SPFW N55: Maurício Duarte, Weider Silveiro, David Lee e Marina Bitu

Resgate de saberes ancestrais, preservação de técnicas artesanais e valorização de culturas populares são destaques na São Paulo Fashion Week.


Fila final do desfile de David Lee.
David Lee. Foto: Agência Fotosite



A São Paulo Fashion Week é uma das poucas semanas de moda no mundo que trabalha com temas. Não se trata de uma imposição a ser seguida pelos participantes. É mais uma estratégia de marketing e de comunicação do que qualquer outra coisa. 

Nesta 55ª edição, a SPFW N55, a temática girou em torno do conceito de origens. E o assunto, coincidentemente ou não, pautou algumas coleções dignas de uma atenção extra.

 

Maurício Duarte

 

Maurício Duarte fez sua estreia na SPFW na temporada passada. Foi uma chegada tímida, com um vídeo transmitido em uma das salas de desfiles. E quem não havia percebido o potencial do estilista amazonense, com certeza percebeu na manhã do dia 27 de maio.

Na sua primeira apresentação presencial, Maurício trabalhou com tramas – físicas e metafóricas. “Convidamos 18 etnias para colaborarem com esse projeto de reinterpretação das cestarias de arumã e tucum”, conta ele. “A ideia é falar de onde viemos, das nossas conexões múltiplas”, continua.

Para ele, as fibras mencionadas acima são o ouro da Amazônia e patrimônios culturais dos povos originários da região. Na passarela, elas aparecem majoritariamente em acessórios ou em decorações bordadas e franjadas para os looks de algodão de formas amplas e para as camisas oversized (tendência forte nesta estação). Mais impressionantes, porém, são as peças todas trançadas, com silhuetas bem definidas e volumes arredondados. 

São construções que lembram trajes históricos do século 19. É que Maurício faz referência também a Belle Époque da Amazônia, período em que as capitais do Norte lideraram uma guinada econômica por conta da extração de borracha. “Mas agora, quem conta essa histórias são as pessoas indígenas”, afirma.

Contudo, essa não é a única referência dos itens esculturais. As formas geométricas, geralmente encontradas em tipitis, luminárias e balaios, remetem às memórias da infância do estilista. As fibras de arumã e tucum são muito utilizadas na construção de utensílios domésticos e decoração das comunidades locais.

 

Weider Silveiro

Também foram lembranças de infância que deram forma à mais recente coleção de Weider Silveiro. Natural do Piauí, ele conta que em sua cidade natal, no sul do estado, “não havia uma casa sem pelo menos uma toalha de mesa ou cortina de fuxicos e um tapete com franjas de malha”. O estilista já está há algum tempo com o passado na cabeça. “E bem antes do tema da SPFW N55”, ressalta.

Acontece que suas memórias não são das mais agradáveis. Revisitar um momento sofrido por “ser uma bicha preta no sertão do Piauí”, nas próprias palavras, demandou tempo, força e coragem. A solução foi olhar para trás pelas lentes de agora. “Queria fugir de tudo que era óbvio e acabei nos elementos do meu cotidiano doméstico daquela época.”

Começou com os fuxicos. Em tamanhos variados, deram forma a blusas, vestidos e saias com muita pele à mostra. No meio do processo, Weider sentiu vontade de incorporar aquelas formas circulares às modelagens dos seus hits de vendas: os vestidos longos de manga comprida e as camisas oversized (olha elas de novo aqui). E aí, vieram as franjas de tecidos de descartes, como nos tapetes, aplicadas nas mais variadas peças.

 

David Lee

David Lee, mais um estreante desta 55ª edição da SPFW, não olhou exatamente para elementos domésticos, mas para tudo que se encontra nas feiras populares de Fortaleza. “É bem diferente do que vocês têm aqui”, explica o estilista. “Não é só fruta e verdura, tem toda uma parafernália técnica, CDs, DVDs, utensílios domésticos, tudo, tudo, tudo que você possa imaginar”.

Na passarela, não tinha de tudo – ainda bem –, mas tinha um bom mix e interpretação dessa bagunça visual e cultural. As barras de algumas peças de alfaiataria, por exemplo, têm os mesmos pontos de crochê encontrados nas barras de panos de prato. Aliás, o crochê foi a técnica pela qual o cearense se destacou na moda nacional e é um dos pontos altos da coleção – vide os conjuntinhos.

Também merecem destaque as roupas com tecidos e decorações tipo de guardanapo ou toalha de mesa, os ternos com bordados de bolinhas de madeira cobertas com crochê, as camisas largas bem soltinhas, e os looks cobertos com várias bolsas.

 

Marina Bitu

A cearense Marina Bitu criou sua marca em 2017 em esquema sob-medida e, dois anos depois, com a chegada da sócia Cecília Baima, passou para a pronta entrega. Em 2022, rolou o primeiro desfile no Dragão Fashion Brasil e o negócio decolou. No sábado (27.05), foi seu début na SPFW N55.

Para o desfile, a grife, que se tornou referência em Fortaleza, recuperou alguns tipos de artesanato típicos do estado nordestino, como a renda richelieu, as redes, a tapeçaria, os fuxicos e o macramê. Assim como Weider Silveiro, a estilista olhou para a decoração de interiores como ponto de partida. Para ser mais preciso, para o que imaginou ser o interior do  Hotel Bitu, que funcionou na capital cearense entre os anos 1920 e 1960. O nome, ela explica, é pura coincidência.

Daí ela decidiu reimaginar estampas, odores, sabores e elementos do mobiliário em forma de roupa. Pés de cadeiras viram saltos esculturais, texturas de carpete e toalhas vão parar em casacos, blazers e calças, detalhes rebuscados de sofás e cortinas se transformam em vestidos e robes, dos mais casuais aos prontos para um coquetel, e o fuxico chega agigantado, em longos estruturados.

 

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