Onda de produções históricas traz mais diversidade à ficção

Séries como Bridgerton e The Great lançam um olhar plural sobre o passado e dão protagonismo às mulheres.


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Desde a estreia de Bridgerton no fim de dezembro, não deu para ficar indiferente à série. A produção da Netflix, uma adaptação do romance O Duque e eu (2000), primeiro volume da saga de nove livros da escritora Julia Quinn, foi assistida em mais de 60 milhões de lares, segundo a plataforma. O fenômeno se estendeu à Amazon americana: há seis obras de Quinn na lista dos dez romances mais vendidos. Já a busca no Spotify pelo grupo Vitamin String Quartet, que assina releituras em violino de hits de Billie Eilish e Taylor Swift da trilha da série, ambientada durante a Regência Britânica (1811-1820), cresceu 170% no mundo todo.

Entre os acertos da produção compartilhados pelo público estão a narrativa feminista e o casting que conta com atores negros. A história gira em torno de Daphne (Phoebe Dynevor), a filha mais velha da família Bridgerton, e o Duque de Hastings (Regé-Jean Page, já cotado para ser o próximo 007), que fingem um romance – ele, para fugir das mães que insistem em apresentar suas filhas; ela, para atrair melhores pretendentes – mas, claro, acabam se envolvendo. Daphne e o Duque formam um casal inter-racial, sem que isso seja uma questão na história. A trama se passa na corte da Rainha Charlotte (1744-1818) – apontada por historiadores como a primeira afrodescendente da coroa britânica –, em que negros também pertencem à nobreza, diferentemente da esmagadora maioria de produções históricas.

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Adjoa Andoh como Lady Danbury, em cena de Bridgerton.Foto: Liam Daniel/Netflix

Não à toa, a série foi criada por Chris Van Dusen, da Shondaland, produtora de Shonda Rhimes, conhecida pelo casting multirracial de séries como Grey’s anatomy e Como se livrar de um assassinato. “A Rainha Charlotte nos abriu um mundo novo e nos deu um lado completamente diferente do palácio para explorar”, explica Van Dusen à ELLE americana. “Estou orgulhoso por termos sido capazes de refletir raça em nosso mundo e de uma forma que faça sentido. Nosso objetivo é garantir que o público se identifique e se veja na tela, não importa quem você seja”, completa.

“À sua maneira, Bridgerton acaba tratando de machismo, feminismo e de outras questões importantes”, opina Liv Brandão, jornalista especializada em cultura e editora de Splash, a editoria de entretenimento do UOL. “Acho que as demandas dessa geração mais consciente e conectada vão tornar esse tipo de ‘manobra’ muito mais atraente para a indústria, que está se arriscando mais fora dos padrões que ela mesma ajudou a criar e sacramentar”, diz Liv.

Antes de Bridgerton, a Shondaland já havia desenvolvido uma série de época com elenco multirracial, Still-Star Crossed (2017), baseada em livro homônimo que se passa após a morte de Romeu e Julieta, mas durou apenas uma temporada. Já o premiado musical da Broadway Hamilton (2015), disponível no Brasil pela Disney+, fez um sucesso estrondoso ao recontar a história da fundação dos Estados Unidos em versos de rap e com um elenco multirracial. Recentemente, tanto a série Spanish princess (2019-2020), sobre a princesa espanhola Catarina de Aragão (1485-1536), disponível no Brasil pela Starzplay, quanto Sanditon (2019), baseado em livro de Jane Austen e também ambientada na Regência Britânica, contam com atores negros em seu casting.

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Elenco de Spanish princess.Foto: Reprodução

Elenco de Spanish Princess

Ficção é ficção

Em 2014, ao ser questionado sobre a homogeneidade do elenco de Downton Abbey (2010-2015), o produtor-executivo da série, Gareth Neame, defendeu que aquele não era um ambiente multicultural. A produção, que ganhou até sequência no cinema, retrata a aristocracia britânica do início do século passado. Mas como aponta Luíza Fazio, roteirista de séries como Samantha! (2018) e Sintonia (2019), ambas da Netflix, obras de ficção possuem funcionamentos próprios, o que permitiria esse tipo de inovação: “Quando você escreve uma série, os roteiristas têm que pensar sobre as regras que se aplicam a esse universo. Então, quando a gente assiste a uma ficção, assinamos um contrato mental – ‘pode me enganar agora'”.

Para Luíza, em um exemplo recente, a série Outlander (2014-), inspirada nos romances da autora americana Diana Gabaldon e disponível na Netflix, falha no quesito representatividade. Com a sexta temporada confirmada para 2021, a produção trata sobre a viagem no tempo, de 1945 para 1743, de uma enfermeira. “Muita gente pode defender que naquela época não havia pessoas negras na Inglaterra, mas, então, existia viagem no tempo?”, questiona a roteirista.

Elle Fanning (Catarina, A Grande) e Nicholas Hoult (Pedro III) em cena de The Great

Elle Fanning (Catarina, A Grande) e Nicholas Hoult (Pedro III) em cena de The GreatFoto: Reprodução

Já uma nova versão cinematográfica de Emma (2020), baseada no livro homônimo de Jane Austen, com Anya Taylor-Joy (O gambito da rainha) no papel da personagem que dá nome ao título, e a série The Great (2020-), em que Elle Fanning vive Catarina, a Grande (1729-1796), imperatriz da Rússia, disponível no Starzplay, dão protagonismo às mulheres. A primeira temporada da comédia dramática, baseada em fatos históricos, gira em torno do golpe organizado por Catarina e seus apoiadores para assassinar Rei Pedro III. “Não aguentamos mais a série de época em que o foco são mulheres que não falam, em sociedades supermachistas ou racistas”, pontua Luíza. Se depender de Bridgerton e os oito livros de Quinn disponíveis para adaptação, há ainda muita história para contar – e com uma outra perspectiva.

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