Como seu voto pode ser usado para impulsionar a sustentabilidade na moda?
Para combater os inúmeros impactos negativos da indústria da moda no Brasil, é preciso eleger e apoiar parlamentares comprometidos com uma agenda socioambiental para o setor.
Moda e política têm muito em comum. Por meio do poder judiciário, executivo e legislativo, é possível combater violações que tangem a indústria, como casos de trabalho análogo ao escravo, preservar e regenerar o meio ambiente e amparar as trabalhadoras do setor, garantindo seus direitos fundamentais.
Regionalmente, existem medidas direcionadas de acordo com o pólo produtivo de cada cidade ou estado, mas no Congresso Nacional o cenário é mais heterogêneo. O Brasil tem um histórico – breve, considerando a jovem idade de nossa democracia – de políticas nacionais voltadas para a moda. Em 2010, durante o governo Lula, foi criado o Colegiado Setorial de Moda, entidade vinculada ao Conselho Nacional de Política Cultural do então Ministério da Cultura. Sua função era debater, acompanhar e definir diretrizes e estratégias para o setor da moda brasileira. Contudo, ele foi descontinuado com a extinção temporária do MinC, durante o governo Temer.
Nas urnas, Eloisa Artuso, a diretora executiva do Instituto Febre, vê a possibilidade de impulsionar um país e uma moda que esteja apta a enfrentar as inúmeras crises que estamos vivendo. Segundo ela, é preciso levar em conta as agendas dos candidatos, não só dos cargos executivos (presidência e governo estadual), mas do legislativo (deputados e senadores), “para que uma vez eleitos, eles possam implementar políticas socioambientais comprometidas com nosso futuro”, além de restabelecer os organismos de defesa dos direitos humanos e meio ambiente que foram desmontados nos últimos anos, como o Ibama e o ICMBio.
Ela analisa que mesmo a moda sendo responsável por muitos impactos ambientais e sociais, ainda não existe, de forma organizada, um movimento do setor para incidência política ou advocacy, que “pressione o poder público para criar regulamentações e uma agenda que favoreça as pessoas que compõem a indústria”.
A diretora aponta algumas medidas que podem ser promissoras, como regulamentar as práticas de compra das grandes marcas e suas relações comerciais com fornecedores, restabelecer um salário mínimo compatível com a realidade material do país, exigir mais transparência e prestação de contas das companhias do setor e prover incentivos fiscais para diferenciar empresas que têm práticas mais responsáveis de outras negligentes.
De forma semelhante, Yamê Reis, mestre em sociologia política, coordenadora de design de moda do IED-Rio e fundadora do Rio Ethical Fashion, defende que “sem políticas públicas, nosso setor não vai avançar em medidas que são urgentes para sua regulação. Não podemos esperar que as empresas tenham práticas sustentáveis. Se não tivermos políticas que exijam isso, não irá acontecer”. Ela ainda destaca a importância de “políticas que sustentem pequenos produtores, que são a maioria da indústria da moda, mas que não têm nenhum suporte de qualificação e manutenção”.
Vale ressaltar que “nosso papel como eleitores não acaba nas eleições. Como cidadãos, temos o dever de acompanhar e cobrar os mandatos, programas e atividades do legislativo e executivo”, continua Eloisa.
Para evidenciar a relação da moda com a política, listamos os principais gargalos do setor no Brasil que merecem atenção na agenda dos seus candidatos e/ou candidatas.
Resíduos têxteis
Imagens das montanhas de roupas e tecidos ocupando o deserto de Atacama, no Chile, podem chocar. Mas basta dar uma volta pelo centro da cidade de São Paulo, entre os bairros do Brás e Bom Retiro, para ver essa realidade de perto. Diariamente, partem dessa região 16 caminhões lixo têxtil, o equivalente a 45 toneladas, destinados aos aterros sanitários, conforme dados do relatório Fios da Moda.
Lidar com os resíduos, têxteis ou não, é um desafio em qualquer cidade, estado e nação. Uma das formas do Brasil lidar com o problema é por meio da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que configura a Lei n°12.305/2010. Ela “prioriza a gestão compartilhada e o gerenciamento de resíduos sólidos em uma ordem de prioridade que consiste em: não gerar; reduzir; reutilizar; reciclar; tratar e dispor adequadamente”.
Ou seja, a PNRS assume que o manejo dos resíduos sólidos deve ser feita de forma compartilhada entre empresas, setor público e cidadãos, o que requer o esforço público municipal para ser efetivado. O problema é que não existe uma diretriz específica para o têxtil e vestuário na lei, já que o manejo de fios e tecidos exige recursos específicos. Daí a importância de se projetar um recorte na política que abarque a peculiaridade da moda.
Agenda trabalhista e direitos das mulheres
As mulheres são 60% da indústria da moda no Brasil, que é majoritariamente informal e composta de pequenos produtores. Com a reforma trabalhista de 2017, flexibilizações tornaram-se mais comuns e a perda de direitos trabalhistas básicos abriram ainda mais espaço para jornadas exaustivas, sem segurança ou férias, com salários baixíssimos.
A flexibilização e fragmentação da indústria da moda faz com que casos de trabalho análogo à escravidão sejam recorrentes. Se em âmbito nacional a maioria dos trabalhadores resgatados dessa condição são homens, quando analisado apenas o setor têxtil e do vestuário, as mulheres aparecem como metade do número.
Um exemplo de política pública regional é a Lei Bezerra, criada em 2013 a partir do projeto do deputado estadual Carlos Bezerra Jr (PSDB-SP). Seu texto diz que empresas paulistas flagradas utilizando trabalho análogo à escravidão em seu processo produtivo perdem suas inscrições no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e podem ser fechadas e impedidas de realizar qualquer transação formal.
Nacionalmente, existe desde 2003 a Lista Suja, um cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas a de escravo. Publicada semestralmente pelo governo federal, ela foi criada pelo extinto Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pode servir de base para analisar quais empresas de vestuário já foram flagrados cometendo o crime.
Desmatamento e Amazônia
Não é segredo que o desmatamento na Amazônia Legal cresce década após década. Ao olhar para a indústria joalheira encontramos algumas pistas da relação desse crime com a moda. Isso porque existe pouquíssima rastreabilidade e insuficiente fiscalização na extração, distribuição e comércio dos minérios no país. Muitas joias expostas em vitrines podem ser originárias do garimpo ilegal, algo que deixa sequelas irreversíveis no bioma brasileiro.
Além disso, o desmatamento pode aparecer no setor por meio da produção de algodão e viscose. O Cerrado é a região com a maior concentração de cotonicultura do Brasil, mas nos últimos dez anos perdeu cerca de 50 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa, conforme o Fios da Moda, para o agronegócio. Outro elo fica exposto na produção e distribuição do couro, que por meio de um relatório internacional ligou dezenas de marcas globais à prática.
Mesmo com tanto impacto, poucas empresas parecem estar comprometidas com a preservação ambiental. Basta olhar para o Índice de Transparência da Moda Brasil 2021, que aponta que nenhuma grande etiqueta, dentre as 50 analisadas, divulga um compromisso mensurável e com prazo determinado para o desmatamento zero.
A nível nacional, existem alguns projetos de lei, além da própria Constituição Federal, que prevêem a proteção de Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UCs) e atuam contra o desmatamento. Um exemplo de iniciativa em andamento com implicação direta na joalheria é o sistema de rastreabilidade do ouro, proposto e elaborado pelo Instituto Escolhas. Ela pode ajudar a indústria a melhorar suas práticas, monitorar de onde vem sua matéria-prima mineral e ainda pressionar marcas para melhorarem suas políticas de compliance.
Outra medida importante tange a agricultura regenerativa e orgânica. Yamê explica que existem alguns programas que favorecem a agricultura familiar como, o PRONAF, dedicado ao financiamento para pequenos agricultores, mas que são “de pequeno alcance face à força do agronegócio, que tem a maior bancada de parlamentares no Congresso e, por isso, aprova leis que claramente reforçam sua hegemonia no campo e na economia brasileira”.
Além disso, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), criada em 2012, foi amplamente desmontada na atual legislatura, que também concentra uma bancada empenhada em aprovar projetos de lei como o Pacote do Veneno (PL 6299/2002), que busca flexibilizar e expandir o uso de agrotóxicos. O Brasil é um dos maiores produtores de algodão do mundo, mas a fibra orgânica ainda é minoria. Impulsionar uma cotonicultura agroecológica, que regenera o solo durante seu manejo, pode ser possível com um pleito comprometido e responsável nas cadeiras do parlamento.
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