Ilha de Páscoa: como é estar no umbigo do mundo
Famosa por seus moais, as imensas estátuas de pedra, a Ilha de Páscoa, no Chile, reserva muitos outros segredos a serem descobertos pelos viajantes.
Ela é um pontinho no meio do Oceano Pacífico Sul. Um dos lugares habitados mais remotos do planeta, a Ilha de Páscoa tem localização tão peculiar que, apesar de pertencer ao Chile, nem está mais na América do Sul: faz parte da Oceania. Não por acaso, é também chamada de umbigo do mundo.
Os vizinhos mais próximos são as ilhas Pitcairn, a 2.088 km dali, e Santiago, a 3.767 km de distância – cinco horas de avião sobrevoando água e nada mais. A título de comparação, a Estação Espacial Internacional circula, em média, a 400 km da superfície terrestre. Ou seja, os astronautas da EEI estão mais próximos da civilização do que os moradores dessa ilha vulcânica.
Por essas e outras informações, só o fato de estar na Ilha de Páscoa já é um acontecimento. E é bem provável que, durante sua estadia, você se pegue pensando o quão longe está de tudo e de todos, enquanto olha para o mar de um azul cobalto impressionante.
O ilhéu de Moto Nui, para onde os competidores tinham que ir a nado no ritual do homem-pássaro, no século 15. Foto: Patricia Oyama
Na verdade, muita coisa vai deixar você intrigado e pensativo nesse lugar descoberto pelos polinésios em algum momento entre os anos 400 e 1200 – não há um consenso sobre a data exata, assim como não há respostas absolutas para várias questões que vão passar pela sua cabeça durante sua estadia. Qual o significado dos moais, as famosas estátuas gigantes espalhadas pela ilha? Como eles eram transportados? E-commerce faz entrega lá? Aliás, como é possível ter internet nesse fim de mundo?
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Para as duas últimas questões, já adiantamos as respostas: não, não há entrega de e-commerce para a Ilha de Páscoa e a conexão online é obra da Starlink, a internet via satélite de Elon Musk. Mas ela não está disponível em todos os lugares – assistir a filmes e séries em DVD ou armazenados no pendrive, como nos primeiros anos deste milênio, ainda é a opção mais viável para muitos moradores.
Quanto às outras dúvidas, vamos tentar responder ao longo desta reportagem, de acordo com as descobertas dos pesquisadores e as tradições orais do povo Rapa Nui, os primeiros habitantes da ilha.
Como chegar à Ilha de Páscoa
Atualmente, há apenas um voo diário da Latam para o aeroporto de Hanga Roa, na Ilha de Páscoa, que parte de Santiago de manhã. Considerando que o trecho de São Paulo e Santiago leva cerca de 4 horas, e de lá ao destino final são mais 5 horas, vale a pena fazer uma parada estratégica de uma noite, pelo menos, na capital chilena.
Charmoso e bem localizado, o Hotel Magnolia, que ocupa uma mansão restaurada de 1929, próxima ao Cerro Santa Lucía, é uma excelente opção de hospedagem na cidade. O hotel fica colado no bairro Lastarria, com muitos restaurantes, mas vale também tomar bons drinques e jantar no agradável rooftop ao ar livre do próprio Magnolia.
Embutidos, queijos e picles caseiros servidos no bar do rooftop do Magnolia. Foto: Patricia Oyama
No dia seguinte, como provavelmente você terá que fazer o check-out antes do café da manhã, o hotel pode providenciar um lanchinho para consumir antes de embarcar para o voo sobre o mar. A distância do continente, aliás, tem um ponto positivo: o avião que faz o trajeto não pode ser qualquer teco-teco. No caso, é um parrudo Airbus de 224 lugares, que vai lotado não só de passageiros, mas de quilos e mais quilos de suprimentos e outras encomendas – o abastecimento da ilha depende desse vaivém, uma vez que a produção local é limitada, basicamente, a pescados, frango e uma pequena variedade de vegetais.
Itens mais pesados, como farinha e garrafas de vinho, em grandes quantidades, viajam os 3.767 km de navio, o que exige muita organização e planejamento dos estabelecimentos para garantirem seus estoques, como explica Jeronimo Edwards Pascal, gerente-geral do do hotel Nayara Hangaroa, onde a reportagem se hospedou.
Nayara Hangaroa, um hotel que conta a história da ilha
Maior hotel da região (e com a melhor internet), a cinco minutos do aeroporto, o Nayara Hangaroa também é um excelente lugar para entender melhor a história da ilha e como o povo Rapa Nui tenta preservá-la, tendo o turismo como aliado, sem deixar que ele prejudique o ecossistema e os moradores.
Originalmente, a área do hotel pertencia a uma família nativa, os Hitorangi. Foi comprada pelo governo chileno nos anos 1970 e posteriormente vendida a um grupo hoteleiro. Pela lei chilena, no entanto, somente os Rapa Nui podem ser proprietários de terras na região. Depois de várias negociações, a família Hitorangi se tornou sócia do hotel e, dentro de 15 anos, será a única proprietária.
A construção e a infraestrutura do Nayara, que conta com uma estação de tratamento de água, reflete a preocupação local com a preservação dos recursos naturais. As 75 suítes, por exemplo, têm telhados cobertos com vegetação, o que minimiza o calor e ajuda a reduzir o uso do ar-condicionado.
A piscina do Nayara Hangaroa e as suítes com telhados verdes ao fundo. Foto: Divulgação.
Além da questão sustentável, os telhados têm uma explicação histórica: a arquitetura do hotel foi inspirada na vila cerimonial de Orongo, construída entre os séculos 15 e 16, no sudoeste da ilha, perto do vulcão Rano Kau. Lá, chefes de diversas tribos se reuniam anualmente para a competição do homem-pássaro, uma disputa no estilo Iron Man raiz, em que o objetivo era ser o primeiro a encontrar um ovo do pássaro manutara e, assim, ganhar o direito de governar a ilha pelo próximo ano.
Como em Orongo, os quartos do Nayara Hangaroa têm telhado verde e formato circular. Por dentro, no entanto, as acomodações são infinitamente mais confortáveis do que as construções de pedra que inspiraram o projeto. Com amplas portas de vidro que se abrem para a paisagem, formas orgânicas e materiais naturais, bons de tocar (a banheira modelada na argila é uma atração à parte), o quarto passa a sensação de um casulo confortável e protegido.
Suíte do Nayara Hangaroa: casulo protegido com vista para a paisagem local. Foto: Divulgação.
Já o spa do hotel foi inspirado no manavai, uma estrutura ancestral usada pelo povo Rapa Nui em suas hortas: rodeadas por paredes de pedras vulcânicas, as plantas cresciam protegidas dos ventos e aproveitavam ao máximo a água das chuvas. Com tratamentos como massagem com pedras quentes, hidroterapia, aromaterapia, esfoliação corporal, entre outros, o spa, a exemplo de um manavai, pretende ser um lugar para sentir “o poder, a energia e a pureza da terra”.
Spa do Nayara Hangaroa: inspirado em um manavai. Foto: Divulgação.
Como era de se esperar para uma ilha, o forte da culinária local são os ingredientes que vêm do mar. Tanto no bar da piscina quanto nos restaurantes Poerava e Kaloa, no Nayara Hangaroa, são servidos excelentes ceviches com peixes fresquíssimos – a Ilha de Páscoa deve ser um dos poucos locais do Chile onde o salmão não domina o menu de pescados. Mas também há opções para quem prefere carnes, massas ou pratos vegetarianos.
Ceviche com chips de batata-doce do restaurante Poerava. Foto: Divulgação.
O que fazer na Ilha de Páscoa
As aventuras da viagem podem ser agendadas no próprio hotel, que já inclui na tarifa pelo menos um passeio para cada noite de estadia. Apesar do tamanho reduzido do território (são 163 km2 de área, 25 km2 a menos do que o centro expandido de São Paulo), as opções são mais variadas do que se imagina e incluem mergulho, trilhas, cavalgadas e observação de estrelas. A parte costeira da ilha é rochosa em sua maior parte, mas há pelo menos duas belas praias com faixa de areia, Anakena e Ovahe, ambas ao norte.
A praia de Anakena. Foto: Patricia Oyama
O que não pode faltar na programação, no entanto, são as excursões para ver os famosos moais, as imensas estátuas de pedra com formas humanoides. E é no mínimo curioso que esses monumentos, que deram fama ao lugar e alimentam o turismo, possam ter sido responsáveis pela quase destruição da civilização Rapa Nui. Aqui vai a história, conforme aprendemos in loco:
Existem cerca de 900 moais, espalhados por diversos pontos da ilha. O maior deles tem 20 metros, mas o tamanho médio gira em torno de 4 metros. Um moai é diferente do outro, e a teoria mais difundida é a de que eles foram feitos em homenagem aos antepassados dos Rapa Nui, entre os séculos 14 e 16.
Moais em diferentes estados de preservação. Foto: Patricia Oyama
A maior parte dos moais foi esculpida em pedra vulcânica, com ferramentas feitas de outras pedras vulcânicas mais duras, como basalto.
Um lugar fascinante para entender como esses monumentos eram criados é Rano Raraku, no sudeste da ilha. Na encosta desse vulcão extinto, funcionava uma espécie de “fábrica” de moais. Lá, é possível observar dezenas de estátuas, em diferentes estágios de produção, algumas em pé ou inclinadas, outras deitadas e várias quase completamente enterradas.
A fábrica de moais, na encosta do vulcão Rano Raraku. Foto: Patricia Oyama
Alberto Te Ara-Hiva, nosso guia nesse passeio, explicou que cada moai era produzido a partir de um único bloco de pedra. Depois de esculpidos, eles eram colocados em pé sobre uma base e transportados sobre troncos de palmeiras alinhados paralelamente no chão. Com homens puxando de um lado e de outro, para manter o Moai em pé, a estátua deslizava sobre os troncos até o seu destino – geralmente à beira-mar.
Acontece que esse sistema de transporte revelou-se nada sustentável. A derrubada das palmeiras para viabilizar o deslocamento das estátuas foi minando os recursos naturais. A escassez de recursos, por sua vez, acabou com a paz, e os diversos clãs existentes começaram a guerrear entre si – o que incluía derrubar os moais uns dos outros. No final do período de guerras, além dos mortos, o saldo foi de 100% dos moais derrubados e/ou destruídos.
Ahu Ko Te Riku, o moai com olhos. Foto: Patricia Oyama
As estátuas que estão posicionadas em plataformas ao redor da ilha, portanto, foram todas recolocadas nos lugares onde, provavelmente, eram suas posições originais. Algumas têm um tipo de chapéu na cabeça, o pukao, feito com uma pedra avermelhada. Um único moai tem olhos, o Ahu Ko Te Riku, localizado em um ponto privilegiado para assistir ao pôr-do-sol. Mas acredita-se que várias, ou todas, as estátuas tinham olhos anteriormente, que seriam encaixados só em ocasiões especiais.
A quase totalidade delas é de figuras masculinas – durante a viagem, vimos uma única estátua que supostamente seria feminina. Bem corroída pelo tempo, ela exigia um bom exercício de imaginação para identificar o que as formas quiseram representar um dia.
Um moai inspirado em uma figura feminina. Dizem. Foto: Patricia Oyama
Entre todos os moais que você vai ver durante a viagem – e serão muitos – o conjunto que vai render as melhores fotos, certamente, será o de Ahu Tongariki. São 15 imponentes estátuas alinhadas sobre uma plataforma, de costas para o mar, no sudeste da ilha. Acompanhar a mudança de cores no céu, enquanto o sol nasce por trás dos moais, é dessas cenas que ficam para sempre na memória.
Ahu Tongariki no nascer do sol.
Foto: Patricia Oyama
Mais impressionante do que isso só o vulcão Rano Kau, do outro lado da ilha. Com 324 metros de altura e uma cratera de aproximadamente 1,5 km de diâmetro, o vulcão extinto é hoje a principal fonte de água doce para os habitantes. Da beira da cratera, você pode ver ao longe as lagoas cercadas por vegetação dentro do Rano Kau, que parece esconder um mundo mágico lá embaixo.
A impressionante cratera do vulcão Rano Kau. Foto: Patricia Oyama
E, de certa forma, esconde mesmo. Turistas não podem descer para o interior do vulcão, mas os moradores da ilha, sim. A estudante e modelo Kiana Kaltenegger Icka, que acompanhou nosso grupo nos passeios, conta que o interior do Rano Kau é repleto de árvores frutíferas e é possível nadar nas lagoas de águas escuras.
Nascida na ilha, com pai austríaco e mãe Rapa Nui, Kiana recentemente se mudou para Santiago para se preparar para a faculdade e sente falta da natureza a que está habituada. “As pessoas acham que, por ser uma ilha, não há nada para fazer. Eu não concordo. Tem muito mais coisas para fazer do que em uma cidade grande.”
A estudante revela que os moradores preservam vários pontos da sua terra apenas para os locais – como piscinas naturais, onde as famílias se reúnem no verão para curtir a paisagem, acampar e assar peixes pescados na hora, em um churrasco ao estilo Rapa Nui. “Se vocês voltarem, eu levo vocês lá”, prometeu Kiana. A Ilha de Páscoa sempre tem um segredo a ser descoberto.
7 dicas para a sua viagem à Ilha de Páscoa
Apesar da distância do continente, a infraestrutura local é bastante preparada para o turismo. Mas a ilha tem algumas peculiaridades.
Trio de ceviches do restaurante Kanahau. Foto: Patricia Oyama
– Para os gastos na ilha, não conte só com cartão de crédito, muito menos cartões virtuais, que dependem de conexão com a internet. Leve também dinheiro em espécie. Além de pesos chilenos, dólares costumam ser aceitos na maioria dos lugares.
– Há uma regra curiosa para a entrada na Ilha de Páscoa: não é permitido entrar com mel nem com nenhum produto produzido por abelhas, como própolis. Isso porque as abelhas locais são livres de qualquer tipo de doença, e os moradores esperam que elas continuem assim. Aliás, por isso mesmo, um pote de mel produzido pelas abelhas mais saudáveis do mundo pode ser uma boa lembrancinha de viagem.
– Falando em lembrancinhas, o Mercado Artesanal é um bom lugar para encontrar reproduções de moais de diferentes tamanhos e materiais, objetos de decoração, colares e outros suvenires. Fica bem ao lado da igreja de Santa Cruz, que é uma atração em si, com sua fachada que mistura símbolos cristãos e da mitologia Rapa Nui.
– Com a complicada logística envolvida para abastecer a ilha, é inevitável que os preços sejam um tanto salgados. Prepare-se para pagar até o dobro dos preços usualmente praticados na capital chilena.
– Com clima praiano e ótimos pratos com pescados, o Kanahau é um dos melhores restaurantes da ilha. Uma boa pedida do cardápio é a Trilogía sur la mer, com três tipos diferentes de ceviche (24.000 pesos chilenos ou cerca de 26 dólares).
– Se você torce o nariz para shows de danças típicas, baixe a guarda e confira uma apresentação do Ballet Cultural Kari Kari. Com quase 30 anos de existência, o grupo celebra a cultura Rapa Nui com espetáculos em que os dançarinos e dançarinas esbanjam fôlego e alegria. Só não fique nas fileiras da frente se for tímido, para não correr o risco de ser puxado ao palco para bailar.
– Não caia na tentação de pegar uma pedrinha vulcânica para levar de lembrança da viagem. É proibido sair da ilha levando suvenires naturais – o aeroporto de Hanga Roa tem um mostruário cheio de pedras de todos os tamanhos que turistas incautos tentaram levar na bagagem.
A jornalista Patricia Oyama viajou à Ilha de Páscoa a convite do hotel Nayara Hangaroa e da empresa Madre Travel.
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