Uma semana intensa de Clubhouse: qual é a da nova rede social?

Os brasileiros entraram em massa no aplicativo de bate-papo por áudio no começo de fevereiro. Usamos esse tempo para entender o que esperar dele e como a moda o está adotando.


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Como uma casa com muitos quartos, a nova rede social do momento tem como premissa algo que divide multidões tal qual um grande clássico futebolístico: os áudios. Seja você a favor ou contra eles, são eles a base desta nova plataforma de salas de bate-papo que, nas últimas semanas, tem dado o que falar na internet com elogios, críticas e ainda muita especulação. Dos que se adaptaram facilmente aos críticos, o rebuliço causado pela rede é um fato e nos resta tentar entender, afinal, entre muitas vozes, qual é a do Clubhouse?

Conversamos com usuários, descobrimos de onde surgiu o aplicativo, quem tem se destacado lá dentro, as críticas levantadas e como a moda entra nessa história.

ESPERA, CLUB O QUÊ?

É a pergunta que você deve estar se fazendo caso tenha tirado os últimos dias para ficar off e despressurizar. Do contrário, é bem verdade que foi quase impossível desviar de menções ao novo app. No Twitter e nos Stories do Instagram, prints das tais “salas” se espalharam rapidamente.

Em resumo, a plataforma é um híbrido de sala de bate-papo, TED talk, podcast e mesa de boteco – tudo ao vivo e mediado tanto por pessoas comuns, quanto por celebridades, artistas e lideranças que já povoam a plataforma.

“O aplicativo surgiu em abril do ano passado”, conta NaNa Maia, que é cineasta, empreendedora e, agora, representante do Clubhouse no Brasil. “Ele foi se desenvolvendo em fases. Na primeira, estavam lá, de fato, os “tech bros”, homens brancos e ricos, em sua maioria, que se fecham em uma panelinha no Vale do Silício – mas estavam, também, dentre os 220 investidores do negócio, 180 pessoas negras.” Na segunda e na terceira fase, NaNa explica que foram convidados líderes, atletas e talentos para conhecer o espaço, dando tempo hábil ao time, que até pouco tempo era constituído de apenas oito pessoas, para se preparar para a entrada de artistas e celebridades.

“Começamos a entender, de fato, o que era o Clubhouse ali. Ele passou a ser utilizado por pessoas racializadas, que geralmente são excluídas dessas conversas”, diz ela. “Começamos a criar diálogos entre executivos. Com as comunidades negra e latina sendo as mais afetadas pela pandemia nos Estados Unidos, decidimos nos reunir ali e organizar eventos para arrecadar dinheiro e auxiliar desde criativos até crianças que não tinham computador para continuar com o ensino à distância”. Um desses eventos, organizado pelo grupo de NaNa, chegou a arrecadar mais de US$ 15 mil.

Para entender a essência da plataforma, a cineasta relata várias experiências vividas dentro dela. Dentre elas, uma se destaca: a recriação do musical O Rei Leão em áudio em uma sala que atingiu a lotação máxima, encabeçada por Noelle Whitmore e Bomani X, dois musicistas negros. Ocupando manchetes internacionais, o evento levou o Clubhouse ao conhecimento popular e a rede passou a adotar a figura de Bomani como ícone do app (até a mais recente atualização). “Essa forte presença de pessoas que até então se sentiam invisíveis na plataforma é o que fez a diferença para que houvesse apoio ao Clubhouse”, aponta.

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FALA QUE EU TE ESCUTO

No Brasil, o Clubhouse ganhou popularidade há poucas semanas, quando alguns influencers e comunicadores decidiram explorar a plataforma. “No começo, eu acompanhei discussões muito interessantes, como a de médicos negros americanos discutindo o impacto da pandemia na comunidade negra. Foi uma experiência incrível”, conta Kaique Brasileiro, influencer, comunicador e agora host no ClubHouse, que embarcou no app no final de 2020, bem antes da explosão por aqui. De cara, ele notou que havia potencial nas trocas ali estabelecidas: “Como homem negro, vejo o app como uma forma incrível de ter voz e dar visibilidade ao meu trabalho e ao trabalho de outros profissionais negros que eu admiro.”

Dandara Pagu, comunicadora digital e colunista no blog Bonita de Pele, concorda: “a gente nunca pode falar por todo mundo, mas eu me sinto muito mais em destaque agora do que nas outras redes sociais. Ali você consegue ter a palavra e falar com pessoas que você não falaria e, se falasse, teria um engessamento de uma assessoria.”

Dandara é uma das usuárias que tem se destacado na rede nas mais diversas salas – que vão de discussões sobre o BBB (diretamente com o Boninho, vale dizer!) a debates antiproibicionistas. “Onde que eu ia ser notada, entre os milhões de seguidores no Instagram, com milhões de mensagens? É mais difícil”, diz ela. Sua presença sempre bem-humorada e relevante nas salas culminou, inclusive, em um contato especial: uma mensagem de Preta Gil a convidando para se agenciar à Mind, sua assessoria.

“Onde que eu ia ser notada, entre os milhões de seguidores no Instagram, com milhões de mensagens? É mais difícil”, diz Dandara Pagu

Independentemente do assunto, a modalidade de áudio contínuo acabou se revelando muito produtiva para trocas mais longas e profundas, possibilitando conversas com tese, antítese e síntese – coisas que, em 280 caracteres ou 15 segundos, muitas vezes não são possíveis. Andreza Delgado, empresária e twitteira profissional, relata que vai de BBB a startups em um segundo. “Eu já chamei algumas salas para falar sobre cultura do cancelamento em que apareceram o Tico Santa Cruz, o Rafinha Bastos e a Tia Ma. No final, virou um papo pra gente até discutir o limite do humor, então é bem legal”, diz. “Esses dias eu também chamei uma sala para poder falar de ETs e teorias da conspiração”, revelando que nem o céu é limite para seres humanos sedentos por comunicação depois de meses a fio em isolamento social.

“O grande potencial do aplicativo é justamente dar visibilidade a pessoas que, até então, se sentiam invisíveis. É fazer com que todo mundo que está ali tenha a mesma oportunidade de ter sua voz ouvida”, explica NaNa, que esteve presente, junto com Luciano Huck, Nina Silva e muitos outros investidores, em salas chamadas The Big Pitch, com o objetivo de reunir investimentos de, no mínimo, R$ 5 mil para projetos periféricos.

Mas se por um lado o Clubhouse se mostra como uma ágora pós-moderna, onde se fala e se escuta, há quem rebate que não é bem assim e que a plataforma, na verdade, é excludente em seu atributo mais essencial: os áudios.

QUAL É A PAUTA?

Apesar de muito buzz e aclamação, críticas muito válidas e pertinentes fazem parte do combo de estreia do ClubHouse no Brasil. Acessibilidade, elitismo, FOMO e ansiedade são algumas das questões que, de fora, especialistas, criadores de conteúdo e ativistas têm levantado a respeito do aplicativo. Mesmo em versão beta, a plataforma é, por essência, um espaço de troca de áudios, o que exclui sistematicamente pessoas com surdez e também com deficiência visual – já que o app ainda não permite a leitura de tela para indicar o nome da sala, o tema discutido e quem está falando.

Mariana Torquato, ativista e criadora do maior canal sobre deficiência no Brasil, levantou a questão em suas redes sociais. “Quando o Instagram e o Youtube foram lançados, se falava muito pouco sobre acessibilidade digital”, relembra ela. “Mas, agora, em 2021, lançar um aplicativo sem acessibilidade é um absurdo. É um verdadeiro descaso da sociedade, que não enxerga essas pessoas como consumidoras e muito menos como criadoras de conteúdo”, conclui.

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A questão da entrada por meio de convites e a exclusividade para iPhones também incomodou o público. A respeito disso, NaNa explica que é apenas questão de tempo até que a abertura completa seja feita, e que essa é uma prática comum entre desenvolvedores e startups que ainda não têm estrutura o suficiente para lidar com uma enxurrada de usuários. Já que o sistema operacional iOS é único, ao contrário do Android que varia em seus modelos, ele é escolhido como padrão para lançamentos. Mesmo assim, o Clubhouse registrou mais de 6 milhões de cadastros nas últimas semanas.

Do lado de dentro, pessoas também relatam que começaram a experimentar alguns efeitos colaterais do Clubhouse. O FOMO (fear of missing out, ou ainda, medo de ficar por fora) e a ansiedade de se inteirar sobre tudo o que está sendo discutido têm resultado em noites mal dormidas e horas sem fim na plataforma para alguns. “Tá parecendo início de namoro, sabe? Quando você não consegue desgrudar! Eu tô viciada, mergulhada, igual aquele meme ‘eu só falo de Clubhouse e espero alguém falar de ClubHouse pra eu falar também’. Tá difícil”, confessa Dandara. Kaique, que já está no app há mais tempo, conseguiu atingir certo equilíbrio: “Precisei parar um dia para respirar e entender que eu não precisava estar o tempo inteiro discutindo e aprendendo sobre tudo. Mas foi um processo.”

MAS SE VAMOS FALAR DE MODA…

As possibilidades são animadoras. Para os amantes de moda que se aventuram pela plataforma, já existem algumas salas e clubes para ficar de olho em meio a muitas discussões sobre marketing, conteúdo, empreendedorismo e tecnologia. Olivia Merquior e Isabel Junqueira, fundadoras do podcast High Low, já estão no app trazendo discussões sobre moda, arte e criatividade como já costumam fazer, mas com o bônus de poder trocar com novos talentos e responder perguntas do público. Recentemente, salas como “O fim da Fenty de Rihanna, o que aconteceu?” e “Moda e Sustentabilidade” reuniram jornalistas, designers nacionais como Ana Luísa Fernandes, da ALUF, e André Boffano, da MODEM, e estudantes de moda dispostos a dissecar o passado, o presente e o futuro da indústria.

No Clubhouse gringo, alguns clubes dedicados ao assunto já existem. É o caso do “Fashion Creatives Link Up”, que funciona como um grande hub de networking para novos profissionais, e do “Digital Fashion & Art”, em que se discutem e se apresentam soluções digitais para a moda. Editores e jornalistas também já estão explorando o app para discutir organicamente desfiles e momentos fashion ao vivo. Pierre M’Pelé, mais conhecido pelo seu nome de usuário @PAM_BOY nas redes sociais, é um dos críticos admirados pela juventude que está lá levando convidados e insiders para discutir, por exemplo, a última coleção da Celine de Hedi Slimane, “Teen Knight Poem”. Ah, e você sempre tem a chance de esbarrar com Virgil Abloh por lá também, fã assumido e usuário assíduo da plataforma, que recentemente explicou ao site Business of Fashion por que acredita que marcas de moda deveriam usá-la também: “Acho que o Clubhouse é uma ótima maneira de fazer sua voz ser ouvida sem qualquer tipo de distração visual. Sem imagens e sem ver o produto, você tem a oportunidade de focar na mensagem”.

VAI OU RACHA?

No final do dia, o que queremos saber mesmo é: será o Clubhouse mais um app sintomático e passageiro? Com a presença de tantas vozes importantes sendo ressoadas lá dentro e com o Twitter querendo inclusive testar uma ferramenta parecida chamada Spaces, tudo indica que não. “Já recebi até propostas comerciais para co-criar com outras marcas dentro da plataforma”, conta Kaique. “Por enquanto, eu ainda estou bastante focado em reality show e cultura pop, mas já estou estudando um novo calendário para trazer mais pautas para o app.” Da mesma forma, Andreza se prepara para criar conteúdo consistente por lá: “Estou querendo chamar uma sala sobre empreendedorismo na quebrada e outra sobre conteúdo nerd”.

Sendo esse apenas o primeiro mês de grande sucesso da plataforma no Brasil, é difícil dizer qual direção o Clubhouse tomará. Da parte dos desenvolvedores, NaNa revela que planos de monetização para criadores são muito reais e que, provavelmente, serão executados em modalidade de assinatura, assim como o OnlyFans. A abertura do clube “Brazilians in Clubhouse” é uma conquista recente que faz parte deste processo de visibilidade do nosso país na plataforma e, logo mais, hosts poderão criar seus próprios clubes. “O Brasil já entrou com tudo, eles não estavam preparados”, ela ri.

Em meio a tantas vozes e a vontade de não querer cortar a fala de ninguém (regra silenciosa e imperativa no Clubhouse), esse dossiê virou um textão – um dos inúmeros sinais de como temos essa necessidade intrínseca de falar, falar e falar mais um pouco. Seja você um dos que não entende o porquê de estarmos criando mais redes sociais ou um dos entusiastas da comunicação a qualquer custo, o convite está aí. E se não está, logo, logo vai chegar. Sinta-se à vontade para usá-lo com sabedoria – ou só para jogar conversa fora enquanto ainda há pandemia lá fora.

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