Moda do sim

Como as redes sociais e as mudanças políticas e culturais estão ensinando a moda a aceitar e ser mais positiva.


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O look tem valor proibitivo e tamanhos extremamente pequenos. O desfile é para poucos convidados. O acesso aos bastidores, para profissionais selecionados e clientes apenas. Jantares e festas durante as semanas de moda, só com nome na lista. Um emprego na área depende de quem você conhece, de onde veio, do seu sobrenome e de sua aparência. A moda sempre foi mais chegada ao não do que ao sim. É que a negativa tem mais a ver com o sistema de exclusão pelo qual o setor sempre se pautou. Porém mudanças sociais, culturais e políticas começam a exigir um pouco mais de positividade e aceitação.

Não por acaso, as mais significativas e recentes delas vieram de profissionais negros, há muito silenciados e invisibilizados pelos mecanismos tradicionais dessa indústria. Anos atrás, por exemplo, seria pouco provável um grupo de modelos negras estipular o mínimo de 50% de pessoas negras, indígenas e asiáticas nos castings da São Paulo Fashion Week.


Foi o que fez o coletivo Pretos na Moda. Em um tratado moral, o grupo estabelece ainda valores mínimos de cachês para as apresentações, prazos de pagamento e diretrizes de comportamento e respeito no trabalho. O objetivo é viabilizar a inclusão de pessoas racializadas na moda brasileira e, com isso, reformular o setor, de modo que todos os corpos se sintam pertencentes e representados.

Em resposta às reações e ao apoio de fachada de parte da indústria aos protestos antirracistas, após o assassinato de George Floyd, nos EUA, em maio deste ano, a estilista Aurora James também decidiu fazer algo a respeito. Diretora criativa da Brother Vellies, ela criou o Fifteen Per Cent Pledge, projeto que pede para que multimarcas e revendedoras se comprometam a ter, no mínimo, 15% de sua oferta composta de produtos de marcas de pessoas pretas.

Em julho, Virgil Abloh, fundador da Off-White e diretor artístico da linha masculina da Louis Vuitton, criou um fundo em parceria com o Fashion Scholarship Fund. Junto a parceiros como Evian, Farfetch, Louis Vuitton e New Guards Group, o designer levantou US$ 1 milhão para apoiar estudantes negros interessados em seguir uma carreira na moda – do design à parte administrativa.

Ainda embalados pelos movimentos antirracistas, a editora Lindsay Peoples e a relações-públicas Sandrine Charles lançaram o Black in Fashion Council. O conselho pretende criar um sistema de avaliação capaz de medir o quão inclusiva é uma empresa. O modelo ainda está em desenvolvimento, mas já tem o apoio de marcas como Tommy Hilfiger, Tiffany & Co., L’Oréal e Calvin Klein.

Seria difícil, no entanto, imaginar tudo isso sem as redes sociais. Já é sabido o quanto plataformas como Twitter, Instagram e YouTube foram essenciais para que vozes e corpos antes ignorados pela moda mainstream fossem notados, ouvidos e respeitados. A polarização e a ascensão políticas de nomes conservadores, como Jair Bolsonaro e Donald Trump, com discursos machistas, racistas, transfóbicos e homofóbicos, também colaboraram para uma maior conscientização e discussão socioculturais.

Mais informado do que nunca, muitos consumidores começaram a exigir de suas marcas favoritas compromissos efetivos com valores e ideais de sustentabilidade e responsabilidade social. Quando isso não acontece ou, pior, quando alguns desses princípios são violados, as redes sociais são o principal e mais efetivo canal de reclamação, reivindicação e, algumas vezes, cancelamento. Aconteceu no ano passado com a Gucci, por exemplo.

Em 2019, a marca lançou uma blusa de gola tão alta a ponto de cobrir metade do rosto. Acontece que o tecido era preto e, bem na altura da boca, havia uma abertura contornada de vermelho intenso. Tão logo a peça chegou às lojas, foi alvo de inúmeros posts acusando a grife de blackface. A Gucci, uma das casas mais comprometidas com discursos de diversidade, pediu desculpas, mas percebeu que não era o suficiente.

Pouco tempo depois, a etiqueta do grupo Kering convidou a advogada Renée Tirado para assumir o posto de chefe de diversidade, um cargo até então inexistente na empresa. Ela acabou deixando a empresa para abrir sua própria consultoria, mas foi responsável pela criaç˜åo do Gucci Global Equity Board, uma espécie de conselho internacional focado em criar e garantir oportunidades e ambientes de trabalhos realmente inclusivos. Atualmente, ele é comandado pela modelo ativista Bethann Hardison e por Luca Bozzo, diretor de pessoas da label.

Foi após denúncias de blackface, em 2018, que a Prada criou seu Conselho de Diversidade e Inclusão. Comandado por Theaster Gates e Ava DuVernay, o projeto reúne artistas, ativistas, profissionais de moda e instituições de ensino para promover mudanças estruturais e inclusivas na empresa.

Outras marcas de luxo também desenvolvem há algum tempo seus próprios projetos sociais. A Chanel trabalha, desde 2011, com a Fondation Chanel, dedicada ao apoio de projetos para melhorar as condições econômicas e sociais de mulheres e meninas adolescentes ao redor do mundo. A Dior, por sua vez, criou em 2102 o Women@Dior, focado em autonomia, inclusão, desenvolvimento sustentável e criatividade feminina. Atualmente, são 500 participantes, duas delas de Nova Friburgo (RJ).

Ainda que importantes, são ações pontuais no mercado de luxo e com pouca reverberação estrutural no funcionamento da indústria. Nesse sentido, vale prestar atenção no trabalho de marcas independentes, nacionais e internacionais, comandadas por pessoas negras, trans, indígenas, asiáticas ou de qualquer outra minoria. Exemplos não faltam: Christopher John Rogers, Isaac Silva, Nalimo, Jal Vieira, Dendezeiro, Telfar, Pyer Moss e Ângela Brito, entre tantos outros. Nomes que, dentro de suas estruturas e potencialidades, produzem ondas de choques positivas em perfeita sintonia com o que precisamos hoje.

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