Cultura do estupro e o caso Robinho

Quando falamos de cultura do estupro, estamos falando que, sim, fomos nós que construímos isso e é nosso dever desconstruir e não aceitar esses comportamentos como naturais.


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Este é um tema muito difícil e duro, mas que é fundamental que a gente discuta, sobretudo depois da repercussão do caso do Robinho. É fundamental que a gente discuta sobre cultura do estupro. Muitas pessoas têm dúvidas em relação a esse termo, ou ainda discorda dele ou o esvazia. Mas o que queremos dizer quando falamos em cultura do estupro? Estamos falando que são comportamentos que acontecem na sociedade diariamente e frequentemente e que são relativizados ou naturalizados, e nós não podemos naturalizar o que é de uma cultura.

Quando falamos de cultura do estupro, estamos falando que, sim, fomos nós que construímos isso e é nosso dever desconstruir e não aceitar esses comportamentos como naturais. Um dos aspectos dessa violência vem desde a naturalização do assédio do quanto ele é naturalizado na nossa sociedade. Quantas mulheres têm relatos para contar de abordagens indevidas e violentas que receberam na rua? E, quando nós reclamamos, o que muitas vezes as pessoas dizem é “ah, mas é só um elogio, agora não pode mais elogiar?”. Muitas vezes não percebem que esse assédio impede o nosso direito à cidade e de viver em sociedade plenamente. Primeiramente porque temos medo da violência sexual em si. Segundo porque não temos o nosso direito de ir e vir respeitado quando somos assediadas na rua dessa maneira. E essa visão é colocada como uma coisa normal que temos que nos acostumar. Faz parte da nossa cultura, infelizmente, que é uma cultura de não respeito à mulher, de não respeito ao corpo da mulher, de não respeito à mulher como um sujeito.

Outro aspecto que também podemos trazer é o desrespeito ao não. E como também é romantizado, quando a mulher está falando não, que, na verdade, ela quer dizer sim. Que, na verdade, ela só está fazendo doce, uma expressão muitas vezes usada quando a gente diz não. Não há um respeito ou não. Existiram várias campanhas importantes de não assédio durante o Carnaval, porque também é um momento em que os homens acham que podem assediar as mulheres, que podem beijar à força, que podem tocar no corpo da mulher, mas isso é violência, eles não veem a mulher como um sujeito dono do seu próprio corpo porque o corpo da mulher é visto como uma propriedade do homem.

Um outro fator importante dessa cultura é a objetificação dos corpos das mulheres. A gente vive numa sociedade que objetifica os corpos e é muito importante discutir o papel da indústria pornográfica nisso tudo, que é uma indústria bilionária e que, num momento de pandemia em que vários setores estão sentindo o impacto econômico, ela foi uma das que mais cresceu. É muito importante que a gente discuta isso e não pela perspectiva do moralismo. Para mim, não é uma questão moral é uma questão política de como que nós mulheres somos retratadas nesses filmes, de como muitas atrizes relatam as violências que sofrem nos sets de gravação e o quanto aquela imagem violenta de submissão da mulher nesses filmes é a imagem que muitos homens vão ter das mulheres e das relações sexuais. É por isso que muitas de nós têm relações sexuais extremamente desagradáveis e violentas porque esses homens são educados a partir desses filmes que nos subjuga e nos colocam no lugar de violência e não da troca da reciprocidade e do respeito.

É muito importante a gente discutir sobretudo hoje, com esse momento de redes sociais em que adolescentes têm acesso a esse tipo de conteúdo, o quanto a pornografia automatiza o prazer, como vai dizer muito bem Audre Lorde no seu texto “Os Usos do Erótico” em que ela faz essa diferenciação entre o erótico e o pornográfico. Ela fala sobre como o pornográfico retirou o erótico, o poder da mulher porque ele automatiza o prazer e nos coloca em um lugar somente de objeto e não de sujeito do prazer também.

Para além disso, há a questão do Brasil ser um dos países em que mais se comete violência sexual contra meninas e mulheres. Infelizmente, a violência sexual que atinge as meninas acontece majoritariamente dentro de casa pelos pais, padrastos, tios ou avós. São dados alarmantes que fazem com que a gente tenha mais de dez abortos no Brasil por dia em crianças. A gente acompanhou recentemente o caso da menina de 10 anos violentada pelo tio no Espírito Santo e depois todos os desdobramentos criminosos. Infelizmente, o caso dessa menina não é um caso isolado. No Brasil, todos os dias, acontecem casos como esses e meninas como essas estão tendo que fazer abortos quando sobrevivem às violências sexuais.

É fundamental que a gente discuta essas questões e que não as tratemos como um erro, como uma pessoa que extrapolou um dia, não estamos falando de casos isolados, estamos falando da forma como as mulheres são vistas na sociedade e da forma como essa construção sexista, essa ordem patriarcal, vulnerabiliza os nossos corpos que são vistos como corpos que podem ser violados, invadidos e assediados.

Assista a coluna de Djamila Ribeiro sobre o caso Robinho e a Cultura do estupro:


Djamila Ribeiro sobre cultura do estupro e caso Robinho

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