Twee: o estilo “fofo” dos anos 2010 está de volta
Composta por saias rodadas, cardigans vintage e óculos de aros grossos, a estética, eternizada por Zoey Deschanel, reúne 80 milhões de menções no TikTok.
Algumas horas assistindo conteúdos de moda no TikTok e há grandes chances de você entrar em contato com várias estéticas. Há a e-girl, a soft-girl, a VSCO girl e mais um tanto de estereótipos que correspondem a um determinado tipo de roupa e de presença virtual. Porém, entre eles há um que vem se destacando nos últimos tempos: a garota Twee.
O visual consiste na combinação de óculos de aros grossos, preferencialmente tipo o Wayfarer, da Ray Ban, vestidos rodados com cinturas marcadas, cardigans garimpados em brechós, boinas francesas, chapéus coco e sapatilhas. Tudo bem fofo, bem feminino, bem menininha.
Popularizado por celebridades como a atriz Zoey Deschanel e a apresentadora e modelo Alexa Chung, o estilo twee reinou absoluto na internet dos anos 2010. As jovens ligadas à moda queriam desfilar com uma bolsa Mulberry à tira colo e meias coloridas combinando com o vestido com estampas de passarinhos ou coruja. Elas faziam fotos “conceituais” e as publicavam no Tumblr junto a poemas e músicas de indie rock.
Agora, já na casa dos 30 anos, estas mulheres twee estão vendo, com medo e um pouco de nostalgia, o retorno do estilo que marcou o início do mundo das redes sociais como conhecemos hoje.
Alexa Chung.Foto: Getty Images
No TikTok, o termo twee girl virou tendência porque millennials estão fazendo pequenos vídeos com imagens da época em que se vestiam como Chung ao som de Why Don’t You Let Me Stay Here, da banda She & Him, da qual Deschanel faz parte. Até o fechamento desta reportagem, a hashtag #twee já contava com quase 80 milhões de citações dentro da plataforma.
De acordo com a criadora de conteúdo Verena Figueiredo, conhecida no Tik Tok por explicar tendências e estilos de moda, a expressão twee vem do inglês britânico e seria derivado da forma que uma criança diria a palavra “sweet” (doce, fofo, em tradução livre do inglês).
Antes de ser uma estética, contudo, a palavra nomeava um subgênero do indie pop dos anos 1980. “O twee-pop é inspirado na subcultura MOD dos anos 1960, que se caracterizava por bandas com letras fofas, divertidas e infantis”, explica Verena. O estilo musical teve um retorno na metade da década de 2010 com bandas como Two Door Cinema Club, Arctic Monkeys, The Kooks e She & Him. E a influência desses grupos acabou virando moda – literalmente.
Zoey Deschanel, no filme 500 Dias Com Ela.Foto: Reprodução
“Se twee-pop tinha uma sonoridade fofa, o ‘twee’ é sobre uma estética fofa, infantil, com signos femininos fortes, em referência aos anos 1960”, fala a criadora de conteúdo. Assim, o estilo se traduz em vestidos evasês, minissaias, cardigans, sapatilhas, tiaras, meias-calças e acessórios com laços. E essas peças não estão apenas no Tik Tok, mas também nas passarelas.
Para o verão 2022, a Coach propôs minivestidos evasês e estampas coloridas, em uma releitura meio pop art de motivos clássicos. A Dior também desfilou saias curtas e com corte em A, combinadas a terninhos, salopetes e vestidos tubinhos. Nas fast fashions, por sua vez, já vemos golas Peter Pan oversized e boinas francesas lotando as araras. O twee, desconstruído e isolado, já está por outro lado. A questão é se vamos vestir todos esses itens juntos novamente.
Coach, verão 2022.Foto: Getty Images
Medo de crescer
Que a moda é cíclica todo mundo já sabe. As tendências costumam voltar a cada 20 anos, por isso não é incomum voltarmos a revisitar o armário de nossos pais de tempos em tempos. Porém, para quem viveu o surgimento do estilo twee, parece que é cedo demais para voltar a tocar ukulele. A sensação não é à toa: está rolando um encurtamento no ciclo de tendências. “Tradicionalmente, era de cerca de 20 anos e, hoje, vemos retornos muito curtos de 10, 5 anos ou até menos”, explica Sofia Martellini, estrategista de moda jovem no WGSN, consultoria de tendências de comportamento e consumo.
“É comum desejarmos nos apropriar de signos de uma época que carrega no visual um perfume de passado. É como um desejo por viver momentos mais simples, um certo apego à memória, uma conexão com uma existência menos digital e mais analógica”, diz a coolhunter e brand consulting Ly Takai. “E a geração Z é especialmente interessada por estilos ligados a épocas passadas. Eles usam a nostalgia como um escape e olham para outras décadas com uma lente otimista e romantizada”, complementa Sofia Martellini.
Zoey Deschanel.Foto: Reprodução
Porém, a estética à la Zoey Deschanel tem um apelo a mais que, segundo Martellini, pode ter contribuído para que ele voltasse a ficar em alta tão rapidamente. “O Twee tem muitas referências infantilizadas, fofinhas, cujo uso pode ser interpretado como uma rejeição dos jovens à maturidade, ao virar adulto –uma realidade que, de fato, se torna cada vez mais difícil, dada a economia em colapso e um mercado de trabalho competitivo e escasso”, diz a especialista.
O uso ostensivo da internet para procurar sua tribo também tem papel importante nisso. Como o Instagram ainda não era tão popular, o twee tinha, inicialmente, uma forte presença no Tumblr. Muitos dizem que a plataforma está em uma morte lenta após perder cerca de 30% de seus utilizadores, em 2019, ao apagar conteúdos pornográficos. Porém o microblog ainda é influente no consumo de conteúdo da geração Z. Dentro da wikipedia das aesthetics, onde você pode encontrar o nome e definição de centenas de estilos, existe uma página que reúne apenas as estéticas que são da “era Tumblr 2014”.
Questão de diversidade
O twee, quando apareceu uns 10 anos atrás, era um contraponto aos looks sensuais e glamorosos dos anos 2000. Enquanto Paris Hilton ostentava minissaias de grife, Alexa Chung usava cardigans garimpados em brechós. Na época, o crescimento do estilo também tinha a ver com uma mudança na forma que nos relacionávamos com o mundo: antes, era legal ser esportista e popular na escola. Com o sucesso de filmes da Marvel e de séries como The Big Bang Theory, se tornou mais descolado ser um nerd atrapalhado que gostava de colecionar vinis e histórias em quadrinho.
Porém, por mais que parecesse estar fugindo de um padrão superpasteurizado, o twee continuava colocando pessoas brancas e magras como ídolos aspiracionais. Não havia muito espaço para pessoas gordas, negras ou com deficiência. “A verdade é que, infelizmente, as referências de modas de décadas passadas eram, majoritariamente, excludentes. O twee tinha isso especialmente forte, ainda influenciado pela estética heroine chic dos anos 1990 e 2000”, diz Sofia Martellini.
Ainda bem que, assim como em todo revival de uma tendência, não devemos consumir o visual Tumblr da mesma forma que fazíamos originalmente.”Muitas tendências deveriam passar por uma revisão para contemplar as nuances atuais. É preciso tocar em pontos sensíveis como o culto à magreza e outros símbolos que ocupam o imaginário coletivo dessa mulher lolita, com os laços e saias rodadas ultra-femininas”, diz Ly Takai. “É muito importante, diria imprescindível, que, assim como as peças se adequam esteticamente ao tempo presente, as tendências também se adaptem aos nossos questionamentos, lutas e evoluções sociais”, afirma Verena.
Com o retorno acontecendo principalmente no TikTok, onde há maior diversidade de criadores de conteúdo e influenciadores, já vemos elementos twees em corpos gordos, baixos, altos, negros, amarelos e vermelhos. “Para marcas que querem apostar nessa retorno, é importante que seu produto e comunicação reflita mais abrangência”, relembra Sofia Martellini. Visto que twee é um estilo superfeminino, a especialista pontua que é preciso aumentar não apenas o leque de corpos, mas também o catálogo de feminilidades. “Hoje, sabemos que ser feminino pode significar uma infinidade de coisas além de uma cartela de cores claras e silhuetas acinturadas.”
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