Figurinista de “A idade dourada” fala à ELLE sobre segunda temporada da série

Kasia Walicka Maimone, colaboradora de Wes Anderson, analisa os looks da produção de época da HBO, que tem Cynthia Nixon, de "Sex and the city", no elenco.


Bertha Russell (Carrie Coon) e Adelheid Weber (Erin Wilhelmi) em cena da série Foto: Divulgação



Em A idade dourada, Julian Fellowes, criador de Downton Abbey, deixa sua Inglaterra das décadas de 1910 e 1920 para explorar a ascensão econômica dos Estados Unidos, em geral, e de Nova York, em particular, no final do século 19. A segunda temporada da série estreia no próximo domingo (29.10), às 22h, na HBO e HBO Max.

A era dourada foi um termo cunhado pelo escritor Mark Twain (1835-1910) para se referir ao período de rápido crescimento econômico nos Estados Unidos, impulsionado pela industrialização e pela construção de ferrovias. Foi uma época de enorme desigualdade social, com alta concentração de renda e pobreza extrema de trabalhadores, especialmente imigrantes que chegavam em altos números ao país. Havia também uma tensão entre os ricos estabelecidos, os quatrocentões dos Estados Unidos, e os novos-ricos, conhecidos pelo termo “barões ladrões”. 

A trama da série reflete essa tensão. Bertha Russell (Carrie Coon, de The leftovers) e seu marido George (Morgan Spector, de Homeland) são os milionários que constroem um palacete na beira do Central Park. Eles querem muito se inserir na alta sociedade nova-iorquina, mas encontram resistência do “dinheiro antigo”, como suas vizinhas Agnes van Rhijn (Christine Baranski, de The good wife e The good fight) e sua irmã Ada Brook (Cynthia Nixon, de Sex and the city). 

Nas novas gerações, a briga é menos evidente. Marian (Louisa Jacobson, filha de Meryl Streep), que acabou de chegar do interior para morar com as tias Ada e Agnes, fica amiga de Gladys (Taissa Farmiga, irmã de Vera Farmiga e atriz de American horror story), filha de Bertha e George, e frequenta a casa dos Russell. 

Claro que, para contar essa história, os figurinos são parte fundamental. A polonesa Kasia Walicka Maimone, que é responsável pela criação dos looks, tem uma carreira bem variada, contando no currículo com filmes como Capote (2005), de Bennett Miller, Moonrise kingdom (2012), de Wes Anderson, Ponte dos espiões (2015), de Steven Spielberg, e Um lugar silencioso (2018), de John Krasinski. Recentemente, ela voltou a trabalhar com Anderson na antologia de curtas que entrou no ar em setembro na Netflix (A incrível história de Henry Sugar, O cisne, O caçador de ratos e Veneno).

A figurinista, que junto com sua equipe criou entre 300 e 400 novos figurinos para o elenco principal de A idade dourada nos novos episódios, conversou com a ELLE sobre como as roupas ajudam a estabelecer os personagens e seu desenvolvimento na segunda temporada:


taissa farmiga carrie coon donna murphy

Bertha Russell (Carrie Coon), à frente Foto: Divulgação

Imagino que você tenha pesquisado bastante sobre esse período. A moda era importante para essas pessoas?
Sempre parto de uma enorme pesquisa histórica. Temos uma biblioteca com cerca de 30 mil a 40 mil imagens da época. Na série, retratamos pessoas que não se interessam por moda, empregados, gente na rua, os trabalhadores, a classe média e a alta. A moda em nossa narrativa é importante para pessoas como Bertha, sua filha Gladys e o mundo ao seu redor. E para Marian, que está aprendendo sobre o assunto e vive entre uma casa muito conservadora e o novo mundo de Bertha. 

O que é esse mundo da Bertha?
Ela está estabelecendo suas próprias regras, tenta estar entre as pessoas da velha e da nova guarda, mas está criando sua própria realidade. Ela não pode sair completamente das normas, precisa estar enraizada na história, na sociedade. No entanto, ela traz uma visão totalmente diferente sobre como fazer isso. Ela não tem a herança geracional de padrões. Então, é profundamente influenciada pela moda da Europa, pelas novidades e tenta chocar, impressionar e seduzir.

As paletas de cores são insanamente controladas para cada personagem. Temos quadros gigantes que mapeiam os tons de cada cena para cada personagem.

E como ela usa a moda a seu favor?
Nessa época, cada evento era um desfile de moda, uma declaração. Bertha troca de roupa quatro ou cinco vezes por dia, e cada aparição na sociedade é uma afirmação. Essas aparições eram os desfiles de moda. O fator choque e a surpresa fazem parte, mas, ao mesmo tempo, é uma mulher que está tentando pertencer. A gente fez experimentos, mas sempre levando em conta quais são os padrões, a acuidade histórica, tentando criar um personagem. Porque não é um documentário.

Na primeira temporada, Marian foi introduzida a esse mundo. E agora está em outra fase. Como mostra esse progresso nos figurinos dela?
Ela tem um emprego na segunda temporada, é professora, então há uma funcionalidade em seus figurinos. Mas ela mora em uma casa de classe alta da velha guarda e é amiga da família de Bertha. É influenciada por ambos os mundos. Ao mesmo tempo, Marian claramente tem seu próprio senso de identidade. Na primeira temporada, seu figurino era bem variado. Eu queria ultrapassar os limites, mostrando alguém tentando encontrar sua identidade, tentando coisas diferentes que às vezes dão certo, às vezes dão um pouco errado. Neste ano, Marian está muito mais comedida.

cynthia nixon christine baranski

Cynthia Nixon (Ada Brook) e Christine Baranski (Agnes van Rhijn) Foto: Divulgação

Ada sempre foi um pouco mais aberta do que sua irmã Agnes. Nesta temporada, vamos vê-la ainda mais dessa forma. Isso reflete no modo de ela se vestir?
Com certeza, porque há um contexto totalmente novo para Ada. Estamos descobrindo um lado completamente novo de sua personalidade. Na temporada passada, ela era influenciada pela missão social, de caridade. Nesta, temos um lado completamente diferente da personalidade de Ada, que é o amor. Por isso ela, está mais suave e feminina, com uma paleta de cores e formas diferentes e delicadas, sem perder sua essência.

Bertha é muito mais ousada, veste branco, estampas, rendas.
As paletas de cores são insanamente controladas para cada personagem. Temos quadros gigantes que mapeiam os tons de cada cena para cada personagem. Bertha representa a novidade. Nessa época, corantes artificiais foram introduzidos na tecelagem. Havia muita cor. Procuro fazer com que sua paleta seja tão diferente quanto possível da paleta de Agnes e Ada, que representam as cores mais clássicas, os tons de joias, os tons profundos bem comedidos. Com Ada, nesta temporada, experimentamos cores mais novas. Para Bertha há uma experimentação contínua com cores, criando um vocabulário muito específico dela.

Usamos cerca de 7 mil figurinos, alguns repetidos da temporada passada. Para os personagens principais, foi algo entre 300 e 400 novos figurinos.

Quantos figurinos você e sua equipe criaram para a segunda temporada?
Nem todos foram feitos, mas no total usamos cerca de 7 mil figurinos, alguns repetidos da temporada passada. Para os personagens principais, foi algo entre 300 e 400 novos figurinos. É uma série enorme. São 600 pessoas ou mais trabalhando para colocar A idade dourada na tela.

Sua carreira é bem variada. Trabalhar em uma série de época é o sonho de um figurinista?
Claro que é um sonho trabalhar neste projeto. Mas também digo que todos os outros projetos que realizei foram sonhos. Tive muita sorte de ser convidada para vivenciar muitas histórias diferentes, conhecendo mundos de maneira muito detalhada. Estudar mafiosos para Aliança do crime (2015) ou a explosão de uma plataforma de petróleo para Horizonte profundo – Desastre no Golfo (2016) foi fascinante.

É muito diferente de trabalhar nos filmes de Wes Anderson?
Sim. Wes Anderson é um visionário e é em si um designer. Aí eu exercito uma parte completamente diferente do meu cérebro. A escala é diferente, e os detalhes, também. Fiz Moonrise kingdom (2012) com ele e agora os curtas-metragens (disponíveis na Netflix). De lá para cá, notei que ele se tornou um mestre em sua própria expressão. É muito interessante ver isso de perto. Sinto-me muito sortuda por ter tido o privilégio de participar de visões dramaticamente diferentes de dois realizadores incríveis, Julian Fellowes e Wes Anderson.

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