Regata branca volta como ícone de estilo (de novo)

Desfiles de Prada, Bottega Veneta, Chloé e Sacai provam que a peça, cuja história é vinculada ao machismo, está imune ao vaivém das tendências.


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O tempo passa, mas de uma coisa temos certeza, a regata branca sempre voltará à parte da frente do guarda-roupas como um coringa na composição do look de cada dia.

Ela, que já foi considerada complemento de looks e até mesmo “underwear” –na verdade, nasceu como roupa de baixo –teve seu retorno triunfal na última temporada de inverno 2023 nos desfiles de gigantes do luxo como Prada, Bottega Veneta, Chloé e Sacai.

Há, porém, muito mais a saber sobre esse ícone de estilo do que as passarelas revelam.

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Modelo desfila inverno 2023 da Bottega Veneta, na semana de moda de Milão, em fevereiro de 2022.Miguel Medina/AFP/Getty Images

DOS ANTIGOS A HOLLYWOOD

A história da regata e da camiseta se confundem, mas foi ainda na Antiguidade que que começou a ser desenhada. O modelo tinha como composição principal o linho, um caimento mais reto e era utilizado como roupa de baixo para evitar que as túnicas sujassem por conta da transpiração. E fazemos assim até hoje.

Os modelos de regatas como conhecemos apareceram por volta do século 16, nos uniformes esportivos femininos, já que promoviam maior mobilidade aos ombros e braços.

Durante as guerras, a peça era utilizada como parte do uniforme, por ser mais leve e secar mais rápido do que as fardas. Seu uso, então, começou a ser mais frequente nos Estados Unidos, por conta dos imigrantes italianos que chegavam. Hollywood foi o grande impulso para dar popularidade à peça, com aparições de astros trajados assim entre as décadas de 1930 e 1940.

Nesse tempo, desenrolou-se o histórico conturbado que também faz parte do modelo. Durante os anos 1940, em Detroit, houve o registro de um caso de violência doméstica impetrado por um homem contra sua mulher, agredida enquanto ele vestia uma regata branca. O “wife beater”, ou, batedor de mulheres, ganhou o apelido que foi logo estendido pelos jornais à roupa.

O fato de Marlon Brando ter vestido a peça, em 1951, ao interpretar um marido abusivo em Um Bonde Chamado Desejo, de Elia Kazan, só colocou pólvora na ideia. O conceito ganhou popularidade e, ao mesmo tempo, reforçou o estereótipo machista e violento que acompanha a regata até os dias atuais.

Um outro adjetivo ampliou, no século 20, o preconceito cravado em nossas mentes. No Brasil, o modelo de camiseta cortada nas mangas, na altura dos ombros, foi chamado “regata machão”, principalmente por permitir que os músculos estivessem à vista. Nos 1990, a expressão foi amplamente difundida no varejo, ao mesmo tempo em que o estereótipo foi paulatinamente transformado, mostrando que a peça era muito mais versátil do que o apelido sugeria.

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Marlon Brando usa regata nos bastidores de “Um Bonde Chamado Desejo”, de Elia Kazan.Reprodução IMDB

MODELO DEMOCRÁTICO

A beleza da regata não tem a ver apenas com o fato de a peça combinar com todos os estilos, mas sim porque pode e veste todos os tipos de corpos.

Desde os modelos mais comuns, com a ribana canelada, até aqueles com recortes ousados, presentes desde os anos 1990 nas passarelas de Helmunt Lang, a peça compõe looks minimalistas, coroando com louvor a liberdade de se vestir pretendida pela década.

É uma peça que é a cara do nosso país, aliás, por conta das temperaturas elevadas. Quem não lembra do último Big Brother Brasil, quando o participante Vyni exaltou o estilo? Em entrevista, ele afirmou que, além da durabilidade e de aliviarem o calor da região onde mora, o Cariri, no interior do Ceará, os preços em conta das regatas permitem a compra de mais modelos.

A forma com a qual as regatas vêm sendo reinterpretadas pela moda, como no desfile da Y/Project, no ano passado, também trazem um novo olhar sobre quem as veste. Suas versões com recortes profundos e mamilos à mostra abraçam a moda sem gênero, ampliam a visibilidade da comunidade LGBTQIA+ e, por fim, apagam o passado machista da peça.

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Modelo desfila coleção masculina de primavera-verão 2022 da Y/Project, na semana de moda de Paris, em junho de 2021.Victor Virgile/Gamma-Rapho via Getty Images

RETORNO TRIUNFAL

O retorno estético do fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000 tem feito sucesso entre a geração Z, muito por conta do comportamento nostálgico que acompanha a moda. Pode-se observar nas últimas semanas de moda o retorno do All Jeans, com o agora ex-casal Kanye West e Julia Fox na dianteira do estilo. Ela combinou a calça de com cintura baixa com várias proporções de regatas brancas como complemento dos looks.

Alguns anos antes, elas marcaram o estilo grunge, acompanhando as camisas xadrez da época, e também as campanhas da Calvin Klein, com a própria Kate Moss vestindo-as. Isso só prova que, independentemente da época, a regata branca talvez seja o modelo mais prático criado pela moda. Acompanhada de uns jeans, então…

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Julia Fox foi vista de regata curta e botas de couro em março de 2022, em Los Angeles, na Califórnia. Rachpoot/Bauer-Griffin/GC Images

Que o diga a Bottega Veneta, que atualizou a dupla jeans e regata combinando a peça a uma calça de couro com lavagem em denim no último desfile, em Milão. Mesma ideia teve a Chloé, no desfile de inverno 2023 em Paris, só que o couro apareceu em sua versão terrosa.

O que podemos tirar de lição é que as marcas pregam agora o retorno de uma moda real e cotidiana. E não há roupa que melhor represente essa ideia que aquela regatinha presa no fundo do armário.

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