Você consegue criticar Taylor Swift sem ser misógino?

A omissão da cantora frente à tragédia da morte de sua fã é grave. Usar da mesma tragédia para destilar misoginia contra ela também é.


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Muito antes de Taylor Swift se tornar um dos maiores fenômenos musicais da história do pop, odiá-la virou moda. Em certa medida, até hoje, é cool falar mal da sua música, da sua figura e até mesmo dos seus fãs. Gostar dela, aliás, virou sinônimo de mau gosto, falta de conhecimento musical, infantilidade, cafonice. É “coisa de garota básica”, dizem alguns. Entender o que está por trás desse ódio é complexo, mas aqui arrisco alguns palpites. 

Dado o establishment ultramasculino da indústria da qual ela faz parte, a cantora foge à regra ao não se permitir contar, em suas músicas, histórias e verdades escritas por terceiros. Ainda que durante a carreira da artista tenham insistido em creditar o sucesso de suas canções aos homens que trabalham ao seu lado, é importante reforçar que ela é autora ou coautora de 100% de sua discografia. Ela fala de si, fala das suas relações, fala dos seus sentimentos, e isso parece incomodar. Se tantos homens que vieram antes dela (ou até mesmo são contemporâneos a ela) foram e são ovacionados quase unanimemente por fazer o mesmo, ela não teve a mesma oportunidade: Taylor Swift é, na melhor das hipóteses, uma personalidade polarizante.

De um lado estão meninas e mulheres de diferentes idades que se sentem representadas por suas letras em canções que descrevem situações do universo feminino tidas como futilidades. Do outro, está uma horda de pessoas que se recusa a dar a esses assuntos o mesmo grau de importância detido pelo masculino. Afinal de contas, em uma sociedade machista, o masculino é o “mundo” e o feminino é a margem – e dar à tangente um valor de centralidade desorganiza o desenho social ao qual estamos adaptados. Ou seja, reconfiguram-se relações de poder e, obviamente, quem está no topo reclama. 

Na trajetória de Taylor Swift, são incontáveis os ataques massivos que ela sofreu pela mídia, pelas redes sociais, pelo público, por todos os lados. Há pelo menos 17 anos ela tem sua vida amorosa julgada, seu talento questionado e seu sucesso desmerecido. Foi chamada de dramática, chata, patricinha, fútil, desesperada, sem graça, puta – adjetivos que jamais seriam atribuídos a um homem heterossexual nessa mesma posição. Sem abaixar a cabeça para esse tipo de comentário vazio, Taylor aprofundou a sua relação com as suas fãs – ela as inspira a fazer o mesmo e prova que adotar essa estratégia pode até parecer difícil, mas pode te levar ao sucesso também.

Vale dizer que tem uma série de críticas absolutamente cabíveis à carreira da artista. Veja bem, mulheres negras, especialmente dentro do rap, sempre escreveram suas músicas através de suas experiências – mas elas apenas não ficaram tão famosas quanto Taylor. E a gente sabe bem o porquê: ela é uma mulher branca, magra e que se encaixa em praticamente todos os padrões de beleza. O papel desses privilégios no impulsionamento da sua fama não pode ser ignorado. Ainda assim, não é desse lugar que vêm as críticas tecidas à cantora nos últimos dias.

É claro que você tem direito a ter sua opinião pessoal e dizer mil coisas sobre ela: que ela nem canta tão bem assim, que ela não sabe dançar, que ela não merece tanto sucesso… E, em alguma medida, pode até ser que você esteja certo. Mas o que será que motiva especificamente essa incansável cruzada com o objetivo de desmontar o sucesso, de desmascarar a suposta farsa de Taylor Swift? 

A passagem de Taylor Swift no Brasil

Foi no primeiro show da cantora no Brasil que Ana Clara Benevides, de 23 anos, teve uma parada cardiorrespiratória e morreu. O caso segue sendo investigado pela Polícia Civil e ainda não existe um laudo final sobre a causa da morte da estudante. A suspeita, porém, é de que tenha sido a forte onda de calor que atingiu parte do país, levando a sensação térmica daquele dia no Rio de Janeiro a 60ºC, somado a problemas de estrutura do evento, produzido pela Time For Fun (T4F). O calor, o preço abusivo dos copos de água e o uso de tapumes que bloquearam a passagem de ar do estádio fizeram com que pelo menos mil pessoas desmaiassem durante o espetáculo.

Com a morte de uma fã em seu show, esperava-se que a cantora fizesse uma homenagem no dia seguinte ou que oferecesse suporte financeiro à família para, no mínimo, cobrir as despesas do translado do corpo para o Mato Grosso do Sul, estado onde a jovem nasceu. Nenhuma dessas coisas aconteceu. O único pronunciamento de Taylor foi uma nota nos stories no Instagram que informava, inclusive, que ela não falaria sobre o assunto no palco. 

Obviamente, a cobertura da mídia sobre o caso foi extensiva e a omissão da cantora se tornou alvo de críticas nas redes sociais – até a base de fãs se organizou para cobrar uma atitude mais contundente da artista. É consenso indiscutível a insensibilidade de Taylor e ela deve, sim, ser duramente criticada por isso.

No entanto, em meio às críticas necessárias, escapam rebarbas de um pensamento que vale a análise: “Sempre estive certo de não gostar dessa menina tonta”, “Era óbvio que essa patricinha se comportaria assim” – diziam algumas postagens nas redes sociais sobre a cantora. Esse tom de prazer e celebração incubido nesse tipo de manifestação revela muito a motivação original de quem as redige. 

A preocupação, veja bem, sequer é com a família de Ana Clara, com o luto, com o pesar, a tristeza ou a dor de uma vida que se foi. A preocupação é provar-se “certo”. É dizer que aquele ódio, que antes não dava para justificar de outra forma a não ser pela misoginia, agora encontrou uma válvula de escape moral. Coisa de homem.

Bárbara Rossi é repórter de beleza da ELLE Brasil.

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