Por que, até agora, ainda não desistimos do tal “delineado perfeito”?

A cada ano que passa a indústria de delineadores cria mais e mais produtos para sanar o eterno drama do olho de gatinho. Mas, por que é que todo mundo gosta tanto dessa make?


Por que ainda buscamos o o delineado perfeito?



“Se as minhas amigas que são maquiadoras e criadoras de conteúdo nas redes sociais abrem uma caixinha de perguntas, acredite: todas as vezes vão perguntar como é que se faz o tal do delineado de olho de gatinho“, diz o também maquiador Dindi Hojah, colaborador de ELLE.

De fato, a cada ano que passa, inclusive, parece que surge um novo produto que vai finalmente resolver o problema dessa maquiagem que é ao mesmo tempo extremamente popular e muito difícil de executar.

São inúmeros tutoriais de inúmeras blogueiras e cada um usando uma técnica diferente. Mesmo assim, a questão não se resolve. Há quem prefira a versão em caneta, há quem prefira o pincel, aquele rolinho bizarro que lançaram há alguns anos, toda sorte de maluquice para alcançar a linha preta impecável na pálpebra.

Delineador em carimbo?

Tive vontade de escrever sobre isso porque vi viralizar recentemente no Tiktok um produto que, há muito tempo, já tinha arrebentado com a audiência do Facebook da ELLE quando ainda estávamos na Editora Abril. A Nathalia Levy (hoje nossa editora digital) decidiu fazer um vídeo rápido e despretensioso contando da mais nova bugiganga de gatinho: o carimbo. Aquele que tira das mãos a missão de desenhar a pontinha do delineador no canto do olho. O conteúdo foi tão tão bem nas redes que acho que nunca mais conseguimos armar um hit tão pesado quanto esse. Um recorde e um trauma ao mesmo tempo.

Foi bem curioso ver essa história renascer dentro de um novo contexto, quase como se ela nunca tivesse existido antes. A internet tem dessas. De todo modo, alguma coisa aconteceu comigo quando assisti ao tal vídeo do carimbo de gatinho no Tiktok. Fiquei irritado e pensei: por que, meu deus, ainda estamos tão obcecados com esse delineador preto? Ainda mais em um momento da história da maquiagem em que a geração Z parece estar tão preocupada em quebrar normas. Por que essa maquiagem que demanda tanta técnica ainda é tão desejada? E mais, por que permitimos tão passivamente sermos enganados por essa indústria que, infelizmente, não vai entregar a ninguém um produto que a faça desenhar melhor no seu próprio rosto magicamente?

Por que gostamos de delinear os olhos?

Batendo um papo com o Dindi, pensamos em algumas possíveis respostas. A primeira é essa ideia antiga de que o delineado preto “abre o olhar” e, por alguma razão, as pessoas ainda se preocupam com isso. “É engraçado, porque, na verdade, é isso que os cílios volumosos fazem também. Quando você vê a Beyoncé no palco, por exemplo, dá a impressão de que ela está com os olhos muito maquiados. Na verdade, ela usa uns cílios tão bem aplicados que a sombra deles já faz o efeito que toda essa parafernália nas pálpebras faria”, lembra. “O delineador nada mais é do que um reforço para os cílios.”

Foi exatamente para isso que o seu uso se popularizou no cinema. No começo de tudo, as câmeras não captavam tão bem a profundidade dos olhos e, por isso, não raro, as atrizes tinham suas pálpebras contornadas de sombra preta. Aliás, a gente já contou essa história aqui na ELLE… O olho de gatinho, ou melhor, a primeira maquiagem preta usada nos olhos data do Antigo Egito. Por lá, acreditava-se que o kohl – ingrediente à base de carvão e malaquita usado pela sociedade egípcia para compor o tal visual – protegia de espíritos malignos e também do sol. Na Europa, o olho preto bombou durante os anos 1920, quando redescobriram o busto da rainha Nefertiti ostentando o look. Depois, essa maquiagem ganhou mais força nos anos 1960 com a emancipação da “juventude”, uma categoria entre a vida adulta e a infância que, antes disso, não existia.

“A verdade é que o fator de desejo na maquiagem da Kim Kardashian ou de qualquer uma dessas famosas ultramaquiadas é exatamente a precisão com que aquilo é feito. Não está no produto”, Dindi Hojah.

Ou seja, mais uma vez, estamos falando de padrões de beleza sendo reforçados pela mídia e alimentando o capitalismo com uma alta demanda de produtos para alcançar esse suposto ideal. Ali na década de 1960, então, associando-se aos jovens, o delineado parece ter se fixado para sempre no nosso imaginário de beauté.

Geração Z e novas possibilidades na maquiagem

Mas, retomando a potência da geração Z, temos que dar o crédito para os jovens de hoje. O delineado da vez é muito menos sobre “levantar o olhar” do que qualquer outra coisa. São desenhos complexos, coloridos, mágicos e que, de fato, subvertem a função inicial do olho de gatinho. Algo que a agência de pesquisa de tendências WGSN chama de efeito “Euphoria”, fazendo alusão à série da HBO estrelada por Zendaya e com makes de Doniella Davy (entrevista exclusiva com ela para a ELLE View, aqui). Trata-se de uma movimentação por uma make mais ousada, colorida e menos padronizada defendida pelos Zs.

Mesmo assim, tenho a sensação de que precisão ainda é palavra de ordem. Quer um exemplo? Olha essa nova trend no Tiktok/Reels do Instagram… As pessoas passam todos os produtos de sua rotina de make no rosto de maneira desorganizada e displicente. De repente, em um passo de mágica, rola uma transição e a maquiagem antes megabagunçada ganha contornos geométricos, arestas aparadas e minúcia de detalhe.

Outro challenge que está bombando é do delineador feito com as duas mãos, nos dois olhos, ao mesmo tempo. A inventora do babado é a @fairy.freak que, além de acertar de primeira no pincel, ainda passa por uma transição dessas “mágicas” e volta com uma maquiagem toda delineada, mais rebuscada e cheia de linhas.

“A questão é que maquiagem tem a ver com desenho“, Dindi argumenta. “Não adianta você pedir para alguém fazer um delineado desse se ela não consegue nem desenhar no papel, em uma superfície plana, o que ela pretende fazer no rosto, que é um suporte tridimensional e que absorve os pigmentos de uma maneira muito particular.”

O meu argumento é de que é exatamente aí que a indústria da beleza capitaliza de um jeito maluco. Vende a imagem de um delineador feita por um profissional que desenha esse mesmo formato há anos, como se você, ao comprar o produto X ou Y, fosse conseguir alcançar o mesmo resultado. “A verdade é que o fator de desejo na maquiagem da Kim Kardashian ou de qualquer uma dessas famosas ultramaquiadas é exatamente a precisão com que aquilo é feito. Não está no produto.”

Isso posto, o olho de gatinho é uma questão de aptidão somada a prática, exercício, fôlego… Não tem a ver com canetinha, carimbo, roletinha, gel, ou qualquer outro item. Mas, para além disso, fica a reflexão: será que a gente não podia se borrar um pouco mais? “Eu acho muito mais interessante que você faça manchas divertidas no rosto, ousadas, diferentes, do que ficar tentando se encaixar nos moldes de uma maquiagem extremamente difícil de fazer e cujo resultado nunca vai ficar tão profissional se você não treinou por muito tempo”, opina Dindi.

Em boa medida, eu concordo e, para reforçar o argumento, acho que vale a pena dar uma olhada no trabalho da Julia Tartari, maquiadora fundadora da MoNA Cosméticos. Seus produtos são feitos à mão, tem preocupação ambiental e, de quebra, a Julia está sempre fazendo “des-tutoriais” que mostram as possibilidades mais absurdas e divertidas que seus produtos supercoloridos podem fazer. Acho (e espero) que o futuro seja mais borradão assim.

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