PREVIEW SPFW: os 50 anos da Ellus

Saiba o que rolou nos bastidores da marca, dias antes do desfile que celebra seu cinquentenário.


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É feriado nacional, 15 de novembro. E no bairro onde moro, a “moda” anda muito verde e amarela, uma combinação bem duvidosa, mas isso é assunto para outra história. Hoje, meu foco é moda de passarela, não de abraçar quartel. Dia da primeira prova de roupas da Ellus, marca que é quase patrimônio nacional, dada a relevância e pioneirismo, além, é claro, da longevidade – coisa, infelizmente, rara no nosso business. 

Entro no uber em direção ao QG da marca, que fica em um conjunto comercial próximo ao Panamby e sinto que é longe, 54,98 reais na versão normal – conto a distância assim, ultimamente. É a primeira vez que vou ao escritório novo. Toda InBrands, grupo do qual a Ellus faz parte, se mudou de mala e cuia para lá em dezembro de 2020, bem no ano em que o mundo parou, deixando o antigo escritório, em Santo Amaro, no passado. “O Nelson vendeu o terreno, e o plano era ficar lá até 2030. Acontece que quem comprou quis antecipar o prazo, eles renegociaram e viemos para cá”, me explica, logo na entrada, Eduardo Dugois, que, assim como a Ellus, é um veterano da moda – ele é PR da marca há 10 anos e antes disso teve uma boa jornada ao lado de Gloria Coelho. 

Passo pela recepção e dou de cara com vários modelos sentados. Vários mesmo. Meninos e meninas jovens, new faces, nada de modelos consagrados, fórmula que a Ellus já usou no passado. Eles estão esperando a vez de entrar na sala onde será realizada a prova de roupa, e que conta com um miniestúdio fotográfico – look aprovado é look fotografado, em uma espécie de contrato firmado entre as partes. Aquela roupa vai entrar com aquele modelo na passarela. 

Encontro Adriana Bozon, que não via há bastante tempo, e logo reparo em duas coisas: 1. ela é muito gente boa mesmo; 2. ela está em cima de um salto, plataforma meia-pata, que deve ter fácil uns 10 centímetros. Não sei como dá conta. Minissaia de couro e camiseta preta completam o jeito Ellus de ser da CBO (chief brand officer) de todas as marcas da InBrands, que não consegue se desvencilhar do seu xodó, a marca onde trabalha desde 1986 e com a qual já participou de mais de 60 desfiles, incluindo edições do Look of the Year, concurso da Elite Models que chegou ao Brasil via Ellus. Spoiler: o filho de John Casablancas estará nesta sexta-feira, 18.11, na passarela. 

Adriana não está sozinha, longe disso. Trinta pessoas do time estão lá, no feriado, trabalhando tão organizadamente que agora penso em uma colônia de formigas – formigas que separam os acessórios (bijoux) em caixinhas, que ficam tomando conta da bancada das bolsas e sapatos, que, com alfinetes e fitas métricas à mão, marcam as roupas no corpo dos modelos, para fazer ajustes, que negociam modelos por telefone. 

Entre as formigas-rainhas, estão alguns velhos conhecidos da moda brasileira, como o estilista Rodolfo Souza, que comandou o estilo da Ellus outrora, trabalhou com Alexandre Herchcovitch e agora é o responsável pelo styling do desfile, e a estilista Karen Fuke, que começou sua trajetória na Triton, em 2007, quando tinha apenas 21 anos e ainda frequentava a faculdade Santa Marcelina – onde Adriana recruta formiguinhas novas, que também fazem parte da equipe. “Vou até hoje em todos os desfiles de formatura da Santa Marcelina e sempre tento trazer alguém talentoso pra cá”, diz ela, rindo. De novo: Adriana é uma das figuras da moda mais alto-astral que conheço, lá se vão mais de 10 anos.  

Não há sinal de Nelson Alvarenga na sala, o homem que fundou a Ellus em 1972, no momento mais hippie da história, época em que roupas militares e jeans agiam como uma forma de protesto contra o consumismo, a Guerra do Vietnã e a caretice Baby Boomer. O tal despertar da juventude.

Outra Alvarenga, porém, está na área. “Oi, sou a filha”, se apresenta Georgia, e já acho que o bom-humor da mãe é genético. Aos 25 anos, formada em biologia, Georgia engatou um affair com a marca dos pais recentemente, mais precisamente com as mídias sociais da Ellus, o que é um trabalho e tanto em um ano de comemoração de 5 décadas de vida e às vésperas de um desfile. “Todo dia recebemos dezenas de DMs pedindo convites”, diz ela. “Não sei como vou fazer para administrar tanta gente”, completa Edu. No Rosewood, hotel que abrigará o desfile seguido de festa, só cabem 900 pessoas, e olhe lá. 

Parece muito, mas a Ellus é uma máquina. São 30 lojas próprias, 22 franquias e presença em 1250 multimarcas espalhadas pelo país. 1 500 itens novos entregues por semestre. Um desfile com 50 modelos, um look para cada ano vivido. Resultado: convites disputados.  

Começo a acompanhar o fitting e percebo que há bastante alfaiataria, daquelas com caimento perfeito, bem boyish, bem Ellus. Couro em desdobramentos variados – “a perfecto vai para shorts, saias, capa”, diz Adriana –, muitos casacos. O inverno, arrisco dizer, sem medo de errar, é a melhor temporada da marca no quesito construção e imagem. 

E também brilhos, porque, afinal, é preciso festejar não só o cinquentenário, como também o fim da pandemia (embora o coronavírus ainda esteja circulando, é bom lembrar). “Fizemos um supertrabalho de CRM e constatamos que 60% dos nossos consumidores têm entre 18 e 35 anos’’, conta Adriana. “E, depois de uma fase focada no conforto, no dia a dia, existe essa vontade de sair, desse guarda-roupa night out.”

Em se tratando da Ellus, veja bem, essa vontade não é atendida em forma de vestidinhos ou saltos stiletto. É uma festa rock’n’glam, com coturnos e sapatos pesados nos pés, chocker à la coleira, ligeiramente fetichista, dourado em formato de jacquard com efeito 3D. É moderno, é jovem, é cool. Do mesmo jeito idealizado por Nelson lá atrás, nos 70.

“Acredito que estamos no caminho certo para completarmos outros 50 anos”, fala Adriana, prova viva de que na Ellus nada parece estar sujeito aos efeitos nocivos do tempo – ela é sempre a mesma figura e Georgia, sua filha, parece ter 10 anos a menos do que diz seu RG.

Começa a anoitecer em São Paulo e tudo segue calmo, branco, é tudo branco, iluminado, com garrafinhas de água e balas Fini à mesa. Pergunto a Adriana se ela ainda fica nervosa às vésperas de um desfile e ela diz que sim: “Sempre’’. E solta outra risada. Mas não capto nenhum nervosismo nem dela, nem de Rodolfo, que segue compenetrado no styling, com olhar milimétrico e calma cirurgica. “Vamos diminuir 0,7 (centímetros) aqui”, pede para uma das modelistas, mexendo numa calça de alfaiataria cinza. 

O único nervosismo, se é que se pode chamar assim, vem do diretor de casting. “Sempre fui boazinha, agora vou ser a mal-di-ta desse São Paulo Fashion Week”, reforça Alê Queiroz ao telefone – do outro lado da linha está alguma booker das agências que tiveram modelos pré-selecionados. 

A tensão tem nome e sobrenome: modelos em cruzamento. Como o desfile da Ellus é fora do Komplexo Tempo, numa sexta-feira à noite, a preocupação é de que os modelos que estejam nas apresentações anteriores, como a da Handred, por exemplo, não cheguem a tempo. “Eles vão ter que escolher’’, encerra Alê, também dando risada, pra emendar em seguida: “Só não abro mão do Jullio Reis. Ele, se for preciso, vou administrar”, diz à Adriana, que está sentada na sua frente. Rodolfo, em pé, concorda, mas também torce por Dries van Steen, da Way. E todo mundo, até eu, concorda que Cecília Gama está perfeita com o minivestido de couro com mangas bem infladas, quase morcego, 80’s. Digo para Adriana que ela me lembra a Mica Argañaraz, e ela concorda. Talvez tenha entrado no formigueiro da Ellus e começado a compartilhar pensamentos. 

Não sei se é o açúcar, agora tem biz de chocolate branco na mesa, ou toda experiência de mercado que essa galera tem, o fato é que essa é uma prova de roupa à prova de gritos e tremeliques. Quase com a placidez vista em um ateliê de alta-costura onde conversas em tom audível a mais de 5 metros são desnecessárias.

São 19h30 quando, pela primeira vez, ouço um som mais alto. Alguém colocou uma música. A escolha não poderia ser mais adequada: Enjoy the silence, Depeche Mode. E, enquanto escuto os versos que já me fizeram chorar em outras épocas, “words are very unnecessary”, penso em como as formigas, inclusive as da moda, podem se comunicar silenciosamente. A equipe da Ellus fala com o olhar, com um assentimento de cabeça, com a intimidade de quem compartilha a mesma visão estética. “Achei que a calça ficou um pouco justa nele”, comenta Rodolfo sobre o primeiro look provado por Iago Faria, uma calça branca que, de fato, está marcando mais do que supostamente deveria. Adriana consente: “também achei. deixa essa calça pra um modelo menorzinho”. E Iago ressurge com o look que todos aprovam, felizes, sem queda de braço, sem ‘ah, mas eu acho isso’. O look que você vai ver na passarela.

Agora chega de spoilers. A Ellus mostra a que veio hoje, às dez da noite.



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