Gansho, de Fernanda Rabelo, também começou a brincar com formas do corpo por volta de 2019. À época, ela moldava orelhas, unhas e mamilos em joias e bijoux. “Gosto de pensar na metalinguagem de usar uma peça que imita a parte do corpo em que ela está: um brinco de orelha, o mamilo para ser usado em cima da roupa e as unhas para fazer as vezes de manicure”, explica Rabelo.
Contudo, demorou alguns anos para que ela colocasse essas ideias no mercado. “O timing foi super importante. Acho que se eu tivesse lançado essas peças em 2019, as pessoas iam achar muito estranho”, comenta sobre o lançamento do ano passado. “Como várias grandes marcas já tinham feito quando lancei, as clientes desejaram mais o produto.” E foi um hit de vendas.
Seja pela vontade de peças mais extravagantes seja pelo anseio de mostrar força através de formas do corpo, a máxima de Elsa Schiaparelli parece estar mais viva do que nunca: como ela bem propôs, as bijouterias e joias não servem mais só para adornar nosso corpo, mas para passar uma mensagem, confundir o olhar e brincar com o que se espera de um acessório.
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