Meu mundo e nada mais ?

Sobre comunidades, coincidência e Sonic Youth.





Sexta-feira de pensar na vida. Nas próximas semanas não estranhem se eu ficar puxando umas músicas. Continuo trancada, e é assim, ouvindo outras vozes o dia todo, que amplio os espaços. Ouvindo música e pensando, usando o repeat.

Não acredito em quem sempre escuta as músicas em sequência, sem nunca voltar, repetir. Por que a pressa bem nessa hora, na hora de deixar rolar?

A gente tem deixado passar cada absurdo, aceitamos olhar para a cara de um criminoso dos piores e falar em 2022. Isso me consome. Aqui sim cabe pressa, muita, cabe urgência na verdade. Não acredito nesses lances de ai a História vai mostrar o lugar de Fulano criminoso. Corta essa. Até hoje tem neonazi dando as caras, até hoje um mesmo poder de várias caras decide quem morre mais ou primeiro. Não contem com a história se vocês não estiverem envolvidos em descobrir o que fazer com o que ela fez de vocês, de nós. Quando você diz nós, em quem pensa?

A gente tem nossos mundinhos. Às vezes de dois, de cem, de mil, de mais. De repente voltou a aparecer na minha vida a palavra comunidade. Foi a melhor coisa que me aconteceu em tempos. Lembrar disso que não acaba apesar da distância. Cuidar e trabalhar pra manter isso ali na cabeça, nas coisas de fazer todo dia, parte da vida. Um professor disse: comunidade é nosso lugar de estar no mundo, um jeito de estar, algo assim nesse sentido.

E isso diz muita coisa. Que na comunidade estabeleço conexões em encontros que me obrigam a sair de mim, das minhas coisas, certezas, vontades, e encontrar o outro no meio do caminho.

Eu não viro o outro, o outro não vira meu duplo, a gente não segue ordens supremas nem se entrega a uma massa esquecendo de quem a gente é, das nossas coisas boas, ruins, das nossas contradições, a gente não fica nem inteiro completinho nem diluído em gelatina. A gente constrói o terreno comum e no terreno comum que vai se formando conforme construímos, inclusive no ar, nas palavras, na imaginação. Outros tempos.

Tinha aquela do Arnaldo Antunes: “eu fico louco, eu fico fora de si”. Tem horas que só uma certa loucura movimenta as coisas, essa que muitas vezes não passa da sanidade nervosa de não se conformar com a realidade, não se encaixar de jeito nenhum. Exatamente porque se encaixar e se acomodar em certos casos seria compactuar com o que há de pior em termos de mundo.

Estamos vivendo o inaceitável. E isso me faz sentir que tudo o que é bonito e vale a pena está sendo brutalmente atacado. Não é de hoje nem do ano passado, mas piorou de um jeito extremamente violento.

Na minha playlist de hoje tem pouca coisa nova. Mas tô ouvindo várias coisas de outro jeito. Uma amiga que também já tá nos 40 me disse, “ai às vezes a gente fica só ouvindo música da nossa época”. Era Sonic Youth, uns indie anos 90. Rachamos o bico.

De agora agorinha gosto de muita coisa. Tipo a Jup do Bairro, que é sofisticada demais pra esse momento e, por isso mesmo, essencial.

Mas tenho escutado as coisas de quando eu tinha 17, 20 e poucos anos. Não quero voltar, tô bem. A memória carrega umas coisas que tempos atrás eu soube que existiam pela primeira vez, ideias muito importantes, fatos, sensações.

Só que tem coisas de diferentes décadas que pra mim são de agora. Porque agora eu comecei a gostar ou de repente uma letra fez sentido, uma situação deixou marca. Outros tempos, outros encontros, novas possibilidades e perspectivas.

Aquele negócio de ninguém solta a mão de ninguém deu bem errado como era de se esperar. É mais tipo vamos dançar na mesma pista, vamo andar naquele rumo, junto e separado.

Palavras de ordem deveriam ser não as que mandam fazer coisas, as que determinam, mas as que ajudam a organizar o mundo em comunidade e para cada sujeito, uma coisa não precisando coincidir com a outra, inclusive não podendo coincidir.

Não entregue os pontos. Os seus, os dos outros.

Menos coincidência, mais encontro.

Um beijo,
V.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes