Pedro Almodóvar discute a morte em “O quarto ao lado”

Protagonizado por Tilda Swinton e Julianne Moore, o longa é o primeiro em inglês do diretor espanhol.


Cena de O quarto ao lado, de Pedro Almodóvar
Julianne Moore e Tilda Swinton no filme Foto: Divulgação



O quarto ao lado, estrelado por Tilda Swinton e Julianne Moore e que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (24.10), é um marco na carreira de Pedro Almodóvar. Seu 24º longa-metragem é o primeiro falado em inglês e finalmente deu a ele o almejado prêmio principal em um dos três grandes festivais internacionais. Sem nunca ter ganhado o Urso de Ouro nem a Palma de Ouro, ele levou o Leão de Ouro em Veneza, em setembro.

O diretor espanhol, autor de clássicos modernos como Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988), Volver (2006) e Dor e glória (2019), havia ensaiado a passagem de sua língua materna para o inglês nos curtas-metragens A voz humana (2020) e Estranha forma de vida (2023). E agora embarcou de vez na aventura de fazer um filme longo em outro idioma. Ele se baseou no romance O que você está enfrentando (2020), da escritora estadunidense Sigrid Nunez, lançado no Brasil pela editora Instante.

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O diretor, que se reinventou diversas vezes ao longo da sua carreira, continua fazendo melodrama, mas agora de maneira mais sóbria. No novo longa, Julianne é Ingrid, uma escritora tão incapaz de entender a morte que escreve um livro sobre isso. No lançamento de sua mais recente obra, em Nova York, ela fica sabendo que Martha (Tilda), uma amiga que não vê há anos, está com câncer. 

Uma primeira visita ao hospital vira uma retomada da amizade, com Ingrid disposta a ajudar Martha a enfrentar o tratamento, a doença e a probabilidade da morte. “Acompanhar. Dar companhia, estar com alguém sem necessidade de falar, apenas estar lá. Acompanhar na dor e no prazer. Ter a generosidade de ‘acompanhar’ alguém é uma das melhores coisas a fazer para os outros. É algo superior aos grandes sentimentos, como o amor, a amizade ou a irmandade”, diz o cineasta no material de imprensa do filme. E reitera que não é preciso nem falar, apenas estar disposto a ouvir o outro.

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Julianne Moore, Pedro Almodóvar e Tilda Swinton nos bastidores do longa Foto: Divulgação

No filme, é exatamente isso que Ingrid faz. Não há explicação do porquê da sua atitude. Ela apenas faz, empaticamente.

Julianne foi uma escolha dos dois: Almodóvar e Tilda, com quem o diretor havia trabalhado em A voz humana. Houve momentos em que as duas estranharam as falas em inglês. “Gosto de dizer que o Pedro escreve de salto alto”, afirmou Tilda à Another Mag. A atriz conversou com colegas espanhóis de filmes anteriores do diretor, e todos confirmaram que, mesmo em sua língua materna, seus diálogos não são naturalistas. Há algo de conto de fadas, de um mundo particular. 

Uma casa na floresta

Em O quarto ao lado, essa faceta é ainda mais evidente porque as duas amigas se refugiam em uma casa fora de Nova York, enquanto Martha lida com a perspectiva de sua morte, pedindo para Ingrid lhe fazer companhia. É uma casa modernista no meio das árvores, com janelas angulares.

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Pedro Almodóvar em ensaio com as atrizes Foto: Divulgação

A designer de produção israelense e radicada em Nova York Inbal Weinberg – uma indicação de Luca Guadagnino, com quem Tilda trabalhou em Suspiria (2018) – encontrou o lugar ideal, a Casa Szoke, na Espanha, perto da cidade de El Escorial.  

“Há algo nas casas modernistas que irradia calma, racionalidade, simplicidade e apreciação da natureza. Especificamente para nosso filme, a ideia do espaço como último descanso, um lugar de doença e cura, conectava com a sensibilidade modernista”, disse Inbal à revista Wallpaper

Como de costume, tudo seguiu nos termos do diretor. Ele teve controle total da produção, feita pela sua produtora El Deseo, com apoio do governo espanhol. E se envolveu em todos os detalhes, escolhendo cada obra de arte, livro e objeto de decoração.

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Pedro Almodóvar e Juliane Moore entre as filmagens Foto: Divulgação

Nos figurinos, assinados por Bina Daigeler, com quem o cineasta trabalhou em Tudo sobre minha mãe (1999) e Volver, não foi diferente. O colorido almodovariano está presente, mas adaptado a Nova York e às personagens, que são de classe alta, especialmente Martha – ela vive em um apartamento luxuoso em Manhattan. Almodóvar disse ao site Indiewire que queria evitar o sentimentalismo, mesmo falando de mortalidade. Nas cores, ele desejava expressar vitalidade. Um dia, a própria Tilda apareceu no set usando um suéter volumoso amarelo e vermelho. Almodóvar adorou e o incorporou em uma cena em que Martha e Ingrid assistem a filmes de Buster Keaton. A cor aparece também na porta vermelha do quarto de Martha. É simbólico e, além da preferência do diretor por cores vibrantes, foi escolhida porque representa, na cultura japonesa, que alguém vai morrer.

“Ter a generosidade de ‘acompanhar’ alguém é uma das melhores coisas a fazer para os outros.” Pedro Almodóvar

Em Veneza, Almodóvar, que está com 75 anos, defendeu a eutanásia. O quarto ao lado é, como os últimos filmes do cineasta, uma reflexão sobre a morte e que aposta na moderação em vez do esparramamento. O resultado é meio frio, diferente das produções fascinantes de ontem do cineasta. O humor almodovariano aparece, Julianne e principalmente Tilda dão show, mas esta é a obra de um homem em sua madureza, que parece ver tudo com um pouco menos de brilho e paixão, que dá valor a outras coisas. É mais uma transformação de Almodóvar e, ao mesmo tempo em que é bonito ver um cineasta seguir se reinventando, dá uma saudade de ser arrebatada por ele. O quarto ao lado é mais para admirar do que para se abrasar.

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