Pretos na Moda lança tratado para inclusão de profissionais racializados

Em parceria com SPFW e profissionais da área, uma das medidas institui que desfiles deverão ter pelo menos metade de seus castings compostos por modelos negras, indígenas e asiáticas.


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No último sábado, (31.10), o coletivo Pretos Na Moda divulgou um tratado moral em parceria com o
São Paulo Fashion Week e alguns profissionais da área. O objetivo é viabilizar a inclusão de profissionais racializados na indústria da moda brasileira e, com isso, reformular o setor, de modo que todos os corpos se sintam pertencentes e representados.

Como noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo na sexta-feira (30.10), a primeira e principal ação é a regra de que todo desfile do SPFW deverá ter pelo menos 50% do casting composto por pessoas negras, indígenas e asiáticas. Além disso, o documento estipula valores mínimos de cachês para as apresentações, prazos de pagamento e diretrizes de comportamento e respeito no trabalho.

“A gente vem trabalhando em parceria com o São Paulo Fashion Week e Paulo Borges desde junho. Temos reuniões semanais e, juntos, fechamos essa decisão, e outros projetos que ainda estão por vir e serão divulgados em breve”, disse a modelo Thayná Santos em nome do Pretos na Moda, em sua conta no Instagram. Foi por essa rede social, aliás, que o assunto ganhou força e extrapolou o meio virtual.

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Em maio deste ano, após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, o Black Lives Matter se tornou um enorme levante global. No Brasil, o protesto se desenrolou e, em atos anti-racistas, muitos usaram o Instagram para mostrar solidariedade à luta contra a injustiça racial. Marcas e estilistas não ficaram de fora mas, entre os vários quadrados pretos nos feeds e posicionamentos superficiais, a Thayná se sentiu incomodada e decidiu se manifestar.

Em sua conta, a modelo contestou o posicionamento de grandes nomes da moda nacional e denunciou abertamente casos de racismo que vivenciou. A atitude desencadeou uma série de relatos por parte de outras modelos, como Natasha Soares, Camila Simões, Diara Rosa e Cindy Reis. “Se autopromover e fazer marketing em cima de uma ação tão importante como o movimento Black Lives Matter é inaceitável. Foi então que fiz o que me parecia justo: tornar públicas informações e vivências reais para que todos pudessem entender o quão problemático e cruel é o racismo de alguns profissionais do mercado da moda”, afirmou Cindy, à época,
em entrevista à ELLE.

A movimentação de muitas dessas mulheres ganhou forma e, assim, nasceu o Pretos na Moda, coletivo organizado para unir modelos, criativos e demais profissionais negros dessa indústria. Ao longo dos quase seis meses desde o primeiro exposed, os envolvidos no projeto estão em contato constante com a organização do SPFW, especialmente Paulo Broge, diretor criativo e fundador da semana de moda.

“O projeto foi se estruturando na medida em que as conversas fluiam entre as reuniões. Tínhamos o entendimento de que precisávamos construir um relacionamento de afeto e verdade com a equipe do SPFW”, escreveram as modelos em entrevista conjunta por e-mail. “Depois de umas cinco reuniões de discussões afloradas, nos vimos à vontade para expor o que pensávamos da forma mais pura, vice-versa.”

Paulo Borges conta que o primeiro passo foi “ouvir demandas, opiniões e angústias para, depois, começar a pensar em uma solução”. Uma delas foi ampliar a discussão e envolver mais profissionais. São mudanças estruturais que extrapolam o evento. Quanto mais gente puder ouvir e se envolver, mais atores se conscientizando e se responsabilizando por suas ações.”

“Em reuniões entre o Pretos Na Moda e SPFW entendemos que, precisávamos atingir outras categorias da moda” afirmam os membros do coletivo PNM. “Primeiro falamos com os diretores de casting e desfiles, depois com os stylists e, por fim, com as agências de modelo, visando seleção, percepção corporal e o cuidado com esse indivíduo. É sempre importante entender a função de cada um para que a luta seja concreta e contínua”, continuam.

O São Paulo Fashion Week já foi alvo de algumas ações judiciais no passado devido à ausência de modelos negros em suas passarelas. Em 2009, um acordo entre o Ministério Público e a semana de moda determinou um sistema de cotas nos desfiles: ao menos 20% do total dos profissionais deviam ser negros. Ao longo dos anos seguintes, a porcentagem se manteve acima do limite estabelecido com consideráveis variações entre uma temporada e outra. Nas mais recentes, a contagem proporcional chegou próxima aos 30%, muito devido à chegada de marcas jovens, independentes e a ausência das grifes tradicionais do mercado.

Na temporada marcada entre os dias 04 e 08 de novembro, nota-se em especial a ausência de grandes nomes e marcas estabelecidos e com história no mercado. A maioria dos 36 participantes são etiquetas independentes, comandadas por profissionais jovens e mais atentos e comprometidos com questões raciais e de representatividade. Para muitas delas, a nova exigência de igualdade é algo quase natural e, por tanto, não deve encontrar grandes obstáculos.

A dúvida fica para a temporada seguinte, com o possível retorno das grandes grifes ao evento. A organização do SPFW, contudo, garante que quem descumprir as novas normas, não poderá mais desfilar alí. “A fiscalização já vem acontecendo, marcas que aplicaram as medidas de forma desrespeitosa tiveram que acatar o novo regramento, caso contrário, elas não poderiam participar do evento” diz os membros do PNM.

“Isso demorou para acontecer. É algo urgente. Temos uma população negra gigante e essas pessoas precisam ocupar espaços de protagonismo. O ideal, claro, é que se desse de uma forma orgânica, mas se não acontece dessa maneira, que seja pela regra. O importante é avançar”, afirma a stylist e editora Flávia Pommianosky, que participou das reuniões entre PNM e SPFW.

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