Dupla veterana da cena clubber, Underworld fala à ELLE antes de shows no Brasil
Uma das principais atrações do C6 Fest, duo se apresenta no Rio e em São Paulo, depois de passar pelo Coachella.
“Tem uma energia linda aqui hoje”, disse Karl Hyde, do Underworld, no palco do Coachella, no mês passado. O vocalista e compositor de 65 anos, ao lado de seu parceiro de banda Rick Smith, 63, seguia para a parte final do show que arrebatou a plateia do festival estadunidense, em que o público não costuma ter mais de 30 anos.
“Quero dar as boas-vindas a um amigo nosso”, anunciou Hyde. Ele chamou ao palco o rapper sueco Yung Lean, 26, enquanto os primeiros acordes do sucesso “Born slippy” reverberam pela tenda. Lean, responsável pelo hit viral “Ginseng strip 2002”, entrou em cena rodando e girando os braços, feito os dervixes (os monges muçulmanos da Turquia).
Karl Hyde e Rick Smith Foto: Rob Baker Ashton
Nas redes sociais, houve quem chamasse a participação de Lean de aleatória. Afinal, o que um expoente do cloud rap, subgênero do hip hop dos anos 2010, estava fazendo no show dos veteranos da década de 1990? Mas dizer isso é desconhecer o fato de que o Underworld segue completamente sintonizado com a música do presente.
“Sempre mantivemos a cabeça e a escuta abertas”, explicou Hyde à ELLE, em entrevista por vídeo de São Francisco (EUA), quando perguntado sobre os motivos do grupo seguir ressoando com públicos mais jovens. “(O segredo da longevidade) é não pensar que a gente sabe tudo, que tudo está sob controle. Isso é muito importante. É saber dizer: ‘Também falhamos’. É preciso manter a mente aberta, ouvir o que está à sua volta.”
O Underworld é um dos expoentes da cultura clubber e raver da década de 1990. Depois de singles e álbuns aclamados pela crítica e pelo underground, tiveram um sucesso maior com o single “Born slippy”, de 1996, parte da trilha do cultuado filme Trainspotting, dirigido por Danny Boyle e baseado no livro do escritor escocês Irvine Welsh.
A dupla faz shows nesta semana no Brasil, onde é um dos destaques do C6 Fest, se apresentando no Rio de Janeiro, na próxima quinta-feira (18.05), e em São Paulo, no próximo sábado (20.05). Além de clássicos do repertório clubber, como “Rez” e “Two months off”, existe a possibilidade dos shows incluírem músicas novas, como o single “And the colour red” (acima), deste ano. É a primeira vez que a dupla inglesa se apresenta no país em 17 anos. Confira a seguir os principais trechos da conversa com a ELLE:
“É preciso manter a mente aberta, ouvir o que está à sua volta.” Karl Hyde
LIGADOS NOS NOVINHOS
Os dois membros do Underworld fazem questão de dizer como tem prestado atenção em música nova. Para Smith, o processo é visto como uma obrigação de trabalho. “Coloco isso na agenda todo dia e me forço a fazer isso”, afirmou. “Durante um tempo nos anos 1990, estava trabalhando tanto em música que a última coisa que eu queria fazer era sair para ouvir mais música. Mas isso mudou. Percebi que estava perdendo muita coisa boa que estava sendo lançada, coisas novas, frescas e excitantes.” Além de Yung Lean, ele e Hyde citam os DJs e produtores Ketama (irlandês), Mail Grab (australiano) e Peggy Gou (coreana). “Diariamente, fico de queixo caído com as coisas que saem”, pontuou Smith. Questionados sobre sua disposição em ouvir as novidades da música eletrônica in loco, ou seja, nas pistas, Smith e Hyde rejeitam a ideia de imediato. “Ir a clubes é algo que não fazemos há muito tempo. Você precisa tomar rumo na vida, acordar cedo de manhã e fazer suas coisas”, sentencia Hyde.
LONGEVIDADE
Ao lado de seus contemporâneos Chemical Brothers, que também seguem tocando para grandes e animadas audiências, o Underworld prova que a “geração química” dos loucos anos 1990 está muito viva e bombando. Segundo eles, há uma preocupação em ajustar detalhes do seu repertório clássico para os ouvidos de hoje, mas sempre “seguindo o que sentimos aqui dentro”, disse Smith, batendo no peito. Sobre o motivo deles seguirem relevantes, o músico contou: “Não sabemos responder isso. Estamos juntos há 42 anos (antes do Underworld, nos anos 1980, Hyde e Smith tinham a banda Freur) e eu realmente não sei por quê. Não é que esse tempo todo estivemos nos abraçando ou nos amando, mas estamos aqui até hoje. Me sinto muito abençoado. Minha esposa fez toda a diferença para mim ao me dizer em 1990: ‘Comece a seguir seu coração’. Ele dizia para fazer dance music e foi isso que eu fiz.”
MATERIAL NOVO
Além do single “And the colour red”, lançado em abril, o Underworld tem tocado outras três músicas novas em suas apresentações este ano (“Gene pool”, “Strawberry hotel” e “Denver luna”). A banda não sabe dizer o que será incluído nos shows brasileiros porque muitas vezes decide o repertório “na hora que estamos entrando no palco”. Também não responde se há um álbum novo a caminho. Será o primeiro desde Barbara barbara, we face a shining future (2016), o nono de uma discografia que inclui clássicos como Dubnobasswithmyheadman (1994) e Second toughest in the infants (1996). A dupla afirma que tem “centenas” de músicas na gaveta. “Muitas são apenas rascunhos, outras trabalhamos em cima por uma, duas semanas, e depois abandonamos. Voltamos a ouvir alguns anos depois e aí concluímos. Com ‘And the colour red’ foi assim”, disse Hyde.
Rob Baker Ashton
OS NOMES SEM SENTIDO
A música nova seria bem vista pela ala da esquerda no Brasil? Hyde cortou dizendo que “essa música não é política em nenhum sentido”. Smith lembra que a cor vermelha é ligada à esquerda no Reino Unido, mas nos EUA ela é a cor do Partido Republicano. O que quer dizer o título da faixa, afinal? “Bom ponto, qual é a ideia por trás dela?”, sorriu Hyde. Ele diz que é incomum o grupo colocar como título de suas músicas palavras ou frases que estejam contidas na letra, mas este foi o caso da faixa nova. “Nossos títulos são tirados do ar, não querem dizer nada. Born slippy era o nome de um cachorro de corrida. As músicas ganham nome antes de serem finalizadas porque salvamos o arquivo no computador. Então, são coisas brincalhonas. E, às vezes, elas fazem algum tipo de sentido estranho, torto e zoado. Pode dizer algo para o Rick e algo para você. Gostamos dessa dualidade”, completou.
“Estamos juntos há 42 anos e eu realmente não sei por quê. Não é que esse tempo todo estivemos nos abraçando ou nos amando, mas estamos aqui até hoje.” Rick Smith
O LEGADO DA RAVE
Para além da longevidade da dupla, toda a cultura eletrônica que despontou 30 anos atrás se provou muito duradoura, se transformando em uma milionária indústria global e se renovando como plataforma de acolhimento e empoderamento de minorias. Smith e Hyde lembram do papel libertador que clubes e raves tiveram nos jovens britânicos: “(Essa cultura) chegou no Reino Unido em um tempo de repressão política (com os governos conservadores de Margaret Thatcher e John Major). Foi uma maneira de expressar algo diferente do que havia antes, de permitir que as pessoas tomassem suas próprias decisões”. Smith considera também que a música eletrônica funciona, ontem e hoje, como uma válvula de escape para as pressões do dia a dia. Esteticamente, os dois aprovam releituras atuais dos sons daqueles tempos. “A música dos 1990 tem inspirado muitos artistas incríveis de hoje em dia. Eles pegam coisas do passado e transformam em algo próprio”, completou.
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