Esse styling é um truque (ou como o marketing de influência saturou)! 

Raio-x de passarela no street style, produção pré-avaliada por marca e editorial full look: até quando o styling pede personalização, o marketing de influência sem autenticidade prevalece.


Colagem com imagens de influenciadoras usando bolsas da Miu Miu cheias de objeto.



A temporada de moda internacional acabou no início de março, com a Miu Miu sendo uma das marcas a concluírem o Fashion Month, como de costume. Na ressaca dos desfiles, o assunto foi não só o que cruzou a passarela da casa italiana, como também o que se viu fora da sala de desfiles: parece que o marketing de influência saturou. 

A apresentação foi a de inverno 2024, mas a atenção estava nas roupas de verão, aquelas desfiladas em outubro de 2023. São essas peças que estão agora disponíveis nas lojas, as que as revistas de moda têm acesso para produzir editoriais e as influenciadoras conseguem pegar emprestadas para eventos como assistir ao novo desfile da marca. 

E, caso você não se recorde da temporada, a gente lembra: a Miu Miu fez uma combinação de bióloga com secretária, onde o grande destaque ficava por conta do styling, a maneira como a roupa é usada. Entre sobreposições, cabelos molhados e band aids, o item principal era uma bolsa carregada debaixo do braço e que tinha todo tipo de objeto escapando dela. 

Influenciadora Veronica Ferraro com bolsa Miu Miu em que uma baguete sai de dentro.

Foto: Getty Images.

A imagem da passarela parecia querer contar uma história, como a de alguém bem vivona e vivendo, no meio do caminho, em ação. Essa mulher seguia para o trabalho, voltava da praia ou saía às pressas de casa. A montagem fictícia tinha um esforço de construir uma narrativa e ainda um estilo despretensioso e cool. 

Volta para os arredores do novo desfile da marca e uma série de influenciadoras vestem o look completo daquela estação. O visual é usado como uniforme, quase fantasia. E, claro, estava lá a tal da bolsa cheia de objetos saindo de dentro dela, em uma montação que pouco convencia, em nada parecia autêntica – justamente a peça que sugeria uma personalização. 

Pastas, que provavelmente não tinham nada dentro, saíam milimetricamente desajeitadas do acessório. Uma moça carregava um pão em sua Miu Miu, uma baguete estrategicamente posicionada. Já outra tinha uma mini Miu Miu dentro de uma média Miu Miu! Fones de ouvido pulavam, uma luva aparecia e um bloco de notas em branco dava as caras, com uma caneta recém-comprada. O tal do truque de styling virou o próprio truque. 

Influenciadora com bolsa cheia de objetos saindo de dentro no street style da Paris Fashion Week.

Foto: Getty Images.

Muito provavelmente, a bolsa da passarela quis lembrar Jane Birkin e sua famosa Hermés, frequentemente abarrotada de objetos, como livros, echarpes, souvenirs e memórias. Conta a história, o nascimento da própria bolsa Birkin foi uma ideia da musa para a casa francesa: a de que criassem um acessório maior do que uma Kelly e menor do que uma mala. Assim, ela poderia guardar tudo o que precisava, ou não precisava, mas insistia em ter por perto, porque havia de ter algum tipo de importância. 

Se Jane Birkin fez por vontade própria a Miu Miu foi esperta e reverenciou a rica imagem. E, em ambos os casos, a bolsa ganhou mesmo uma ideia generosa e lúdica, em comparação a anos de it bags descartáveis: de companheira da vida. 

Jane Birkin com sua bolsa famosa pela quantidade de coisas.

Foto: Getty Images.

Com as influenciadoras, porém, as bolsas cheias pareciam vazias. E não se trata de uma afronta gratuita a essas profissionais que, hoje em dia, exercem papel importante para as marcas. Acontece que parece haver uma saturação nos moldes de como o marketing de influência é mecanicamente colocado no sistema de divulgação e na comunicação das grifes. 

De acordo com a pesquisa State of Fashion 2024, feita entre o veículo Business of Fashion e a consultoria McKinsey & Company, 68% do público de moda está insatisfeito com a maneira como os anúncios são feitos hoje em dia por influenciadores e 65% está pouco interessado nesse tipo de profissional. O motivo? A falta de autenticidade, identificação e discursos sinceros. 

E as influenciadoras não estão sozinhas nesse embate. Produções pré-montadas pelas marcas para embaixadores e celebridades, regulagem excessiva de storytelling, além da necessidade de full looks em editoriais de revista têm minado a criatividade editorial, a possibilidade de surpresas e a curadoria e o olhar de stylists. O resultado disso são mais imagens iguais. 

Influenciadora usa bolsa com objetos saindo de dentro dela, durante a Paris Fashion Week.

Foto: Getty Images.

O marketing de grandes casas, claro, tem a performance como objetivo principal e serve para minimizar, por exemplo, riscos de comunicação para a empresa. Mas o caminho das rédeas curtas parece ter chegado ao seu limite. Segundo o mesmo report de tendências da McKinsey, pode parecer absurdo num primeiro momento abrir mão do processo criativo, mas a boa aposta é associação sincera, seja com uma influenciadora ou veículo de comunicação, no intuito de entender suas essências e narrativas para, assim, gerar comunicações mais verdadeiras, interessantes e naturais. 

No ciclo do jogo fashion, a gente espera que as compradoras fiquem mais próximas do lado criativo da coisa, do que o da performance vazia e carreguem penduricalhos menos montados para cliques e mais cheios de lembranças por aí. 

Leia também: Mercado de influência e como todo mundo virou influencer. 

 

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