Amir Slama celebra a mãe em verão de contrastes​

Peças têm estampa feita a partir de flores desenhadas pela equipe do designer como homenagem à matriarca, Margarida, vítima da Covid-19 no ano passado.


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A mãe de Amir Slama, Margarida, faleceu em março do ano passado, aos 91 anos, vítima da Covid-19. À época, o estilista se afastou do trabalho por uma semana e, quando resolveu retornar à empresa, se deparou com uma surpresa dos funcionários. Das costureiras aos vendedores, todos desenharam margaridas em folhas de papel, deixadas sobre a mesa do chefe para quando ele retornasse.

“Foi muito emocionante. Todos conheciam minha mãe e acho que essa foi a forma que encontraram de demonstrar carinho e sensibilidade [com sua morte]”, diz o estilista.

Os desenhos agora incorporam parte do atual resort e também do próximo verão 2023 de sua marca homônima. O conceito surgiu assim que ele pôs os olhos nos esboços, apesar de ter negado a ideia no primeiro momento. Guardou dentro de si até maturar tudo o que havia passado. “Queria fazer. Mas, ao mesmo tempo, não dar uma cara melancólica à coleção”, afirma.

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Modelo veste look da nova coleção de Amir Slama.Divulgação

A intuição venceu quando decidiu coordenar as diferentes margaridas na criação de uma única estampa. No resort, ela aparece em um fundo preto e branco, aliado à presença pontual do vermelho que tinge parte das peças.

“O que vemos são margaridas de muitas mãos. É engraçado, porque o processo de criar é um pouco inconsciente. Acabei usando muito preto e branco por essa questão da perda, do luto. O vermelho não é a cor da margarida, mas é a do sangue”, explica Amir.

Não é apenas nas cores que a coleção procura fugir do comum. Geralmente usado em interpretações românticas, o bem-me-quer decora roupas descontraídas e sensuais, típicas do trabalho do designer. São modelos que passeiam por vários ambientes, da praia à cidade, como maiôs combinados a saias no mesmo tom que, juntos, simulam vestidos.

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Croquis da nova coleção da marca homônima do estilista Amir Slama.Divulgação

“É uma coisa bem brasileira essa sensualidade e a roupa descontraída. Ela é sofisticada, mas não é pretensiosa. Se olharmos as coleções internacionais, as formas dos vestidos, as amarrações e a transparência, quase tudo parece ter saído da praia.

Essa brasilidade aparece ainda mais explícita na coleção de verão da Amir Slama, na qual as cores tomam conta das araras. As margaridas aparecem coloridas, com tamanhos estourados e formas inusuais, permeando conjuntos texturizados. As roupas chegam às lojas em meados do próximo mês e, segundo ele, são continuações da coleção anterior.

“É interessante como a coisa vai se tornando mais colorida. Acho que mesmo tendo perda, continuamos vivos. E a cor é uma coisa viva, prazerosa”, reflete, sobre a transição do preto e branco para os tons alegres, a exemplo do rosa.

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Look do verão 2023 da grife Amir Slama.Divulgação

Amir conjurou uma celebração à vida para olhar adiante e, de certa forma, preencher os espaços vazios deixados pela partida de sua mãe e de tantas vidas ceifadas nesta pandemia.

“Vivi de perto toda essa loucura [da pandemia] que aconteceu há muito pouco tempo, apesar de hoje as pessoas agirem como se nada tivesse acontecido. Vi muita coisa no hospital, e não só com minha mãe. Isso me faz pensar também que precisamos celebrar a vida, as coisas que esperamos e o que queremos”, reflete o estilista.

AMOR DE MÃE

A trajetória profissional do estilista, fundador da grife Rosa Chá, que hoje é propriedade do grupo Restoque, está entrelaçada à de Margarida. Ela apoiou o filho desde quando ele resolveu mudar o rumo profissional, deixando os estudos em História para se dedicar à carreira na moda. “Trabalhei dois anos como professor de história. Desde o começo, percebi que lecionar não era para mim. Vi a moda como uma possibilidade de poder continuar pesquisando e conseguir recursos para levar a vida”, relembra.

Acontece que o universo têxtil sempre esteve em seus “ouvidos”. Os pais, Abraão e Margarida, comandaram por muito anos a confecção Marjorie Shirts, que produzia para lojas de departamentos. Ao lado da namorada à época, Amir montou uma estrutura pequena para a grife de moda praia que levaria o nome de uma flor de Minas Gerais.

“Meu pai não trabalhava mais, já tinha fechado a confecção e me deu algumas máquinas de costura e retalhos de tecido. Foi assim que começamos e minha mãe veio comigo”, conta. Margarida o ajudou a produzir e modelar as peças. Uma assistência que permaneceu mesmo após Amir se desligar da Rosa Chá e começar a marca homônima. Ela ficou ao lado do filho até completar oito décadas de vida.

Por isso, a homenagem é só um capítulo da história do estilista, porque o legado da mãe, ele conta, está em todos os seus trabalhos. “Foi ela quem me ensinou a mexer com modelagem, que era uma coisa que eu não sabia quando comecei”, revela.

“Era muito precisa no corte e muito disposta, uma coordenadora de pessoas. Sabia trabalhar com pessoas e fazer com que não fossem simplesmente funcionários, mas sim uma equipe de verdade”. Um viva às margaridas e à Margarida de Amir.

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