Uma imersão nos 110 anos de alta-costura da Chanel
Observamos de perto a coleção verão 2025 de alta-costura da Chanel que celebra os 110 anos da maison nesse seleto métier.

Quando Gabrielle Coco Chanel começou a passear com seus chapéus e roupas masculinas, não imaginava a revolução que estava deflagrando. Era o início da trajetória de uma mulher e ícone, cuja vida, comportamento, estilo e trabalho se misturam à evolução e à história da moda a partir do século 20.
Se hoje a marca é uma das mais caras e a segunda maior em número de vendas no mundo, a origem de sua fundadora foi bem diferente. Conforme relatado na biografia de Henry Gidel (Coco Chanel), apesar dos amigos ricos, a francesa vinha de uma família desmantelada e não possuía nada: sobrenome famoso, posses, dinheiro, nem os vestidos chiques para adentrar os salões de festa.
Gabrielle Chanel no começo de sua carreira era conhecida por seus chapéus e suas roupas de Jersey elegantes e oriundas do guarda-roupa masculino Arquivos-Chanel
No entanto, era cheia de ideias, inteligente, não-conformista, obstinada, ambiciosa e bastante sensível às mudanças culturais e comerciais. Os chapéus que começou a criar e vender em 1910, no número 21 da rue Cambon, em Paris, chamavam mais a atenção do que os trajes das damas da alta-sociedade.
Gabrielle criou uma moda que dava liberdade às mulheres em tempos duros da Primeira Grande Guerra Arquivos Chanel
O que ela própria vestia exercia fascínio semelhante. Sem os meios – e, quem sabe, interesse – para se adequar ao que mandava o figurino da época, usava roupas de seus amigos e amantes para os mais variados eventos. No início do século passado, as roupas deles contrastavam das delas pelo rigor e sobriedade de uma alfaiataria quase toda em branco e preto. No corpo (pequeno) de Chanel, aquelas peças caiam soltas, sem silhueta ajustada, sem marcar ou desenhar as curvas da figura feminina.
Gabrielle Chanel nos começo de sua carreira já imprimindo seu estilo simples e libertário Arquivos Chanel
Nascia, assim, um estilo moderno (no melhor sentido artístico e vanguardista da palavra), livre, prático, esguio e descomplicado que se tornaria sinônimo de sua criadora, da maison Chanel e das revoluções que explicam o adjetivo “loucos” associado aos anos 1920.
A estilista, contudo, antecipou as transformações daquela década. Em 1912, ela inaugurou em Deauville, no litoral francês, uma loja, onde, além de chapéus, comercializava roupas em jérsei, um material, então, reservado a peças íntimas masculinas. Foram passos decisivos para a libertação do corpo feminino.
O sucesso não demorou, mas só foi estourar mesmo um pouco mais tarde. Na data do lançamento, as mulheres da alta-sociedade estavam acostumadas a um visual completamente distinto. Era o auge da Belle Époque, da cintura finíssima, das saias volumosas, dos babados. O “sportswear” de Chanel era a antítese daquele look. Com o início da Primeira Guerra Mundial em 1914, os gostos começaram a mudar e se adequar a uma nova realidade – meio que a força mesmo.
Fazendo jus a seu tino comercial, Coco abriu sua primeira loja e ateliê de alta-costura, em Biarritz, no litoral Sul da França, em 1915. Em meio aos conflitos bélicos, Paris não era mais o local ideal para as modas. Muitas mulheres saíram da cidade, mas não abandonaram sua vaidade. Elas precisavam de novos modelos que não esbanjassem luxo ou glamour deslocados para o momento. Discrição era a qualidade da vez, e a Maison Chanel, sua mais perfeita tradução.Com o fim da guerra, em 1918, a clientela retornou à capital francesa e a couturier também. Ela comprou um edifício próximo ao ponto que abrigou sua primeira loja de chapéus. O novo espaço contempla boutique, salões e ateliês. O endereço: 31 rue Cambon.
O vestido de noiva da alta-costura verão Chanel 2025 homenageia o legado de Gabrielle e coloca em destaque o trabalho dos ateliês da casa Ana Garmendia
Foi lá que pude ver de perto a manutenção e trabalho minucioso das costureiras e ateliês que mantêm o legado da fundadora da casa. Dias antes, no monumental Grand Palais, a marca apresentou a coleção de verão 2025 de alta-costura, em celebração aos 110 anos de atuação no seleto mètier da haute couture francesa.
Peças desfiladas no Grand Palais em re-see no emblemático 31 da rue Cambon Ana Garmendia
Antes de continuar, é importante esclarecer o que é a alta-costura e o que a distingue do prêt-à-porter (das roupas compradas diretamente nas lojas). Desde 1868, a Chambre Syndicale de la Haute Couture, órgão que organiza e preserva as tradições do setor, estipula algumas regras para que uma marca possa ser membro da instituição.
A mais primordial é confeccionar à mão e sob medida roupas para clientes particulares, que devem passar por no mínimo uma prova. Cada peça deve ser única e elaborada em um ateliê composto por ao menos 20 artesãos trabalhando em tempo integral. Além disso, o ateliê deve estar sediado na França e a maison deve apresentar, a cada temporada, uma coleção com 50 modelos originais.
O minucioso trabalho dos ateliês da Chanel está em todos os detalhes: aqui numa pala bordada e no tweed, marca registrada da Maison Ana Garmendia
O verão 2025 de alta-costura da Chanel foi criado por uma equipe interna de estilista. A última diretora de criação, Virginie Viard, deixou o posto em junho de 2024. Seu sucessor, Matthieu Blazy, foi anunciado em dezembro passado, mas só assume o cargo em abril. Sua primeira coleção será a de verão 2026 de prêt-à-porter, que será desfilada em outubro.
Desde 1997, a Chanel criou a Paraffection, uma empresa destinada a acolher todas as maisons rotuladas como ‘Métiers d’art’. Foi um resgate, já que esses saberes estavam se perdendo com o crescimento das grandes manufaturas. Assim, um grupo de marcas, incluindo bordadeiras, plumassiers (artesãos de penas), tecelões, sapateiros e fabricantes de luvas, fornecedores da maison e de outras grifes de costura e de prêt-à-porter de luxo, acabou sendo adquirido. Hoje, são 25.
Até os cintos finos usados na alta-Costura Chanel 2025 fazem parte do legado dos primeiros anos de Gabrielle como estilista Ana Garmendia
Voltando à coleção que abriu o ano comemorativo dos 110 anos da alta-costura da Chanel, alguns detalhes chamam a atenção: a presença de cintos finos marcando as silhuetas. No início do século 20, Mademoiselle começou a usar as calças de seus amigos e, para ajustá-las, utilizava cintos. Outra característica marcante é a presença dos tweeds, tecido que ela implementou no tailleur nos anos 50. Esses materiais também foram trazidos de suas relações com a Inglaterra, segundo a biografia de Henry Gidel, através de amizades e amores célebres com homens ingleses. Em 2025, vibram em cores sólidas e tons pastel. E, de perto, são ainda mais lindos, pois é nos detalhes que a alta-costura se destaca.
Simples e luxuosa a alta-Costura Chanel 2025 trouxe vestidos longos e transpartentes Chanel
A simplicidade nos vestidos de festa também chama a atenção. Fluidos e transparentes, eles lembram a fase em que Gabrielle foi acusada por Paul Poiret de fazer roupas para pobres. Para os padrões da época, ela abriu a mente de suas clientes, transformando roupas masculinas em femininas. Com isso, injetou uma dose de modernidade à moda, algo que seus concorrentes não conseguiam interpretar como um talento singular. Gabrielle sabia como revolucionar os códigos de vestimentas femininos para sempre. Não por acaso, 110 anos depois, a marca que leva seu nome ainda respeita e segue à risca seis códigos de criação.
Detalhes do desfile da alta-Costura Chanel no desfile do Grand Palais Ana Garmendia
Parabéns, Coco. Você tinha razão: “A moda passa, o estilo permanece.” Nós, mulheres, agradecemos. Voilà.
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