Vai que é sua, Taffarel!

Se você reconhece de cara essa frase, "já entregou a idade". Mas espere aí: idade é coisa que tem que ser escondida? Confira essas e outras expressões etaristas que você pode estar usando sem se dar conta.


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Ilustração: Mariana Baptista



As meninas do SHEt estão doidas?! Afinal, o que futebol tem a ver com envelhecer? Bom, se você se lembra dessa frase, certamente é do nosso time (desculpe o trocadilho) de mulheres com mais de 40 anos e que, portanto, viveu essa época do Galvão Bueno gritando “vai que é sua Taffarel!!!!!!!!” enquanto o Brasil inteiro comemorava cada bola que ele pegava. Era mandinga, olhos fechados, mãos unidas, numa torcida que mais parecia uma reza, até aquele momento que, nesse caso, goleiro e bola iam para o mesmo lado e Taffarel, gigante, espalmava a bola para longe da nossa rede.

O tal grito “vai que é sua Taffarel” não nos causa estranhamento porque vivemos essa fase. Para nós, faz sentido gritar um “vai que é sua Taffarel” quando nossos filhos (ou netos) conseguem segurar no ar, por exemplo, um pão com Nutella que deu um triplo mortal carpado e está prestes a se estatelar no chão bem ao lado da comida do cachorro! Mas, daqui a 30 anos, como será que vai ser? Algumas pessoas que nos ouvem falando essa frase talvez ainda a repitam por aí sem imaginar o que ela significa e de onde veio, sem nenhuma referência ou contextualização. Pois bem, isso é exatamente o que acontece com frases etaristas que muitas pessoas continuam falando até hoje.

Muitas dessas expressões sobrevivem justamente porque veem sendo repetidas, passadas de geração em geração, mesmo que não façam mais sentido (sim, infelizmente, um dia já fizeram) e que não saibamos mais de onde elas vieram.

Quem diz “você deve ter sido muito bonita”, mesmo que tenha boa intenção, está fazendo, na verdade, um falso elogio. Parece que a pessoa está dizendo uma coisa legal, mas, na verdade, o que ela está dizendo é que beleza está diretamente relacionada à juventude e que ela não consegue ver beleza a não ser em um corpo jovem. Por que não dizer apenas “você é tão bonita”? É preciso parar de atrelar juventude à beleza até porque já sabemos de onde veio esse conceito, como falamos nesta coluna.

Outra frase muito comum, que muitas mulheres acabam recebendo como um elogio e que revela o preconceito contra a idade, é o “nossa, você não parece a idade que tem”. Dito dessa forma, parece que ter mais idade é uma coisa feia ou errada. É como se aparentar a real idade, na verdade, significasse que você não está tão bem assim. Claro que queremos estar muito bem em qualquer idade que estivermos, mas ter essa obrigação de sempre correr atrás da juventude, como se só ela garantisse “estar bem”, não faz mais sentido. Até porque, hoje, não só vivemos mais como também envelhecemos muito mais saudáveis, graças à medicina, ao exercício físico, a uma alimentação equilibrada e a uma longeva vida produtiva.

Preparada para riscar outra expressão do seu dia a dia? Anota aí: “Desculpa perguntar, mas quantos anos você tem?” Geeeente, desculpa por quê?! Você não pisou no pé de ninguém, não soltou um pum no elevador quando seu vizinho entrou, não está rindo da tragédia da vida de ninguém. Você apenas perguntou a idade e não tem nada de errado se a resposta for 20, 50 ou 80 anos. Por acaso você se desculpa quando pergunta que número a outra pessoa calça? Então, idade é a mesma coisa: só um número.

Recentemente, fizemos uma pesquisa com frases etaristas e descobrimos uma lista grande: “solteira nessa idade?”, “panela velha é que faz comida boa”, “até que dá para o caldo”, “você não tem mais idade para usar isso”, “ela está entregando a idade”, “ela poderia ser a mãe dele”, “vai ficar para titia”, “tá querendo parecer mocinha”, “ainda dá para o gasto”, “deve ser a menopausa”, “depois de uma certa idade”, “fulana já está meio gasta”, “isso é coisa para jovem”, “com o tempo, homem melhora como o vinho e mulher azeda como leite”. Esses são só alguns exemplos que deveríamos evitar.

Ah, você não fala nenhuma dessas frases? Excelente! Mas vale a pena lembrar que, apesar de termos dado só exemplos relacionados a pessoas mais velhas, o preconceito também existe em relação a crianças e jovens. Quantas vezes você falou ou ouviu “criança não tem que ter opinião, tem que obedecer” ou “não liga para o que ele diz porque é aborrecente”? Isso também é etarismo. É claro que não estamos falando aqui de fazer tudo o que uma criança quer (até porque ela ainda não tem maturidade para saber o que faz bem ou mal) nem vamos acatar todas as reclamações de um adolescente (que ainda por cima está muito confuso com a explosão de hormônios), mas sim, em ambos os casos, eles também merecem e devem ser ouvidos. Afinal, independentemente da idade, eles têm opiniões, desejos e pontos de vista diferentes como todas as pessoas em qualquer idade.

Dizer que uma mulher mais velha é ridícula porque resolveu usar biquíni na praia não tem nada de sensato. É puro julgamento. É tão e simplesmente preconceito contra a idade.

Quer dizer, então, que SHEt acha que em qualquer idade pode tudo? Não. O que a gente acha é que algumas coisas deveriam poder ou não dependendo da maturidade, e não da idade. Uma criança não pode dirigir um carro porque não tem maturidade emocional para entender sobre os perigos e as consequências de dirigir um carro (é verdade que muito adulto também não, o que comprova que não é a idade que deveria ser um impeditivo, mas sim o nível de consciência e responsabilidade da pessoa), mas dizer que uma mulher mais velha é ridícula porque resolveu usar biquíni na praia não tem nada de sensato. É puro julgamento. É tão e simplesmente preconceito contra a idade. Apontar o dedo, controlar a vida do outro, tentar enquadrá-lo e limitar seus pensamentos, atitudes e ações só porque “já passou de certa idade”, isso sim é ridículo. Cada um tem o direito de ser feliz e se sentir bem do jeito que quiser.

Sabemos que as coisas não vão mudar da noite para o dia porque, como tudo, é um processo, e temos que ir nos acostumando aos poucos. Mas, do mesmo jeito que um dia ouvir um “ooooh, essa gostosa lá em casa!” no meio da rua já pareceu o maior dos elogios, talvez, em breve, com paciência e informação, também não mais aceitemos essas frases etaristas disfarçadas de elogio (ou não) como uma coisa bacana. Porque legal mesmo seria que cada uma se sentisse feliz e orgulhosa de simplesmente ter a idade que tem. Sem disfarces nem tristeza por não ser mais jovem. Afinal, não existe nada mais natural do que envelhecer. De resto, é bola para frente e jogo que segue.

Camila Faus e Fernanda Guerreiro são criadoras do @shet_alks. Uma plataforma de conteúdo feita para mulheres que acreditam que a idade dos “enta” rima com experimenta.

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