Não é o tempo que acaba com alguém. É você

Pelas lentes machistas da sociedade, passamos adiante o preconceito sem ao menos nos questionarmos de onde ele veio. Que tal parar com os julgamentos?





Quantas vezes você já ouviu, pensou ou falou: “Ela não tem mais idade para isso?” É verdade que com o tempo a pele perde colágeno, a massa muscular diminui e a estrutura óssea fica mais frágil. Mas não é o tempo o vilão dessa história.

Para a maioria das pessoas, é fácil colocar a culpa nele. Mas se a gente parar para pensar, não é o tempo que discrimina. Não é o tempo que aponta. Não é o tempo que acaba com uma pessoa. Ele só passa. Somos nós que julgamos, no alto de nosso trono de juízes ridículos da vida alheia, dizendo “ela não tem mais idade para isso”.

Em uma pesquisa com mais de 1.500 mulheres e complementada por mais de 100 entrevistas, a Riverter, uma empresa estadunidense de coworking voltada para o público feminino, chegou à seguinte conclusão: o preconceito contra a idade afeta as mulheres mais do que o próprio sexismo. O estudo, divulgado em um artigo da jornalista Mariza Tavares, mostra que para 58% das mulheres ouvidas pela Riveter, todos os aspectos relacionados aos atributos físicos tinham grande peso no ambiente de trabalho. Mais: a idade era o ponto nevrálgico. “No grupo acima dos 40 anos, 21% relataram discriminação por causa da idade: tinham menos oportunidades profissionais, detectavam progressiva diminuição de suas responsabilidades e, em muitos casos, eram vítimas de demissões”, diz a reportagem.

E isso não acontece apenas com nós, simples mortais. Ao receber o prêmio de Mulher do Ano 2016 da Billboard, Madonna disse: “Não envelheça. Porque envelhecer é um pecado. Você vai ser criticada e humilhada e definitivamente não tocará nas rádios.” Ao ler esse isso, alguém menos avisado poderia até pensar que é um exagero, mas, menos de quatro anos depois, a mesma Madonna foi crucificada nas redes sociais por ter postado uma foto sua de topless (e olha que ela ainda estava cobrindo os seios), coisa que ela, aliás, sempre fez. Não é que ela queria “aparecer”. Ela continua sendo a mesma Madonna de sempre, só que mais velha.

E aí é que se escancara o preconceito contra a idade. Entre os milhares de comentários “você está muito velha para isso”, o que mais entristece é que a maioria foi feita por mulheres. Sim, isso mesmo, em vez de nos defendermos, nos acusamos. Pelas lentes machistas da sociedade, passamos adiante o preconceito sem ao menos nos questionarmos de onde ele veio. Sem nos darmos conta de que ele é fruto de uma sociedade que só enxerga beleza na mulher quando ela é jovem. E sabe por que? Porque nesse período ela ovula. Como assim SHEt_alks?! Calma, a gente explica.

Na história da humanidade, a tarefa mais importante de qualquer espécie sempre foi garantir que ela não fosse extinta. Quem pensa que para isso basta transar, engana-se. Homens e mulheres funcionam de maneiras distintas. Enquanto o homem pode fazer um filho até seu último dia de vida, mulheres só podem gerar uma criança enquanto estão ovulando. Dito isso, aí vai o resto do pensamento. Para garantir que o mundo não acabasse deserto, a natureza deu um jeito do homem não perder tempo com qualquer fêmea. Como? Fazendo com que eles transassem muito mais com as que ainda ovulavam. E sabe o que aconteceu? Por sentirem-se atraídos pelas mais novas (uma vez que mulheres entre 45 e 60 param de ovular e portanto não poderiam mais garantir a espécie) eles acabaram achando que juventude era sinônimo de beleza. E não sinônimo do que de fato é: procriação. Simples assim.

E para aqueles que ainda não estão muito convencidos de que as mulheres são mais proibidas de envelhecer e continuarem ativas, desbravando novas carreiras, desejando e desejáveis, sugerimos uma comparação. Quando Mick Jagger rebola maravilhosamente em seus shows ou quando o Brad Pitt aparece mais grisalho, o que mais ouvimos é que “o tempo só fez bem para eles”, não é mesmo? Sim, sabemos que é triste, mas a boa notícia é que ainda podemos mudar isso transformando nosso envelhecer num lugar mais gentil. Como? Nos unindo.

O primeiro passo é não apontar o dedo, não criticar outra mulher porque ela está, simplesmente, sendo ela. Julgar as pessoas pela idade é colocá-las em gavetas. É não aceitar que elas possam fazer o que tem vontade, é proibir que elas sejam quem são, é amputar o direito de escolher o que nos faz feliz. É claro que o tempo é mais cruel com algumas pessoas, impossibilitando-as de alguma forma. Mas são casos específicos de doenças neurológicas ou físicas que limitam a vida de alguém. Não é disso que estamos falando. Estamos falando é do preconceito contra a idade, uma doença que se espalha sem percebermos e que atinge milhões de mulheres no mundo todo levando muitas à depressão, a procedimentos estéticos exagerados e até a morte.

Em que Constituição no mundo todo está escrito que a partir de determinada idade não se pode mais isso ou aquilo? Por que uma mulher mais velha não pode usar minissaia ou biquíni? Por que não pode usar batom vermelho? Por que ela não pode se sentir sexy para alguém (ou para ela mesma)? Por que é um absurdo uma mulher mais velha sentir vontade de transar? Desde quando se sentir bonita é um direito apenas das pessoas mais jovens?

Da próxima vez, antes de criticarmos alguém com julgamentos ultrapassados, que tal aproveitarmos o aprendizado de tudo que estamos vendo e vivendo na pandemia e tirar a maior de todas as lições: a maior beleza é, simplesmente, estar vivo.

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