Alicia Kowaltowski: a brasileira premiada em Paris pelo Grupo L’Oréal

Cientista e pesquisadora da USP, ela recebeu o prêmio do conglomerado francês por sua contribuição à saúde pública.


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Alicia Kowaltowski Foto: Divulgação



Toda criança é uma cientista nata. “O bebê já nasce fazendo experimentos, colocando coisas na boca”, brinca Alicia Kowaltowski, cientista brasileira laureada com o Prêmio Internacional L’Oréal-UNESCO para mulheres na ciência em 2024. “O que acontece é que essa curiosidade vai deixando de ser incentivada, e a pessoa esquece. No meu caso, isso não aconteceu e, desde a 7a série, sabia que queria ser cientista.” 

Formada em Medicina em 1997 pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora de Bioquímica na Universidade de São Paulo (USP), ela estuda desde 1992 metabolismo e conduziu uma pesquisa com foco na biologia das mitocôndrias, que contribui para o enfrentamento de desafios globais da saúde, como doenças crônicas, especialmente, envelhecimento, obesidade, diabetes e infarto. 

Parênteses aqui: mitocôndrias são organelas celulares responsáveis pela principal fonte de energia das células, beeeem, beeem resumidamente. 

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Jean-Paul Agon, presidente da Fundação L'Oréal, Alicia Kowaltowski, Nada Jabado, Rose Leke, Nieng Yan, Geneviève Almouzni e Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco. Foto: Divulgação

Filha de acadêmicos e entusiasta da ciência feita em conjunto – “o trabalho é sempre coletivo” –, Alicia Kowaltowski destaca a importância de se manter curiosa e humilde a cada descoberta, “uma resposta desengaveta outras cinco perguntas”, e se autodeclara uma apaixonada pela profissão, apesar dos pesares. “As dificuldades se somam, temos problemas de infraestrutura, governos que ficam pensando em cortar programas o tempo todo, fake news pra tudo quanto é lado… Aí, você recebe um prêmio desse e acho que dá mais ânimo pra gente não parar, pra continuar em frente”, diz em entrevista à ELLE Brasil.

Na sua 26a edição global, o prêmio criado pela L’Oréal concede 100 mil euros para cada vencedora (são cinco no total) investir em seus projetos, além de bolsas de estudo voltadas para doutorado e pós-doc. Desde a sua criação, o programa homenageou mais de 4400 mulheres, incluindo 132 laureadas. Há 9 anos o Brasil não ganhava. Alicia acabou com a contagem. 

A seguir, confira a entrevista completa:  

É difícil ser uma mulher cientista no Brasil? E o que esse prêmio representa, neste sentido? 

É sempre gostoso ganhar um prêmio que reconhece a qualidade do nosso trabalho. Acho que ele também chegou num momento muito legal, porque tinha sido um ano muito difícil no laboratório – difícil no Brasil não é ser mulher e cientista e ser cientista e ponto! As dificuldades se somam, temos problemas de infraestrutura, governos que ficam pensando em cortar programas o tempo todo, fake news pra tudo quanto é lado… Aí, você recebe um prêmio desse e acho que dá mais ânimo pra gente não parar, pra continuar em frente. Mas também me sinto um pouco dividida, porque é um prêmio que a gente recebe como pessoa, mas, no fundo, é um prêmio do laboratório, é um trabalho grupal, de todas as pessoas que passaram pelo laboratório de metabolismo energético da USP. E isso me dá muito orgulho. Passaram por aqui dezenas de jovens talentosos, que são as pessoas que realmente fazem a ciência. Uma coisa bem legal de fazer ciência é que a gente faz ciência ao mesmo tempo em que ensina as pessoas, né? Normalmente, os achados vem de um estudante ou de alguém em pós-doutorado. O ensino e a pesquisa se associam.

Você sempre soube que queria ser cientista, trabalhar com pesquisa?

Meus pais são professores da Unicamp, hoje já  aposentados. Cresci no Campus e rodeada de cientistas, que nunca deixaram apagar em mim aquela curiosidade que toda criança tem. Todo ser humano nasce cientista, pergunta, indaga, o bebê coloca coisa na boca – isso é um experimento! E essa vontade foi evoluindo. Lá pela 7, 8a série, comecei a me apaixonar por aquilo e decidi fazer o ensino médio numa escola técnica, que tinha especialização em bioquímica, o que acabou sendo uma coisa muito importante na minha história. Como eu sabia com 14 anos que queria ser bioquímica eu não sei, mas acertei. (Risos). E foi muito legal porque aprendi técnicas básicas que uso até hoje. No fim do colégio, queria ir para uma biologia mais ligada à química e fui fazer medicina. Mas, à medida que fui passando na faculdade, aliás, já no primeiro ano, fui convidada a trabalhar no laboratório do professor Anibal Vercesi e me apaixonei por aquilo. Fiz uma pergunta pra ele em sala de aula e ele disse que só poderia responder em laboratório, foi um jeito incrível de me aliciar (Risos). Tive essa introdução a uma ciência de alto nível desde cedo, fiz doutorado, pós-doutorado e fiquei, tou aqui na USP até hoje.

Como é fazer ciência na prática e ter um trabalho que é colocado em evidência, premiado, reconhecido como um feito importante? 

Muitas vezes a imprensa quer pegar um trabalho e falar ‘isso aqui mudou o mundo’, aquela manchete de uma frase: ‘encontraram a cura do câncer’. Mas, na verdade, a ciência hoje é muito mais complexa. Cada laboratório tá trabalhando em um tijolo e esses tijolos juntos vão construir paredes e depois edifícios, que serão essas melhoras de fato para a sociedade. Dito isto, qualquer um que estiver vivendo nas últimas décadas viu que a área de ciência e medicina evoluiu muito. Isso vem do conjunto desses trabalhos, tudo tem um alicerce. E fazer parte dessa comunidade é algo que gosto muito. Não tem essa possessividade, esse trabalho é meu. Ciência não só traz progresso para sociedade, mas acho que, junto com a cultura, é um dos mecanismos mais eficazes de reunir pessoas com objetivos em comum e conseguir coisas incríveis.  

Em algum momento foi mais difícil ser mulher nesta área? Um dos goals do prêmio é incentivar a participação de mais mulheres na ciência e buscar um equilíbrio maior de gêneros…

Eu vivo numa bolha, porque, na minha área, o número de mulheres, de bioquímicas, sempre foi muito grande. Somos maioria absoluta, quebramos o teto de vidro há décadas. É supernormal pra nós estar dentro desse ambiente. Só nos Estados Unidos, por incrível que pareça, fui ser a primeira mulher num laboratório. Mas acho que como tudo a melhor resposta para isso vem da própria ciência: vamos estudar isso, ver o que está sendo barreira para essas mulheres. Talvez o Brasil até seja um bom case, porque aqui temos coisas como licença-maternidade consolidada…

Pra terminar, que conselho você daria para um jovem que pretende enveredar para a ciência?

Você tem que escolher aquilo que tá dá brilho no olho, aquilo que desperta paixão. Se você é feliz no que faz, vai fazer aquilo bem e todo resto vem junto. Tem oportunidades incríveis, ciência é pra quem gosta, pra quem tá curioso. Encontre então algo que te instigue.

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