O que mudou no tapete vermelho em 2021?

Distanciamento social, saudades de se arrumar e maior controle sobre a própria imagem transformaram os looks escolhidos pelas celebridades.


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Celeste, de Gucci. Foto: Getty Images



Há alguns dias, a produção do Oscar enviou um comunicado aos convidados reforçando o dress code da premiação: “O foco é uma fusão do Inspiracional com o Aspiracional”, dizia a mensagem, assim mesmo, com ênfase nas letras maiúsculas. “Na prática, formal é perfeitamente aceitável, mas causal não.”

Parece óbvio, ainda mais vindo de um evento tão apegado a tradições. Porém, este ano, a temporada de premiações foi um tanto inusitada. Teve gente de pijama, moletom tie-dye, jeans e camiseta ou uma versão ligeiramente mais arrumada do look de ficar em casa.

Devido às restrições impostas pela Covid-19, muitos eventos aconteceram de forma digital, com transmissões remotas, ou em formato híbrido, meio online, meio presencial. Com isso, o tapete vermelho quase não existiu. Ele foi substituído por fotos no jardim de casa, na cozinha, em quartos ou corredores de hotel.

Sem sair do conforto do lar e com apenas alguns minutos em transmissão ao vivo, muita gente não viu necessidade nem sentido em se produzir. As exceções foram as celebridades com contrato com grandes marcas e aquelas que não abrem mão da boa montação.

Contudo, a ausência de plateia ao vivo, das centenas de fotógrafos, o maior controle sobre as imagens divulgadas e as privações pandêmicas geraram um efeito interessante sobre a moda do tapete vermelho. E isso vale para as celebridades, para seus stylist e para as marcas que as vestem.

Quem acompanha as premiações sabe bem o quão monótonos estavam os red carpets. Tem a ver com o tribunal das redes sociais e com os contratos milionários entre celebridades e grandes marcas de luxo. Vestidos em forma de cisnes, camisas da GAP com peças de alta-costura, ternos usados ao contrários e demais elucubrações estéticas e de estilo, eram looks cada vez mais raros.

Em condições normais de temperatura e pressão, dificilmente veríamos Emma Corrin em um vestido Prada de cetim e renda, com mangas azuis bordadas, saia plissada em tecido de alfaiataria, tipo um avental, e coturnos, no SAG Awards. Tampouco seriam prováveis os vários looks quase surrealistas de Daniel Roseberry, diretor de criação na Schiaparelli, mais novo queridinho das celebridades. Ou então, as versões futuristas deluxe de Nicolas Ghesquière para Louis Vuitton (marca e estilista responsáveis por alguns dos looks mais elogiados da temporada de premiações). Ainda que não exatamente revolucionários,

“Sinto que a moda está mais experimental e isso reflete no que as celebridades vão vestir”, diz Mitcho Mezzomo, comentarista de moda. “A internet, sem dúvidas, é uma das grandes responsáveis por isso. De 2015 para cá, existe a necessidade de criar imagens belíssimas para hitar nas redes. Daí a abordagem mais dramática de marcas como Valentino, Schiaparelli, Giambattista Valli, Christopher John Rogers, Christian Siriano”, continua ele.

O stylist Caio Sobral sempre achou os tapetes vermelhos um tanto chatos, mas percebeu alguma mudança neste ano. “Ninguém liga mais para a aprovação alheia, as pessoas querem ser elas mesmas. E tudo bem se um dia você aparecer com um vestido intergaláctico e, no outro, com um preto sereia (alô, Lady Gaga!)”. Se é evolução ou superação de um sistema bastante problemático de categorização de melhores e piores looks ainda não dá para dizer. O fato é que personalidade, individualidade, história e até ancestralidade são elementos cada vez mais importantes na escolha dos looks.

Lucas Boccalão, editor de moda da ELLE, concorda: “As celebridades estão usando looks mais especiais e levando em conta seus estilos pessoais e raízes”. Como exemplo, ele cita a atriz Viola Davis, que escolheu looks de estilistas negros, como Lavie by CK e Duro Olowu, e com motivos africanos para as algumas premiações deste ano. “As pessoas estão mais conscientes e politizadas, e querem passar essas mensagens por meio das roupas”, comenta Mitcho. “Daí a preferência por marcas alinhadas aos valores de cada um. Às vezes, a imagem pode não ser tão impactante, mas o que a pessoa quis dizer é.”

Outro ponto observado por Caio são os looks especiais: “Como o vestido Mugler usado por Cardi B (no Grammy de 2019), o chapéu com franjas mecânicas de Billy Porter (no Grammy de 2020) ou quando Lady Gaga chega dentro de um ovo ou com uma roupa feita de carne”, explica o stylist.

Além da exclusividade e exuberância única dos looks, agora existe um fator especial para explicar o porquê disso tudo. “É a abstinência da montação”, afirma Lucas. “É a vontade de voltar a se vestir para viver um momento, encontrar pessoas, ver e ser visto.”

De fato, o ritual de se vestir (e a ausência dele) tem se mostrado bastante influente em nossas vidas, na maneira como nos vemos e como nos projetamos no mundo. Ainda que bem distantes da realidade de quase todo mundo, eventos como premiações servem para nos lembrar do valor do processo de escolher algo especial para colocar no corpo. Ainda mais depois de tanto tempo dentro de casa, com moletom, camiseta ou qualquer roupa molenga e confortável.

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