O estilo atemporal de Bonequinha De Luxo

No aniversário de 60 anos do clássico, relembre o icônico figurino de Audrey Hepburn criado por Hubert de Givenchy.


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Foto: Getty Images



No universo dos enlaces inseparáveis entre moda e cultura pop, Paris e Hollywood têm posição de destaque. Há décadas, a capital da alta-costura vive um relacionamento íntimo com a capital ocidental do entretenimento – desde parcerias celebradas, como a de Jean-Paul Gaultier e Madonna, até amizades seguidas por milhões nas redes sociais, como a de Olivier Rousteing, diretor criativo da Balmain, com a família Kardashian-Jenner. Ainda assim, é a relação entre Hubert de Givenchy e Audrey Hepburn o exemplo mais famoso desse laço.

Givenchy não foi o primeiro costureiro de Paris a marcar presença em Los Angeles. Os primeiros flertes entre as duas indústrias surgiram em 1931, quando Coco Chanel foi contratada por Sam Goldwyn, um dos fundadores dos estúdios Paramount e Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), para atualizar os figurinos de divas como Gloria Swanson. O experimento fracassou, terminou no ano seguinte, mas abriu as portas para colaborações parecidas.

Nos anos seguintes, criações de Elsa Schiaparelli apareceram no cinema, como em Every Day’s a Holiday (1937), assim como as de Cristóbal Balenciaga, em Lessons in Good Love (1944). O encontro mais próspero, entretanto, foi o de Christian Dior e Marlene Dietrich, que trabalharam juntos em Stage Fright (1950) e No Highway in the Sky (1951). À época, a atriz ficou famosa por uma de suas exigências: “Sem Dior, sem Dietrich”. Portanto, quando Audrey Hepburn conheceu Hubert de Givenchy, em 1953, a relação entre costureiros e atrizes não era uma novidade.

Cena do filme Bonequinha De Luxo.

Cena do filme Bonequinha De Luxo.Foto: Getty Images

 

Aos 21 anos, Hepburn acabara de ganhar seu primeiro Oscar de Melhor Atriz por seu papel em A Princesa e o Plebeu (1953) e fez questão de estrelar seu próximo longa, Sabrina (1954), em grande estilo. Autorizada pela Paramount, deixou de lado a chefe do departamento de figurinos do estúdio, a lendária Edith Head, para escolher seu próprio guarda-roupa em Paris, mais especificamente nos ateliês de Hubert de Givenchy, então com 26 anos.

O costureiro, que abriu sua casa de moda em 1952, ficou empolgado ao saber que iria conhecer a “senhorita Hepburn”, mas foi surpreendido. Em vez da diva consagrada Katherine Hepburn, de quem era fã, recebeu a jovem Audrey Hepburn, de quem nunca ouvira falar.

Mas a admiração foi mútua e instantânea. Unidos pela jovialidade glamorosa (Givenchy era filho de um marquês e Hepburn de uma baronesa) e gostos parecidos, os dois firmaram uma amizade de 40 anos. O impacto do encontro foi profundo e refletiu na obra do costureiro, como lembra Henry Wilkinson, historiador de moda e especialista na obra de Hubert de Givenchy e sua relação com Audrey Hepburn. “Há uma mudança tangível entre seus primeiros trabalhos, mais experimentais, e aqueles depois de seu primeiro encontro com Audrey”, explica ele, que estagiou nos arquivos da Givenchy à convite da própria marca.

O estilista e a celebridade compartilharam momentos marcantes no cinema, mas a essência de sua colaboração ficou eternizada no filme de 1961, Bonequinha de Luxo, dirigido por Blake Edwards. Inspirado no livro Breakfast at Tiffany’s (1958) de Truman Capote, a história acompanha Holly Golightly, uma garota de programa que vive dias e noites excêntricos em Nova York, até se apaixonar pelo novo vizinho, um escritor sem inspiração.

É difícil imaginar o longa sem a participação de Hepburn, mas as primeiras opções para o papel incluíam as atrizes Elizabeth Taylor, Jane Fonda e até Marilyn Monroe – amiga de Capote. O autor, inicialmente, rejeitou a ideia de Audrey como Holly, já que achava a atriz elegante demais para interpretar a personagem extrovertida, uma menina de 18 anos na história original.

A figura de Hepburn também divergia dos corpos voluptuosos que Hollywood ainda parecia preferir, mas sua escalação para o papel principal garantiu o sofisticado guarda-roupa assinado por Givenchy, que ajudou a tornar o figurino do filme um dos mais memoráveis na história do cinema, além de referência atemporal para as gerações seguintes.

Audrey Hepburn, em Bonequinha De Luxo.

Audrey Hepburn, em Bonequinha De Luxo.Foto: Getty Images/Paramount Archive

 

A complexidade de Holly Golightly, de olhar inocente e comportamento proporcionalmente menos tímido, é refletida em suas roupas – resultado do trabalho de Givenchy, Audrey Hepburn e Edith Head, esta ainda no comando dos figurinos nos estúdios Paramount. Sobre essa construção em equipe, Wilkinson explica que “o costureiro providenciou as roupas para a personagem que Holly fingia ser, a garota nova-iorquina glamorosa, enquanto Edith introduziu as roupas para a Holly real, que cresceu na fazenda (como é revelado durante a história)”.

São de Givenchy os looks mais associados ao filme. Escolhidos pela própria Audrey entre as criações do estilista para a temporada de inverno 1960 de alta-costura, eles também revelam a parceria singular entre o costureiro e a atriz. É o caso do icônico vestido preto longo com o qual Hepburn inicia o filme, saindo de um táxi na Quinta Avenida de Nova York para contemplar a vitrine da joalheria Tiffany & Co, enquanto toma seu café da manhã.

Elegante, com óculos escuros, colar de pérolas, luvas de ópera e um penteado imaculado (por Nellie Manley), a imagem da personagem sugere uma noite luxuosa de diversão. Segundo lendas de Hollywood, o vestido original teria sido alterado por Edith Head, depois que o estúdio considerou muito reveladora uma fenda na saia. Wilkinson, contudo, defende que a história é apenas um mito e que o item é um puro Givenchy.

Ilustra\u00e7\u00e3o de Edith Head.

Ilustração de Edith Head.Foto: Reprodução/Christie’s

 

Outros desenhos do estilista, como uma casaco estruturado laranja com quatro botões, são igualmente memoráveis no filme. Mas é um vestido rosa que melhor exemplifica a relação entre o costureiro e a atriz. Originalmente em preto e com um decote alto, a peça foi um sucesso na temporada, tendo sido encomendada por figuras como a Princesa Lee Radziwill e a modelo Capucine.

Preocupada com a quantidade de vestidos pretos no filme, Audrey pediu as alterações, incluindo um decote mais profundo – em maior sintonia com o estilo e vida de sua personagem. A versão em rosa brilhante também reflete mais apropriadamente o estado emocional de Holly, deslumbrada com o noivado de um milionário brasileiro que ela acredita estar no caminho para ser o futuro presidente do Brasil.

Pelas mãos de Edith Head, o guarda-roupa da atriz é consideravelmente menos fantasioso. É o caso do par de jeans e do suéter cinza que Audrey veste para cantar Moon River (canção composta por Henry Mancini e Johnny Mercer e recentemente cantada por Beyoncé na campanha About Love, da Tiffany) em uma das cenas mais lembradas do filme. Curiosamente, é esse o estilo que mais se aproxima dos gostos pessoais de Hepburn, que se sentia mais confortável em roupas casuais.

 

Ao refletir sobre o impacto do filme, Wilkinson discute que “grande parte do apelo de Audrey é que ela vestia tão bem em jeans e suéteres quanto em vestidos de festa”. Outra razão para o sucesso atemporal da moda do filme são os estilos do próprio costureiro. Ainda que fosse querido entre as mulheres da elite internacional, Hubert de Givenchy sempre priorizou o conforto em suas criações.

O especialista lembra que uma enorme porção das clientes do estilista era estadunidense, país onde peças menos restritivas tinham maior apelo aos consumidores. A simplicidade estética (“mas construção impecável”, lembra Wilkinson) de seus desenhos também conversavam com a juventude que, na década de 1960, se tornou protagonista na moda, lançando o prêt-à-porter e negando as excentricidades e complexidades da alta-costura.

Com seis décadas de presença na cultura pop, Bonequinha de Luxo não deve seu sucesso a um único fator. Enquanto sua estrela, Audrey Hepburn, encarnava um novo tipo de glamour, menos distante das princesas e divas reverenciadas até então, sua protagonista, Holly Golightly, ainda ressoa com o senso de humor e leviandade que parece ser eternamente jovial. Seu estilo, um mix da sofisticada alta-costura e do conforto do prêt-à-porter, é natural e despretensioso.

Sem artificialidades, Bonequinha de Luxo pode ter se tornado um clichê no moodboard de referências entre fashionistas pelo mundo, mas de fato conversa com desejos que a moda parece procurar incansavelmente: o de tornar especial a maior das simplicidades e de tornar leve o maior dos luxos – mesmo sendo ele um café da manhã na Tiffany em um vestido Givenchy.

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