Os destaques da Bienal de Arquitetura de Veneza

Populações indígenas, o impacto do plástico no planeta, cogumelos: os curadores da edição 2023 da Bienal de Veneza escolheram diferentes abordagem para lançar um novo olhar sobre a arquitetura. Venha dar um giro pelos pavilhões desse evento mundial.


Bienal de arquitetura de veneza: pavilhão frança
Palco hemisférico no Pavilhão da França. Foto: Matteo de Mayda / Bienal de Veneza



A 18 ª Bienal de Arquitetura de Veneza, o evento mais importante do setor, segue até novembro sob o tema “Laboratório do futuro”, proposto pela curadora, arquiteta e escritora anglo-ganense Lesley Lokko. Conheça os dez pavilhões que apresentam as propostas mais interessantes – e ousadas!

Brasil – Terra

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O pavilhão premiado: narrativas indígenas e afro-brasileiras no centro. Foto: Matteo de Mayda / Bienal de Veneza

Este ano, o país ganhou o Leão de Ouro como melhor pavilhão nacional pela primeira vez na história da Bienal por apresentar “uma exposição de pesquisa e intervenção arquitetônica que leva ao centro as filosofias e imaginários de populações indígenas e negras no sentido de propor modos de reparação”, elogiou o júri. Os curadores, Gabriela de Matos e Paulo Tavares, arquitetos e pesquisadores reconhecidos pela abordagem transversal em estudos de raça, gênero, pedagogia e culturas visuais, focaram no tema Terra com o objetivo de dar “visibilidade a pesquisas e práticas que podem contribuir para a elaboração coletiva de nosso futuro”, explica José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo. A proposta é repensar representações da identidade nacional idealizadas e racializadas, colocando ao centro práticas, filosofias e narrativas das populações indígenas e afro-brasileiras, tantas vezes esquecidas pelos cânones arquitetônicos, apesar de formar grande parte da cultura nacional.

Suíça – Vizinhos

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Suíça e Venezuela: tão longe, tão perto. Foto: Matteo de Mayda / Bienal de Veneza

Os suíços fizeram uma reflexão sobre o tema da vizinhança. A mostra Neighbours explora a proximidade entre os pavilhões suíço e venezuelano, além do vínculo de amizade entre os arquitetos Bruno Giacometti (1907-2012) e Carlo Scarpa (1906-1978), criadores das duas obras. O pavilhão suíço projetado por Giacometti abriu as portas em 1952 e foi seguido, quatro anos mais tarde, pelo venezuelano, assinado por Scarpa. Os dois foram desenvolvidos em torno de antigos plátanos. Suas paredes, telhados e espaços externos se encontram, criando uma relação de vizinhança. Desenvolvido pela artista Karin Sander e pelo professor de história da arte e arquitetura Philip Ursprung, colegas na ETH de Zurique, o projeto curatorial destaca a continuidade espacial entre os dois edifícios ao derrubar paredes e grades. No enorme tapete branco que domina a sala expositiva, aparece a planta baixa do projeto. A própria arquitetura, seus materiais e relações espaciais se tornam objetos de exposição.

Estados Unidos – Plástico eterno

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Pavilhão dos EUA: o que fazer com tanto plástico? Foto: Matteo de Mayda / Bienal de Veneza

Curado por Tizziana Baldenebro e Lauren Leving, juntamente com a galeria Spaces, de Cleveland, o projeto reúne cinco artistas e designers para observar o impacto do plástico em nossas vidas. Sob o título Everlasting Plastics, a mostra convida a uma discussão sobre as formas como os plásticos moldam e ao mesmo tempo erodem as ecologias contemporâneas, as economias e o ambiente construído, sugerindo possíveis alternativas para a utilização do material. “À medida que a crise climática se torna uma realidade tangível, nossos objetos diários devem ser agentes de mudança. A exposição reúne uma série de práticas artísticas, que examinam, salvam e acabam com uma calamidade global”, explica Baldenebro. Material único, duradouro e moldável em formas infinitas, o plástico está profundamente enraizado na cultura dos Estados Unidos, onde os polímeros foram aperfeiçoados e exportados. “Nossa relação tóxica com o material agora é um fenômeno global, exigindo novas abordagens para lidar com uma dependência generalizada”, conclui Leving.

Japão – Amor à arquitetura

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Japão: a arquitetura estuda a arquitetura. Foto: Matteo de Mayda / Bienal de Veneza

Os curadores Maki Onishi e Yuki Hyakuda, diretores do escritório de arquitetura o+h, propõem uma reflexão sobre o próprio pavilhão japonês, obra-prima do arquiteto Takamasa Yoshizaka, em uma exposição intitulada Architecture, a place to be loved. Yoshizaka, que estudou com Wajiro Kon e Le Corbusier, esteve ativo desde o período de reconstrução do pós-guerra até 1980. O primeiro pavilhão do país foi concluído em 1956 e serviu de base para revelar sua arte e sua arquitetura ao mundo. Na exposição, além de maquetes, luminárias, livros reeditados e animações, há uma área de descanso em forma de bar, onde as pessoas podem se encontrar. Segundo Yoshizaka, “criar algo envolve dar-lhe vida”. Os curadores usaram essa frase como ponto de partida, pensando a arquitetura como uma “criatura viva”. “Um lugar para ser amado torna-se possível quando a arquitetura inclui memórias e histórias gravadas, quando incorpora o cenário por trás e as atividades que ocorreram dentro e ao seu redor. Isso permite que a arquitetura assuma um significado mais amplo” explica Onishi.

Alemanha – Aberto para Manutenção

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Sobras de exposições passadas e reflexões sobre sustentabilidade. Foto: Matteo de Mayda / Bienal de Veneza

A contribuição alemã para a Bienal de Arquitetura transforma seu monumental pavilhão em um lugar vivo, de produção. O projeto, inspirado no movimento Instandbesetzung (ocupação e manutenção), que tomou conta de Berlim na década de 1980, toma o pavilhão como ele foi deixado pela artista Maria Eichhorn que, na Bienal de Arte de 2022, revelou os vestígios da utilização do prédio pelos nazistas, em 1938. Na sala principal, estão armazenadas sobras de material de mais de 40 exposições passadas, que serão reaproveitadas em oficinas com estudantes. Com curadoria de Arch+, Summacumfemmer e Büro Juliane Greb, e desenvolvido em colaboração com uma rede de grupos ativistas venezianos e alemães, Open for Manteinance reflete sobre o passado para apontar possíveis ações da arquitetura para tornar as cidades mais inclusivas e sustentáveis.

Bélgica – In vivo

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Painéis de micélio: alternativas para a construção. Foto: Matteo de Mayda / Bienal de Veneza

O pavilhão belga explora novas relações entre a arquitetura e recursos naturais cada vez mais limitados. Os arquitetos Bento e Vinciane Despret, também filósofa e professora de psicologia, questionam nosso sistema de produção extrativista, identificando alternativas construtivas que utilizam materiais vindos de organismos vivos. Uma grande instalação com painéis de micélio (conjunto de fungos multicelulares) e terra crua explora a utilização de materiais orgânicos em grande escala. Segundo a curadoria, o projeto é um “ponto de partida para pensar, registrar, afirmar, confirmar, revogar, planejar e, sobretudo, sonhar”. Os cogumelos vão nos salvar? Como Anne Tsing sugere em seu livro Mushroom at the End of the World, “colher cogumelos não vai nos salvar, mas pode abrir nossa imaginação”.

França – Ball Theatre

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Perucas para o público: lugar de expressão e inclusão. Foto: Matteo de Mayda / Bienal de Veneza

Em resposta ao tema Laboratório do futuro, o pavilhão francês criou um palco hemisférico revestido de alumínio, que pretende oferecer aos visitantes um espaço para imaginar um futuro mais utópico. “O teatro é um laboratório. Você pode fazer nele o que quiser: colocar um chapéu, se maquiar, ser outra pessoa. É um lugar de expressão e inclusão”, explica o arquiteto Muoto Yves Moreau, autor do projeto em parceria com os cenógrafos Georgi Stanishev e Clémence La Sagna, o curador Jos Auzende e a programadora Anna Tardive. Pensado para receber uma programação de apresentações ao longo da Bienal, o Ball Theatre foi projetado como um espaço inclusivo, onde as pessoas podem se expressar livremente. A aura de festa sugere uma nova abordagem para as crises atuais, onde a ênfase não está mais na emergência, mas na possibilidade de imaginar algo diferente, segundo a curadoria. Adaptável e transportável, o pavilhão também apresenta instalações feitas com objetos encontrados e reciclados, expressão do desejo dos curadores de reconstruir um futuro com o que resta do passado.

Países nórdicos – Biblioteca sobre esquis

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Biblioteca coletiva: sabedoria dos Sámi. Foto: Matteo de Mayda / Bienal de Veneza

Durante 15 anos, o arquiteto e pesquisador Joar Nango recolheu material sobre a arquitetura e o design dos Sámi, povos indígenas que vivem na região tradicional de Sápmi, localizada na parte setentrional de Noruega, Suécia, Finlândia e Península de Cola, Rússia. Ao ultrapassar a marca de 500 livros, ele decidiu compartilhar o conhecimento com o mundo. O resultado do processo é a mostra Girjegumpi, uma biblioteca coletiva nômade que Nango apresenta em Veneza. O nome reúne duas palavras Sámi. A primeira, girji, significa livro. A segunda, gumpi, refere-se ao tipo de edifício que serviu de modelo para a biblioteca. “Construí este pequeno barracão móvel, que se chama gumpi, um tipo de arquitetura informal muito comum”, explica Nango. “Depois o coloquei em esquis, para poder puxá-lo com um snowmobile”. Tudo a ver com a cultura dessa comunidade. Acostumados a lidar com mudanças drásticas no clima, os Sámi usam métodos ancestrais de construção com técnicas adaptáveis, valorizam o trabalho colaborativo e usam os recursos naturais de forma respeitosa. O pavilhão toca em temas ligados ao ativismo e à descolonização e inclui obras de arte, vídeos, ferramentas e materiais reciclados.

Santa Sé – Encontro no jardim

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Um jardim para refletir. Foto: Bienal de Veneza

A segunda participação da Santa Sé na Bienal de Veneza foi inspirada nos ensinamentos sobre o homem e o meio ambiente extraídos da encíclica Laudato si, do Papa Francisco (2015). O pavilhão propõe “ações modestas: lançar processos, apresentar fatos concretos, como cultivar uma horta, reaproveitar materiais, criar um espaço para conversas. Em resumo, um lugar de pausa, de silêncio, onde seja possível refletir sobre como recomeçar”, explica Mirko Zardini, chefe do projeto. Apresentado no jardim de um mosteiro beneditino na ilha de San Giorgio Maggiore, o pavilhão convida os visitantes a “cuidar do planeta como cuidamos de nós mesmos e a celebrar a cultura do encontro”.

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Esculturas de Álvaro Siza. Foto: Bienal de Veneza

Na primeira parte da exposição, há uma sequência de esculturas em madeira maciça assinadas pelo arquiteto português Álvaro Siza (Prêmio Pritzker de 1992). As figuras monolíticas dialogam com o espaço, entre si e com o visitante e o conduzem até o jardim da abadia. Aqui, o projeto multidisciplinar do coletivo italiano Studio Albori mistura arquitetura com processos participativos e ecológicos. Além de organizar o jardim, integrando outros vegetais, ervas e flores comestíveis, o grupo construiu pequenos espaços de contemplação usando madeiras de reaproveitamento: um quiosque, um guarda-sol com bancos, um depósito de sementes com pérgola e uma estufa.

República Tcheca – Escritório para o futuro 

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Vida de arquiteto: conforto, só nos projetos. Foto: Andrea Avezzù / Bienal de Veneza

Em meio a tanta proliferação de ideias, inspirações e questões teóricas abertas, a National Gallery de Praga foca em concretude e coloca uma pergunta tão desconfortável quanto necessária: como os arquitetos podem projetar um mundo melhor se eles próprios trabalham em condições inadequadas?
O projeto se refere à pesquisa de Eliška Pomyjová e da socióloga Terezia Lokšová que, em 2020, investigaram as condições de trabalho de arquitetos entre 22 e 35 anos na República Tcheca. O levantamento revelou problemas como salários inadequados, estágios não remunerados, ambientes de trabalho tóxicos e não reconhecimento de direitos. “Condições de trabalho precárias e exploração são centrais para a disciplina de arquitetura. O projeto pretende contribuir para uma arquitetura mais justa e mais igualitária”, declarou o júri da National Gallery de Praga. “É difícil pensar que a situação retratada pelo relatório tenha mudado desde 2020. Por isso, é urgente trazê-lo à tona e oferecer um sinal de contra-tendência”, explica a curadora Karolína Plášková.

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