Karim Aïnouz fala à ELLE sobre sua carreira internacional
Diretor voltou às falésias do Ceará para filmar seu novo longa, "Motel destino", que concorre à Palma de Ouro, no Festival de Cannes.
O oceano sempre fez parte do cotidiano de Karim Aïnouz. “Você olha para o mar e quer saber o que tem do outro lado”, disse o cineasta, que saiu de Fortaleza, sua cidade-natal, aos 17. Desde então, já viveu em Brasília, São Paulo, Paris, Nova York e há 14 anos mora em Berlim.
Em maio de 2023, a curiosidade do diretor para além do horizonte se apresentou com proporções mais ambiciosas. Foi naquele mês, na competição do Festival de Cinema de Cannes, que estreou sua primeira produção em inglês, Firebrand.
O longa traz história de Catarina Parr (interpretada por Alicia Vikander), a última mulher do rei Henrique 8º (Jude Law) e a única a sobreviver à sua tirania – ele ficou famoso, entre outras coisas, por se divorciar de duas (Catarina de Aragão e Ana de Cleves), mandar decapitar outras duas (Ana Bolena e Catarina Howard) e ver outra morrer (Jane Seymour), pouco depois de parir seu único filho homem.
O diretor nas falésias cearenses
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“Não acredito na monarquia”, diz Karim. Mas, à medida em que mergulhava no assunto, percebeu que poderia trazer sua contribuição para o tema. “Precisava de uma aventura nova. E a possibilidade de contar uma história sobre um poder colonial na perspectiva de alguém que vem de dois países que sofreram muito com essa dominação – o Brasil e a Argélia (onde seu pai nasceu) – me pareceu politicamente muito interessante.”
O tamanho da responsabilidade em suas mãos só foi percebido quando se deparou com 30 trailers destinados a atores e certos membros da equipe no set de filmagem. Mas Karim foi em frente, com a cabeça erguida e o sorriso frequente no rosto. “Não estou na vida para ter medo”, fala. Sua condição para aceitar o projeto foi a permissão para imprimir sua marca. “Lá, pude falar com o sotaque cearense o tempo inteiro.”
Trailer de Motel Destino, novo longa de Karim Aïnouz, que concorre à Palma de Ouro, em Cannes
Não é uma situação de todo inédita para o cineasta. Ele até vê um paralelo entre a experiência de Firebrand com Madame Satã (2002), seu primeiro longa-metragem. “Imagine o que foi um cearense se jogar para o Rio de Janeiro para fazer um filme sobre um mito carioca? ‘Lá vem o cabeça chata filmar aqui.’ Era horrível.”
Karim credita aos produtores Isabel Diegues e Walter Salles o fato do projeto ter saído do papel. “Mas eu gosto. Porque a gente está aí para fazer as coisas serem diferentes. Madame Satã é muito sobre isso. Você não está me deixando entrar? Então vou quebrar a sua porta, não vou pedir licença.”
Aquela também não foi a primeira vez que ele sofreu preconceito na vida. Nem a última. “É uma coisa que você lida o tempo inteiro quando nasce torto. É uma frase que usei no Madame Satã: ‘Me aceitem torto, não queiram me endireitar’.”
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