Por que ainda somos obcecados pela estética de Matrix?

À medida que a saga é revivida em um novo filme, nós desvendamos o fascínio duradouro por seu figurino, que, mais de 20 anos depois, segue influenciando o nosso guarda-roupa.


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Foto: Getty Images



Observe as passarelas e imagens recentes de streetstyle e você provavelmente se lembrará de uma série de personagens icônicos do fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. Cher Horowitz, de As Patricinhas de Beverly Hills, Ashley Banks, de Um Maluco no Pedaço, e Neo, Trinity e Morpheus, de Matrix. Contrariando as expectativas, a ficção científica, que estreou nos cinemas em março de 1999, se tornou um filme de moda e, se depender das irmãs Hadids, seguirá resistindo ao teste do tempo.

Caso não tenha assistido à trilogia, aqui está uma breve recapitulação: um jovem programador é atormentado por pesadelos em que aparece conectado por cabos a computadores futurísticos. À medida que o sonho se repete, ele passa a ter dúvidas sobre a realidade. Ao Morpheus e Trinity, descobre que é, assim como outras pessoas, vítima do Matrix, um sistema inteligente que manipula mentes e cria a ilusão de um mundo real, enquanto usa os cérebros e corpos dos indivíduos para produzir energia.

Duas décadas atrás, essa história poderia soar distópica demais, porém, em 2022, não poderia ser mais relevante. Agora, a ordem mundial parece tomada por um cenário de extrema irrealidade digital: a inteligência artificial se infiltrou no varejo físico, profissionais estão sendo substituídos por algoritmos e há esse desespero generalizado em torno do metaverso. Como o conflito entre homem e máquina mais real do que nunca, aquele aviso prévio de um mundo cibernético onipresente já não parece mais tão absurdo.

Não à toa, a franquia acaba de ganhar uma nova sequência. Matrix Resurrections é a continuação da então trilogia e, a partir deste dia 25 de janeiro, estará disponível na plataforma de streaming HBO Max. Logo nos momentos iniciais do trailer, uma voz diz: “Não podemos ver, mas estamos todos presos dentro de estranhos loops repetidos”. Então, surge um personagem com um macacão inteiro preto. Já vimos esse visual antes. Desde o início da saga, a forte linguagem visual de Matrix conquistou a moda e se infiltrou no tal zeitgeist. Graças ao lançamento, não há momento mais apropriado para reviver sua influência.

A ficção científica favorita da moda

Saia e jaqueta pretas de couro acompanhadas por uma bota de combate.

Dior, inverno 1999 alta-costura.Getty Images

Para entender o impacto do filme na indústria da moda, bastaria citar o desfile de inverno 1999 de alta-costura da Dior. Havia se passado apenas alguns meses desde a estreia da franquia nos cinemas, quando John Galliano decidiu levar à passarela os códigos estéticos vistos no figurino de Neo, Trinity e Morpheus. Naquela temporada, o couro foi o protagonista absoluto, aparecendo em visuais monocromáticos de aspecto pesado, serviu para estabelecer uma nova imagem que perduraria por anos na casa.

Em 2000, Janet Jackson cruzou o tapete vermelho do MTV Movie Awards usando um vestido que mais parecia ter saído do set de Matrix. Bem como a coleção quase inteiramente preta de inverno 2000 apresentada por Vera Wang. Assim foi o impacto do longa: imediato e perceptível.

A combinação de uma narrativa ambiciosa a visuais exuberantes, concebidos pela figurinista Kym Barrett, fez com que a estética fosse cravada em nossa memória: tons sombrios, couro, espartilhos envernizados, casacos longos, coturnos e micro óculos de sol. Esse uniforme é para a saga o que o conjunto xadrez de Cher Horowitz foi para As Patricinhas de Beverly Hills. Embora os filmes tenham papéis diferentes na definição de moda dos anos 1990, ambos não elegeram nenhuma peça à toa.Tr

Trinity aparece em um look preto de couro ao lado de Neo.

Trinity e Neo em cena de Matrix.Reprodução

Quando Kym foi selecionada para estar à frente do figurino de Matrix, ela estava decidida a imaginar o que o mundo poderia ser. Assim nasce a imagem futurista e um tanto cyberpunk, baseada nas culturas undergrounds e com referências fetichistas. O clima da época também teve a sua parcela de influência. As linhas limpas e retas observadas nos visuais se encaixam no minimalismo que, naquela década, voltou renovado ao interesse.

Por meio do figurino, havia ainda alguns pontos importantes da narrativa a serem transmitidos. As silhuetas, por exemplo, precisavam ser instantaneamente reconhecíveis para que os espectadores pudessem dizer quem era cada personagem, mesmo no escuro. As roupas também deveriam ser um tanto justas, afinal, o elenco iria protagonizar cenas de ação e nada poderia impedir os seus movimentos. Já os óculos de armação fina, que se mantêm populares até hoje, serviam para esconder os olhos daqueles que sabiam a verdade sobre a Matrix.

Kym Barrett não dava ponto sem nó. Mas talvez seu maior desafio foi orientar o público, a partir da linguagem visual construída, quanto à dualidade dos reinos. Se o visual do mundo real deveria parecer orgânico, o da simulação virtual era um tanto mais estéril. É como se os personagens, ao entrarem na Matrix, assumissem o poder e estivessem prontos para iniciar a missão, criando uma quase persona de super-herói 一 só que não tão literal assim. Daí nascem os casacos estendidos, que se movem como uma capa em versão atualizada.

Mais do que encapsular uma atitude, o figurino do longa representa uma espécie de armadura pronta para libertar o mundo do controle das máquinas. Avance para 2022 e perceba: esse cenário nunca foi tão relacionável. Das últimas coleções da Balenciaga e da Mugler até as recentes aparições de Bella Hadid, a estética de Matrix ainda perdura no inconsciente coletivo.

Talvez, esse movimento tenha se tornado uma tendência em algum momento do início de 2017, quando Kanye West mandou uma mensagem para a sua então esposa Kim Kardashian. “Ele me enviou milhões de fotos dos anos 1990 com óculos minúsculos e disse ‘agora, é tudo sobre eles’”, lembrou a influenciadora, em um episódio de Keeping Up With the Kardashians. Alguns anos e um divórcio depois, a nova namorada do rapper, Julia Fox, também parece interessada na linguagem visual de Matrix. E ela está longe de ser a única.

Veja os casacos da coleção masculina de inverno 2022 da Prada ou os looks pretos do resort 2022 de Alexander McQueen. Há um fascínio duradouro pelas referências que lá atrás influenciaram o figurino de Matrix. É que, além de ter sido um marco na história do cinema, a saga também subverteu os trajes de super-heróis, popularizou o cyberpunk e, claro, mudou para sempre a nossa relação com trench coats. Enquanto as linhas entre a simulação e a realidade seguirem indetermináveis, a obsessão pela estética de Matrix não irá embora tão cedo.

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