53ª Casa de Criadores: um resumo sem filtro 

Com um importante line-up diverso, a 53ª edição da Casa de Criadores apresenta um olhar amplo sobre a moda – a ponto até de perdê-la de vista.


Look do desfile de Rober Dognani na Casa de Criadores 53
Rober Dognani, verão 2024. Foto: Agência Fotosite



A 53ª Casa de Criadores aconteceu entre os dias 05 e 10 de dezembro, no Centro Cultural São Paulo, na capital paulista. Na programação, não tinha só desfiles, mas também exposições, performances, curtas, oficinas e shows. Faz parte do que a semana de moda, criada em 1997 por André Hidalgo, propõe: dar visibilidade e provocar inquietações e questionamentos sobre a maneira de lidar e fazer moda – muitas vezes livre de pressões comerciais.

Por isso, foi um tanto surpreendente ver o veterano Alexandre Herchcovitch entre os estreantes (Aczan, Mateos Quadros, Visén + Kabila Aruanda, Dystopic, Neo Utopia, Ruma, Patricia Kamayurá e Krixina). Em entrevista, antes da apresentação, o estilista afirmou que, apesar de ter realizado desfiles isolados, fora das datas oficiais de uma fashion week, ele prefere estar associado a algum evento. 

Alexandre Herchcovitch 53ª Casa de Criadores verão 2024

Alexandre Herchcovitch, verão 2024. Fotos: Zé Takahashi

Herchcovitch comentou ainda que as semanas de moda já não são mais as mesmas. Hoje, elas têm um poder de movimentação muito menor, tanto de jornalistas quanto de compradores e até de espectadores. Ainda assim, ele considera importante a reunião de designers brasileiros para fortalecer um movimento de moda coletivo e coeso.

No entanto, o timing é importantíssimo para que a adesão de estilistas e marcas seja relevante. Nos últimos anos, as datas de semanas de moda como a Casa de Criadores e a São Paulo Fashion Week se descolaram dos calendários de lançamento do atacado (as multimarcas, que compram partes das coleções antecipadamente, como acontece internacionalmente) e do varejo (quando a roupa chega na loja, para todos os consumidores).

As estreias na 53ª edição da Casa de Criadores 

No caso de Herchcovitch, a agenda da CdC coincidiu com a data de lançamento da nova coleção da Herchcovitch;Alexandre. Inspirado no próprio verão, ele levou para a passarela uma seleção variada de peças: licenciamentos de produto, itens de saída mais comercial e de construções complexas, como uma pesquisa histórica de embasamento para o trabalho com pregas e plissados engenhosos, além da alfaiataria sempre impecável. 

Visén Kabila Aruanda 53ª Casa de Criadores verão 2024

Visén + Kabila Aruanda, verão 2024. Fotos: Agência Fotosite

Entre os demais estreantes, atenção também para a dupla Visén + Kabila Aruanda, que uniu forças para ingressar no evento. Ambos (os nomes das marcas são os mesmos dos criativos) se conheceram no Instituto Casa de Criadores, plataforma criada em 2021, com o objetivo de descentralizar e democratizar o ensino de moda. Vestidos-camisa agigantados foram pintados à mão pelos dois com Pontos Riscados do Candomblé, a religião dela, e símbolos de pichação, a arte dele. 

Outro nome que vale a pena acompanhar é o de Mateos Quadros. O estilista gaúcho já havia chamado a atenção nas redes sociais com a sua produção que mescla tecnologia e trabalho manual. Para o evento, as suas impressões 3D, antes restritas aos corsets, passaram a construir bolsas e acessórios mais complexos.

Le Benites 53ª Casa de Criadores verão 2024

Le Benites, verão 2024. Fotos: Agência Fotosite

A volta de Leandro Benites, dessa vez com a Le Benites, também chamou a atenção. O estilista desfilou na CdC de 2015 a 2018 com a Ben Ateliê, marca que agora deixa de existir. Para o retorno, o criador volta com um novo nome e uma coleção que é a sua cara. Shorts curtos, rendas e transparências, além de top e calcinha usados sem nada por cima andaram lado a lado de pára-choques e outros materiais automobilísticos. Mesmo que bastante distintas, todas essas marcas tinham em comum algo consistente para mostrar. 

53ª Casa de Criadores: diversidade, consistência e argumento

Um raio-x rápido da semana de moda mostra que o line-up alcançou um importante nível de diversidade. A Casa de Criadores virou um espaço para marcas crescerem e se firmarem no mercado. Bons atestados para tal constatação são os aniversários de 20 anos de Rober Dognani no evento, e 10 apresentações de Jorge Feitosa e NotEqual. Três nomes que já usaram – e usam – as passarelas como plataformas para experimentações das mais variadas e vendem roupas no paralelo para sustentar os impulsos criativos.

Algo similar acontece com as marcas Ken-Gá Bitchwear, UMS 458 e Volat, só para citar algumas. Elas ampliam a nossa ideia sobre o vestuário – a Ken-Gá com humor, a UMS numa imagem atual entre o industrial e o clubber e a Volat com um caminho interessante de ancestralidade e streetwear – e produzem roupas sem esquecer do lado comercial.

Jorge Feitosa 53ª Casa de Criadores verão 2024

Jorge Feitosa, verão 2024. Fotos: Agência Fotosite

É possível dizer que a CdC conseguiu traçar um perfil convincente da moda atual, com novas marcas conectadas ao comportamento contemporâneo e propositivas na forma de pensar o futuro. Um dos maiores exemplos é a escola e legado de Vicenta Perrotta com sua transmutação têxtil, onde o upcycling e a marginalização de corpos dissidentes encontram uma via de ressignificação. Vicenta não desfila mais no evento, mas as suas ideias sim. 

A entrada cada vez maior de coletivos ampliou, sem dúvidas, a visão de moda nesse espaço, lembrando que o ato de se vestir vai muito além da comercialização de produtos, ele é, entre tantas outras coisas, uma construção de identidade, a maneira como somos lidos e tratados socialmente. 

dystopic 53ª Casa de Criadores verão 2024

Performance da Dystopic. Fotos: Agência Fotosite

Porém, alguns anos de performances depois, a sensação é também de repetição – de imagem, discurso, técnica. Sabemos que a realidade de muitas pessoas segue igual. As poucas transformações, quando e se ocorrem, ainda são insuficientes ou limitadas. Vem daí a dúvida sobre o quanto esses questionamentos, formas de apresentação e produção são eficazes para levar a moda – e ainda mais quem a faz e vive dela – para frente.

O mercado é resistente, fechado, discriminador. Isso não se discute. Infelizmente, é difícil gerar mudanças efetivas do lado de fora da margem – até por questões de sobrevivência, renda e tal. E aqui a cutucada não vai só para o evento, mas também para as empresas que o apoiam, comprometidas com causas sociais e ambientais. Há algum projeto ou plano para inclusão ou capacitação profissional desses criativos?

Do lado dos criadores, também vale dar atenção a algumas perguntas: será que o que estão produzindo amadureceu o suficiente para ser compartilhado com o mundo? Há consistência ou, ao menos, um argumento convincente? Caso a resposta seja sim, existe um espaço para apresentá-lo: a CdC.  

Leia também: Confira o review dos principais desfiles da 53ª Casa de Criadores. 

 

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