Do punk rock ao ativismo climático: a trajetória de Vivienne Westwood
A estilista britânica é considerada um dos mais transgressores nomes da moda. Relembre alguns dos principais momentos da sua carreira marcada por irreverência, ressignificação de peças históricas e mensagens anti-establishment.
Designer autodidata, Vivienne Westwood abre a sua primeira loja em 1971 com o parceiro Malcolm McLaren, na famosa King’s Road, em Londres. Frequentadores da loja formam a banda Sex Pistols e ela fica encarregada dos figurinos, definindo o que viria a se tornar o estilo punk rock. Nos anos 1980, Vivienne impulsiona o estilo neo-romântico, reacende o interesse pelo espartilho e, enfim, é considerada uma das maiores estilistas do mundo. Os vestidos de noiva da estilista são alguns dos mais desejados e copiados ao redor do mundo. Nos últimos anos, Westwood usa seus desfiles como plataforma política para conscientizar sobre as mudanças climáticas e protestar contra as armas nucleares.
Acompanhe a sua trajetória abaixo.
A origem de Vivienne Westwood
Grande precursora da moda punk rock, Vivienne Westwood teve uma infância simples, no interior da Inglaterra. Nascida em 8 de abril de 1941, em Glossop, cidade a 298 km de Londres, seu pai era sapateiro e sua mãe trabalhava em uma fábrica de algodão. Aos 17, se mudou com a família para a capital, onde passou a dividir suas horas entre o trabalho em uma fábrica e os estudos em uma escola de treinamento de professores.
Em 1962, a ainda Vivienne Isabel Swire se casou com Derek Westwood, de quem herdou o sobrenome que viria a tornar icônico. O casal teve um filho, Ben, e se divorciou em 1965. No mesmo ano, ela conheceu Malcolm McLaren, estudante de arte e futuro empresário da banda Sex Pistols, com quem teve seu segundo filho, Joseph, e iniciou a sua carreira na moda.
A influência de Vivienne Westwood na cultura punk rock
Malcolm McLaren e Vivienne Westwood em 1977. Mirrorpix / Getty Images
Designer autodidata, Vivienne costumava fazer roupas no estilo Teddy Boy (subcultura britânica que inspirou o visual rockabilly) para o parceiro. Apaixonados por música, moda e com sede de rebelião, o casal abriu a sua primeira loja em 1971, no número 430 da historicamente transgressora King’s Road, sob o nome Let it Rock.
Em 1972, ela entra uma fase motociclista, desenhando jaquetas de couro com bastante zíperes e mudando o nome do estabelecimento para Too Fast to Live, Too Young to Die. Após serem processados por obscenidade, graças às mensagens provocantes das camisetas criadas e vendidas por eles, Vivienne e Malcolm decidem ir além.
Com o slogan “roupas de borracha para o escritório”, a loja passa a se chamar Sex – com direito a nome em destaque na fachada. As peças consideradas obscenas se multiplicam e, junto aos designs do casal, são vendidas roupas fetichistas e de BDSM de marcas especializadas.
A essa altura, o espaço já era uma meca da moda jovem underground, frequentada pelos integrantes do Sex Pistols antes mesmo da formação da banda. Quando o quarteto começa a tocar junto, em 1975, Malcolm assume o posto de empresário e batiza o grupo em referência à loja. Vivienne se encarrega dos figurinos, ajudando a criar toda a identidade visual dos pioneiros do punk rock.
Com God Save The Queen estourando nas rádios e sendo censurada em alguns lugares, o mesmo visual criado para o Sex Pistols se torna predominante entre as roupas do ponto comercial que passa a se chamar Seditionaries, no final de 1976. É de lá que o estilo punk, com suas mensagens anti-establishment e estética DIY, parte para invadir as ruas de Londres.
Os integrantes do Sex Pistols: Johnny Rotten, Paul Cook, Sid Vicious, Steve Jones Mirrorpix / Getty Images
O salto de Vivienne Westwood nos anos 1980
Com o fim dos Sex Pistols, em 1978, e o punk rock sendo absorvido pela cultura mainstream, Vivienne Westwood parte para outros desafios. Em 1981, ela e Malcolm McLaren fazem seu primeiro desfile em Londres. Silhuetas largas e muitos babados dão o tom da coleção, apelidada de Pirate – hoje, considerada a vanguarda do movimento neo-romântico dos anos 1980.
O nome oficial da apresentação era World’s End e assim passa a se chamar também a loja no número 430 da King’s Road – como permanece até os dias de hoje. A dupla desfez seu relacionamento pessoal no mesmo ano, mas seguiu a parceria comercial por mais quatro, apresentando outras coleções temáticas. O primeiro desfile em Paris acontece em 1982, fortalecendo a presença de Westwood na moda internacional – ela foi a segunda inglesa a realizar esse feito.
Em 1985, a designer faz seu primeiro voo solo. Sem a influência do antigo parceiro, suas criações passam a ser notadamente mais estruturadas e femininas. Ao longo de toda a década de 1980 e início dos anos 1990, ela segue bebendo de referências históricas, principalmente as ligadas ao romantismo da era vitoriana e ao agito da aristocracia do século 19, com muitas paródias sobre a elite daquelas sociedades.
Não por acaso, a designer é considerada a responsável por reacender o interesse pelo espartilho, que acabou se tornando uma de suas assinaturas. Saias de tule, crinolinas do século 19 em versão míni e tecidos tradicionais britânicos, como o tartan e o tweed, também se tornam seus marcos, sempre ressignificados. Sua primeira coleção masculina vem em 1989, mesclando elementos medievais com características associadas ao skate.
Os desfiles de Vivienne, na época, pareciam uma viagem no tempo, porém sempre com uma dose característica de irreverência e modernidade avant garde. É quando ela entra para a lista dos maiores estilistas do mundo, ganha prêmios de design, amplia a sua clientela e abre lojas ao redor do mundo.
Pirates, o primeiro desfile de Vivienne Westwood, em 1981 David Corio / Getty Images
Vivienne Westwood e a família real britânica
Vivienne Westwood recebeu honraria da rainha Elizabeth II sem roupas íntimas por baixo do tailleur Martin Keene - PA Images / Getty Images
Em 1990, Vivienne Westwood é nomeada Designer Britânico do ano. Dois anos depois, recebe da rainha Elizabeth II o título Oficial da Ordem do Império Britânico por suas contribuições na moda e nas artes. Por baixo do seu elegante tailleur de saia longa, ela estava sem roupas íntimas – o que fez questão de exibir durante as fotos ao final da cerimônia, como que para deixar claro que seu espírito anárquico continuava pulsante.
Em 2006, ela retorna ao palácio de Buckingham – de novo sem calcinha – para receber o título de Dama das mãos do príncipe Charles. Nove anos depois, ela faria uma coleção em homenagem a ele. “Se o Príncipe Charles tivesse governado o mundo de acordo com suas prioridades durante os últimos 30 anos, estaríamos bem e estaríamos enfrentando a mudança climática”, dizia o panfleto entregue aos convidados no início do desfile. Camisetas com o rosto do herdeiro ao trono britânico, exibido com clareza e respeito, compunham os looks dos modelos e da própria Vivienne.
Ficava implícito o contraste com as memoráveis estampas God Save The Queen, criadas para os Sex Pistols, nos anos 1970, em que uma fotografia da rainha Elizabeth II jovem recebia um alfinete cerrando seus lábios ou vinha com o título da música tampando seus olhos e bocas. O resto da coleção, que até hoje polariza os fãs da designer, fazia referência às normas tradicionais dos trajes reais.
As camisetas God Save The Queen vendidas na Seditionaries em 1977. Mirrorpix / Getty Images
A fase Anglomania de Vivenne Westwood
Entre 1993 e 1999, o trabalho de Vivienne Westwood foi marcado por um diálogo intenso entre França e Inglaterra, período batizado de Anglomania. Para ela, a moda é uma combinação entre características fortes dos dois países – de um lado a alfaiataria e o charme fácil inglês, do outro o senso de proporção francês e a busca eterna pelo aprimoramento.
Entre os momentos marcantes, temos o tombo de Naomi Campbell usando plataformas de quase 23 cm, no desfile de inverno 1993, o topless de Kate Moss tomando sorvete com o rosto pintado à la Maria Antonieta, no verão de 1994, a calcinha de pelos falsos usada por Carla Bruni, no inverno 1995, e os espartilhos usados como agasalhos, no inverno de 1996.
Em 1993, a estilista se casa com Andreas Kronthaler, estudante de design austríaco que conheceu quando lecionava na Escola de Arte Aplicada de Viena. Apesar da diferença de idade – ele é 25 anos mais novo do que ela –, Vivienne se apaixona por seu talento “completamente fora de escala” e o convida para trabalhar com ela em Londres. Os dois formam uma parceria de sucesso nas passarelas e no amor, e seguem juntos até hoje.
Kate Moss no desfile de Vivienne Westwood da coleção de verão 1994 em Paris. Pool ARNAL/GARCIA / Getty Images
Os vestidos de noiva de Vivienne Westwood
O primeiro vestido de noiva assinado por Vivienne Westwood foi apresentado em 1993. Mirrorpix / Getty Images
Muito antes de se tornar estilista, Vivienne desenhou o próprio vestido de noiva para o casamento com Derek Westwood, em 1962. Naquele momento, a jovem professora não fazia a menor ideia do alvoroço que seus designs de casamento causariam no futuro.
O primeiro vestido de noiva assinado por Vivienne Westwood é apresentado na semana de moda de Londres de 1993. Sara Stockbridge, musa da estilista, é encarregada de desfilar com a peça. O corpo é estruturado como um espartilho extremamente justo, que deixa os seios bem salientes, e a saia ultra volumosa já é um gostinho do que se tornaria uma das características mais marcantes dos vestidos de núpcias da designer.
Em 2008, a personagem Carrie Bradshaw decide subir ao altar com Mr. Big, no primeiro filme de Sex And The City, usando um arquitetônico vestido desenhado por Vivienne para sua antiga linha Gold Label. Se por um lado os fãs da série babaram no look redesenhado especialmente para que a atriz Sarah Jessica Parker usasse nas telonas, o noivo ficcional ficou intimidado por tamanha voluptuosidade e acabou desistindo do casamento. De qualquer forma, tornou-se icônico.
Atualmente, a marca possui três linhas nupciais: a Bridal Couture, feita sob medida; a prêt-à-porter Made to Order; e a AK para VW, que engloba designs de Andreas Kronthaler para a marca Westwood. Todos os vestidos são confeccionados no ateliê da grife em Londres.
O filme Sex and the city imortalizou o vestido de noiva desenhado por Vivienne Westwood para a linha Gold Label. Marcel Thomas / Getty Images
O ativismo climático e desarmamentista de Vivienne Westwood
David M. Benett / Getty Images
Mesmo com todo glamour em que se envolveu ao longo dos seus cinquenta anos de carreira, Vivienne Westwood nunca abandonou seu viés político. Desde meados dos anos 2000, ela usa as passarelas de maneira ainda mais explícita como plataforma de luta. Atualmente, ela é uma das grandes ativistas contra as mudanças climáticas (por isso, a coleção em homenagem à príncipe Charles), além de protestar contra armas nucleares, prisão ilegal, Brexit e a favor da liberdade de expressão.
Frases como “revolução climática”, “não somos descartáveis” e “eu não sou terrorista” passaram a estampar as suas camisetas com o mesmo furor que as palavras “fuck” e “caos” eram utilizadas nos tempos de punk rock. Nas semanas de moda, as modelos desfilam empunhando cartazes e lendo poemas como uma forma de manifesto político.
Em 2014, ela disse ao The Guardian: “A mudança climática, não a moda, é agora a minha prioridade”. Para o verão 2020, a estilista apresentou uma coleção com metade do tamanho das anteriores, toda feita com roupas sustentáveis. Entre os cartazes, se destacava “o que é bom para o planeta, é bom para a economia”.
Quase como uma cereja no topo disso tudo, em celebração aos seus 80 anos, a designer e ativista lançou o curta metragem Do not buy a bomb (em tradução livre, não compre uma bomba). A produção foi exibida no telão da praça Piccadilly Circus, em Londres, em abril deste ano.
Ambientado na recém-reformada loja da grife no bairro Mayfair, o filme é apresentado como um alerta à indiferença social às catástrofes ambientais que se aproximam e um grito contra o comércio de armas e sua ligação com as mudanças climáticas. Em uma das mensagens que aparecem escritas no curta, Vivienne Weswood declara: “um dia, em breve, você dirá a coisa certa à pessoa certa na hora certa. Faça a diferença. Sempre combinei moda com ativismo: um ajuda o outro. Talvez a moda possa parar a guerra.”
Desfile de Vivienne Westwood na Semana de Moda de Londres verão 2017. Mike Marsland / Getty Images
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