Bethan Laura Wood: conheça o trabalho da artista plástica britânica

Misturando leituras culturais e históricas, obsessões pessoais e, por que não, um pouco de devaneio a uma abordagem singular de cores e materialidades, Bethan Laura Wood conquistou o mundo.


Bethan Laura Wood: artista plástica comanda escritório em Londres.
Bethan Laura Wood: artista plástica comanda escritório em Londres. Foto: Alejandro Ramirez Orozco / Divulgação



Quando ainda no colégio, por mais de uma vez Bethan Laura Wood foi convidada a tirar a maquiagem. Nunca um blush qualquer, por sinal. “Eu experimentava diferentes visuais, dependendo da época, mas sempre tive uma queda pelos padrões e cores psicodélicos dos anos 1960”, conta.

Aos 16 anos, a inglesa de Shrewsbury, uma cidade histórica cheia de construções medievais e conhecida por ser o local de nascimento de Charles Darwin, resolveu experimentar dois pontinhos coloridos na maçã do rosto e nunca mais deixou de pintá-los em infinitas variações de tons, como a imediata expressão de uma liberdade criativa também vista no currículo multidisciplinar das coleções de seu estúdio, estabelecido em 2009, em Londres.

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Ali, juntamente com sua equipe de designers, Wood desenha de objetos cotidianos a instalações, cujo espírito remete à desobediência de um momento icônico da história do design, a escola pós-moderna Memphis, nascida em 1980 em torno de um grupo de jovens reunidos ao som de Bob Dylan na sala do arquiteto Ettore Sottsass (1917-2007), em Milão, Itália. “Eu me lembro de ver algumas peças Memphis quando era estudante e me sentir desafiada pelo trabalho de proporção e cor”, conta.

Armário com design Bethan Laura Wood.

Da linha Meisen, o armário de mood psicodélico inspirado em Alice no País das Maravilhas. Foto: Emanuele -Tortora

Mas não apenas. Tal qual nos sonhos, seu universo transita fluidamente por uma floresta de referências: desde artistas como o ilustrador inglês Aubrey Beardsley (1872-1898) e representantes do movimento Arts and Crafts até a moda de rua registrada a partir de 1997 pelo fotógrafo Shoichi Aoki na revista FRUiTS, expressão de uma juventude japonesa então sedenta por romper padrões.

“Toda época é feita de uma mistura de coisas novas e de reencontros com um tempo anterior. Essa multicamada sempre me fascinou”, resume a designer.

Na lista de suas colaborações, estão marcas internacionais: Rosenthal, Moroso, Kvadrat, cc-tapis, Hermès, Dior… Já teve trabalhos exibidos no Victoria & Albert Museum e no The Design Museum e ganhou a MECCA x NGV Women in Design Commission 2023, que convida designers e arquitetas de renome internacional a criar para a coleção da National Gallery of Victoria (NGV), fundada em 1861, na Austrália. Em 2022, em sua primeira edição, a comissão premiou a arquiteta mexicana Tatiana Bilbao.

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Espelho Tomato, design Bethan Laura Wood.

Espelho Tomato, da coleção Aperitivo, explora o universo dos espelhos venezianos. Foto: Alejandro Ramirez Orozco / Divulgação

Desde 2011, Wood é representada em edições limitadas pela prestigiada galeria Nilufar, estabelecida pela curadora Nina Yashar em 1979, em Milão, Itália. Entre as peças para a Nilufar, os espelhos da série Aperitivo parecem traduzir o modo como Wood define seu processo de criação, um estado entre o sono e a vigília, aquele momento em que estamos quase abrindo os olhos depois da noite profunda, no limite da realidade – e, para ela, da combinação de referências culturais e materiais.

“Eu espero conseguir oferecer às pessoas um sentimento de alegria, uma paisagem onde seja possível sonhar ou fazer suas próprias conexões, garantindo espaço a diferentes interpretações.”

Há um desejo de liberdade no seu trabalho, e ele aparece na autonomia de formas e cores. Como se dá esse caminho?

Eu normalmente trabalho a partir de um detalhe ou de referências relacionadas a determinado material, técnica ou lugar. Começo com esboços manuais e, dependendo do projeto, passo ao computador para ter uma ideia de proporção. A maioria das peças tem um ritmo ou um conjunto de regras que determino para guiar o todo. Eu posso, mais tarde, descartar ou mesmo mudar as regras, mas elas ajudam a definir uma direção, assim como algo que possa saltar fora. Preciso sentir uma mistura de liberdade e estranheza para ter clareza a respeito de uma coleção.

Parte dessa liberdade passa pela combinação de cores?

Adoro construir grupos de cores influenciados pelos lugares em que estive. Também gosto de trabalhar com as tonalidades que vibram mais em um material específico. O México teve um grande impacto na minha paleta desde quando estive lá pela primeira vez, dez anos atrás. Às vezes, eu encontro algo num mercado de pulgas ou numa exposição com uma combinação de cores que eu não teria feito, mas que me fascina pelo contexto diferente. Isso também pode me levar a explorar um conjunto delas, vindo de certo momento ou local. Eu amo a liberdade de não me fixar. Pelo contrário, permitir que novas circunstâncias ou descobertas me apresentem a um mundo de cores desconhecido.

Você também transita entre referências históricas e culturais. Pode citar algumas dessas influências?

Muito do meu trabalho faz referência a diversos períodos da história do design. Isso, às vezes, se dá por causa de determinado lugar, a exemplo das peças que fiz me baseando no México, também cruzadas com algum traço relacionado ao movimento art déco, pois existe um tipo de arquitetura e grafismo art déco em sintonia com os grafismos e a arte pré-hispânicos da cultura mexicana. Então há todo um corpo e linguagem conectado à identidade mexicana, mas também a movimentos maiores, e assim por diante.

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Tapete com design Bethan Laura Wood.

As suculentas Euphorbia estampam a linha de tapetes desenhada para a cc-tapis. Foto: Alejandro Ramirez Orozco / Divulgação

E o que há em comum entre as diferentes inspirações?

Acho que fui atraída para a estética em torno do Arts and Crafts porque se trata de uma janela de tempo na qual ocorreram muitas mudanças. Você sabe, é também o período da Revolução Industrial, então há várias divisões dentro do design, quase como uma reação à tecnologia. E hoje estamos cada vez mais conscientes de que não podemos mais negar a causa e o efeito de certas escolhas em termos de produção em massa, então acho que esses são movimentos para os quais naturalmente olhamos, porque surgem também como uma resposta a uma configuração semelhante à que enfrentamos como sistema hoje. Além disso, eu adoro o universo da era espacial dos anos 1960 porque existe muito otimismo nesse design e no design do final dos anos 1950. É o pós-guerra e tudo está em disputa de novo, para recomeçar. Possibilidades malucas surgiam por causa de materiais como o plástico, e acho que é esse tipo de alegria que me atrai.

Como é a sua pesquisa durante as viagens?

Eu basicamente observo. São muitas fotos e rascunhos. No ano passado, eu fui pela primeira vez à Índia, convidada a dar uma palestra, e aproveitei para ficar um pouco, viajando pelas montanhas, até Ladaque. Eu me apaixonei pelas cores refletidas na água, pois fiquei hospedada em barcos de madeira pintada, o que me lembrou os canais de Xochimilco, no México. Na Índia, tratava- -se de um agrupamento ligeiramente diferente de tons vibrantes, que mudavam do sol suave da manhã ao semineon da noite.

Quando me convidaram para o México, acho que sabiam que funcionaria muito bem para mim porque eles não têm medo de cor. Já o Japão é um país que sempre desejei visitar. Eu amo a mistura vista nas cidades: num minuto, incrivelmente colorido e neon e, no instante seguinte, silencioso e minimalista. Mas em todo lugar há muito mais camadas e nuances, claro.

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Você fala sobre os sonhos no seu processo criativo, o que remete a André Breton e ao surrealismo do começo do século 20. Qual o papel dele – o sonho – no seu trabalho?

É onde ele começa! Muitas vezes, tenho vislumbres de como as peças vão ficar naquele momento especial entre o sonhar e o acordar, quando a mente ainda está livre, mas quase em contato com a realidade, instante no qual diferentes experiências parecem flutuar juntas entre a memória e os novos pensamentos. Acho que é o meu espaço preferido para encontrar novas criações. De repente, eu posso visualizar coisas que talvez tenham me ocorrido quando eu estava olhando para um detalhe técnico e me esforçando para projetar. Você precisa desse tempo para processar as coisas e encontrar soluções, então acho que a conexão disso com o surrealismo está no fato de que você precisa sonhar para criar o futuro. Eu sempre gostei de criar certo nível de ambiguidade dentro das formas e dos padrões.

Como avalia o design brasileiro?

Há trabalhos incríveis, e cada vez mais presentes no mercado europeu. Eu estimo a viagem que fiz ao Brasil para a Made (mostra Mercado, Arte, Design, realizada em São Paulo) alguns anos atrás, quando visitei locais fantásticos e vi exemplos das maravilhosas tapeçarias de parede dos anos 1950 e 70. Também pude conhecer melhor o trabalho de Lina Bo Bardi graças à exposição feita na galeria Nilufar. Mas é claro que preciso voltar para aprender mais e saber o que os designers contemporâneos estão fazendo!

Como é trabalhar com a curadora Nina Yashar?

Eu tenho muito respeito pelo seu olhar e por sua capacidade de criar instalações com uma mistura de peças históricas e contemporâneas. Tem sido muito educativo no sentido de que eu aprendo sobre nuances do design italiano. É sempre incrível vê-la falar sobre um designer ou artista.

Por fim, é impossível não perguntar sobre o modo como você se veste, tão conectado com o que desenha…

Quando eu era mais jovem, talvez fosse ainda mais sensível sobre o uso de cores e estampas porque estava tentando entender a diferença entre gostar de algo como uma preferência pessoal ou para um design. A confiança de perceber que isso não importava tanto veio depois, com o empurrão de tutores como o designer Martino Gamper, que me encorajou a incluir a minha obsessão por várias cores e padrões no meu trabalho. Então acho que, a partir desse ponto, cedi ao fato de que as pessoas conectam meu trabalho e minha aparência e parei de lutar contra isso. Me dei conta de que comecei a me vestir ou combinar tonalidades específicas para depois alimentá-las na criação. Então experimentar no meu corpo é uma maneira de digeri-las para entender como trabalhar com elas.

Você comprou muitos quimonos quando esteve no Japão?

Sim! Muitos, muitos quimonos… No Japão e na Inglaterra também. Eu uso bastante. Acho que nem quero contar quantos tenho, pois é um número provavelmente maior do que eu gostaria de admitir.

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