Expressão própria
Em meio à mata nativa, na serra fluminense, a casa-galeria de Gustavo Bittencourt abriga grandes grifes do design nacional.
Planos e encaixes em escalas milimetricamente perfeitas dão o tom às criações de Gustavo Bittencourt, bem a exemplo dos mestres modernistas brasileiros, suas maiores referências. E não só isso: o designer explora novos materiais e, ao combiná-los à madeira, dá forma a móveis autorais de essência sofisticada. Todos com a linguagem de hoje, mas com a memória de ontem. Assim é também sua casa-galeria, criada por ele em parceria com o irmão mais novo, o arquiteto Paulo Bittencourt: um lugar contemporâneo, com múltiplas vocações.
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A começar pela localização. Apesar das constantes viagens que costuma fazer a trabalho para São Paulo, Gustavo nunca quis abrir mão do Rio de Janeiro e escolheu a cidade de Petrópolis para erguer seu refúgio – um lugar estratégico, pertinho da mata, porém não longe do mar. Basta descer a serra para, em cerca de uma hora, já estar pegando onda em Copacabana.
Afinal, além do design, o surfe é outra de suas grandes paixões. Ironia do destino, ou não, quando foi em busca de um terreno, Gustavo logo se encantou por um lote de 2 mil metros quadrados em aclive profundo. “Uma pirambeira”, lembra, rindo. Não se amedrontou. Com o olhar treinado, sensível o suficiente para enxergar uma peça na matéria-prima ainda bruta mesmo antes de ela ganhar forma, ele viu no terreno íngreme a topografia perfeita para uma casa em vários planos, com pavimentos sobrepostos – um para o convívio e outro para a área íntima – emergindo para a mata nativa. “O processo construtivo sempre esteve na minha vida, talvez pelo fato de a minha mãe ser arquiteta”, conta. “A arquitetura é um flerte antigo, então aproveitei para explorá-lo.”
Cadeira de balanço Nono, ao fundo, banco Ioiô e cadeira Torno, à frente, todas com design Gustavo Bittencourt. Foto: Denilson Machado
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Para preservar a natureza intocada, o designer e o irmão decidiram que os blocos seriam suspensos por pilotis. O que elevou o primeiro piso, onde fica a ala social, a 15 m do solo, na mesma altura da copa das árvores. Com tanto verde ao alcance dos olhos e farta luz natural, as paredes da construção só poderiam ser envidraçadas. “Era para ser ao mesmo tempo aconchegante e etérea”, diz. “O cenário ideal para eu ver minhas peças ambientadas, como elas funcionam no cotidiano e como respondem às diferentes nuances de luz”, pontua o designer.
Com a mata de pano de fundo, as criações de Gustavo ganham ainda mais força e delicadeza, como num diálogo afinado. O pavilhão da ala social, com varanda em balanço, concentra a maior parte das obras de sua galeria privê: ali se destacam peças das linhas Benjamim e Bernardo, batizadas assim em homenagem aos filhos, além dos lançamentos recentes. São itens como mesas de centro, cadeiras, poltronas, aparadores e bancos, que interagem com o ambiente externo e atestam o bom gosto do morador. “O fazer manual de uma peça revela o que pulsa dentro de mim. Já a criação de ambientes com elas mostra como eu as vejo, e um complementa o outro”, reflete.
Poltrona e banqueta Benjamin, design Gustavo Bittencourt. Foto: Denilson Machado
Para não ficar imerso numa espécie de egotrip, ele elegeu obras de outros nomes importantes da cena brasileira de design para contracenar com as próprias criações: Guilherme Sass, Rodrigo Calixto, Zanini de Zanine, Ricardo Graham, Domingos Tótora, Hugo França, Maneco Quindere, Rodrigo Ambrósio, Nicole e Luiza Toldi figuram entre eles. Um elenco poderoso.
A casa é uma galeria e tanto, contudo, não se limita a isso. Mais que tudo, é o lugar dele no mundo, onde Gustavo encontra a liberdade absoluta para seus voos criativos e para os momentos de introspecção. “Aqui até os desenhos da luz no decorrer do dia me inspiram. É o meu refúgio, o lugar para estar com meus filhos e cercado de amigos. Mas é também o meu ponto de solitude, para refinar pensamentos e aprendizados, enquanto absorvo o silêncio, que segue o barulho de mato.”
Gustavo Bittencourt, designer. Foto: Bruno Machado
Apegado ao máximo a cada detalhe, ele define a casa como um imenso projeto afetivo, cheio de histórias que se misturam às dele: o seu primeiro mergulho na arquitetura, a primeira casa dos filhos, o primeiro projeto de design de interiores. “O que me deixa pronto para o segundo e o terceiro passo: a construção do ateliê-cozinha, um espaço gourmet no terreno ao lado, e uma casa em Tiradentes, em Minas Gerais”, planeja. Mas isso com diferentes escritórios de arquitetura para, nas palavras dele, “permear novos conhecimentos”. No meio do caminho, talvez até surja um quarto passo, pois o designer anda animado com a ideia de construir alguns chalés no terreno em Petrópolis, só para receber os amigos que chegam. Sim, aqui a vida é bela.
Esta reportagem foi publicada originalmente na edição impressa do volume 3 da ELLE Decoration.
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