Sobre o feminismo branco – Parte 2
A cocada, o racismo que vem de casa e algumas questões sobre o cuidado
Na coluna passada iniciei aqui uma conversa sobre feminismo branco e suas dinâmicas que trabalham ativa ou passivamente a favor da perpetuação de desiguldades. Uma das muitas questões levantadas, essa no encerramento do texto, foi sobre o duplo movimento do racismo: embora em posições muito diferentes e com consequências bastante diversas, é possível constatar que no processo de desumanizar pessoas negras, os brancos também e necessariamente se desumanizam. Como?
Ontem, vi nas redes imagens de um programa de TV. A apresentadora, uma mulher branca, está com uma bandeja de cocadas, feita por uma das convidadas, uma mulher negra que está sentada e acomodada como os demais participantes brancos. Com uma conversa elogiosa e estridente, ela constrange a convidada a se levantar e servir as cocadas. A apresentadora passa a bandeja e vai se sentar. O constrangimento é quebrado por um outro participante, um apresentador, homem negro que assume a bandeja e passa a servir sob o comando da senhora que fez as cocadas, ainda constrangida com o absurdo.
Falar desse processo de desumanização em relação a pessoas brancas é algo ainda pouco explorado nos estudos críticos brasileiros mesmo que cenas como essa se repitam até mesmo na TV, onde os códigos de camuflagem do racismo já estão bem desenvolvidos. É fácil reconhecer o aviltamento da humanidade naqueles que cometem atos mais violentos de racismo, seja via retirada de direitos pelo governo genocida, seja pela PM ou nos recentes casos de uma influenciadora e de passageiras do no transporte público xingando pessoas negras aos berros.
Mas não deveríamos reconhecer com o mesmo horror isso que leva alguém a ter o racismo tão enraizado, tão assentado como fundamento de sua própria experiência de ser, que aparece naturalizado sob palavras elogiosas e uma atitude cruel estabilizada em um tom e numa apresentação supostamente cordiais?
Em conversa com a psicanalista e psicóloga Ilana Katz, algo me ocorreu como possibilidade de abordar uma questão tão ampla, complicada e com tantos recortes e desdobramentos possíveis. Ilana, pós-doutora em Psicologia Clínica pelo IP-USP, desenvolve pesquisas e projetos sociais importantes com foco em infâncias e parentalidade. Ela me falava da moda do autocuidado em um papo sobre certos absurdos do feminismo branco.
A ideia veio da seguinte frase de Ilana: “o cuidado é alter”. Alter, prefixo que significa outro, do outro. Ou seja, cuidado é cuidado do outro, com a boa ambiguidade que esse “do” pode levantar. Cuidar do outro e receber cuidado do outro, fazer vínculos, reconhecer e ser reconhecido em e a partir de uma rede de cuidados.
A mulher branca com a bandeja quer ser servida. Ela vive como se esse fosse o seu lugar, e o lugar da mulher negra fosse servir, construção obviamente racista. Qual será sua ideia de cuidado?
A primeira coisa que penso quando escuto autocuidado, traduzido do self-care, guarda uma certa aproximação com o self-service, no sentido de algo pronto, feito para consumo imediato. Por outro lado, me lembrou o auto de automático. Depois, me ocorreu que essas coisas estão todas contempladas de certa maneira na ideia neoliberal corrente do empreendedorismo de si. O autocuidado então seria um cuidado de consumo, cuidado automático para se manter ativo conforme as exigências sociais, algo que circula, é comunicado em massa, mas não faz laço. Seria mais uma forma popular de isolamento social embalada em palavras como autoestima e autonomia?
Atento às críticas com a precisão de quem controla métricas pelos mecanismos das redes sociais, o feminismo branco, que aqui nesse ponto é idêntico ao liberal, já elaborou uma suposta autocrítica, também para consumo imediato. Já corre o discurso de que esse autocuidado é menos sobre rotinas de beleza e outras amenidades e mais sobre saúde, especialmente sobre saúde mental. Mas também não é disso que se trata, de fazer da saúde mental uma trend.
O que nos leva de volta ao começo. Qual é o autocuidado possível para lidar com a saúde mental de pessoas que estão diariamente envolvidas em dinâmicas de desumanização? Existe?
“O cuidado é alter”.
Há uma frase da poeta, ativista e ensaísta Audre Lorde que vira e mexe aparece em cards muito fora do contexto de sua escrita. “Cuidar de mim não é autoindulgência, é autopreservação, um ato de luta política”. Audre não escreveu self-care, mas “caring for myself”. Me importar comigo, com a minha vida. São coisas diferentes. Mais diferentes ainda se pensarmos que a frase está em uma espécie de diário que ela escreveu sobre viver com câncer, tentar se tratar. Ela não queria abandonar seus trabalhos nem viver em uma suspensão que só terminaria com uma cura ou com a morte. Caring for herself era aceitar ser também cuidada e cuidar de viver a vida, estar presente naqueles dias com algum bem-estar e sem se conformar com qualquer roteiro pré-estabelecido, ela não queria para si nenhum dramalhão de novela nem romantização ou fuga, queria viver aquilo como seu, criar uma maneira. O texto está no livro A Burst of Light, e esse trecho específico em uma passagem que ela nomeia como epílogo. É algo realmente grande, generoso e muito corajoso, como toda a obra de Audre.
O feminismo negro e suas grandes autoras nos ensinam que às pessoas negras muitas vezes o cuidado foi inviabilizado pela estrutura racista e pelos signatários do que Cida Bento, doutora em Psicologia e Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), nomeou como pacto narcísico da branquitude. Mas nos ensinam também que sobretudo as mulheres negras encontraram umas nas outras formas de organizar redes de cuidado para além da lógica do branco. As figuras das avós, tias, vizinhas, primas, de uma extensão familiar num sentido amplo que pode acolher todos aqueles dispostos a participar das redes de cuidado, incluindo os homens, são importantes nessa história.
História cheia, é fato, de enormes dificuldades, muito atravessada por todos os lados pela violência racista. Mas ainda assim criadora de possibilidades. Para citar novamente Sueli Carneiro no podcast Mano a Mano, as pessoas negras, no Brasil e em outros lugares, construíram algo que vai muito além da “família Doriana”, aquela que, tal qual a margarina, deveria ser analisada como algo sob suspeita.
Mesmo o cuidado que posso ter comigo é aprendido do outro, com o outro, com seu gesto, presenças e ausências, suas palavras e ações. Nossos primeiros outros são nossos primeiros cuidadores. Em geral, nossas mães, mas isso não se aplica a milhões e milhões de pessoas. Se pensarmos na herança colonial do Brasil, as figuras nessa função que chamamos de mãe nem sempre são as mães que pariram ou mesmo as que adotaram.
Vou fazer aqui uma citação de Lélia Gonzalez, longa mas que se justifica pela importância do que ela traz de muito original. Lélia, nome icônico entre as intelectuais brasileiras, filósofa e antropóloga, estudou psicanálise e se interessou sobretudo pela obra do francês Jacques Lacan, com a qual não teve medo de lidar a partir de suas próprias pesquisas e questões. O que ela foi organizando a partir desse encontro é algo ousado e até então impensável para uma academia que deitava cabelo e repetia religiosamente as instruções europeias.
Os pensamentos de Lélia seguem dando frutos e convocando ousadias.
Diz ela em Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. “O que a gente quer dizer é que ela [a figura da mãe preta, a bá, que ela analisa junto com a da mulata e da mucama] não é esse exemplo extraordinário de amor e dedicação totais como querem os brancos e nem tampouco essa entreguista, essa traidora da raça como querem alguns negros muito apressados em seu julgamento. Ela, simplesmente, é a mãe. É isso mesmo, é a mãe. Porque a branca, na verdade, é a outra. Se assim não é, a gente pergunta: quem é que amamenta, que dá banho, que limpa cocô, que põe prá dormir, que acorda de noite prá cuidar, que ensina a falar, que conta história e por aí afora? É a mãe, não é? Pois então. Ela é a mãe nesse barato doido da cultura brasileira. Enquanto mucama, é a mulher; então “bá”, é a mãe. A branca, a chamada legítima esposa, é justamente a outra que, por impossível que pareça, só serve pra parir os filhos do senhor. Não exerce a função materna. Esta é efetuada pela negra. Por isso a “mãe preta” é a mãe”. Fim da citação.
É uma bomba em várias camadas das quais aqui só serei capaz de apontar alguns flashes aqui. Por mais que Lélia convoque a psicanálise e que haja uma complexidade impressionante nesse texto que cito, ele também se oferece para uma leitura mais geral, escrito de uma maneira inovadora e com referências ao cotidiano.
Vamos voltar de novo para o começo, com uma pergunta ainda mais difícil. Como pensar a mulher branca no contexto social dessa herança? O que disso permanece vivo e de que forma? Usando uma expressão de Fanon, o Brasil precisa de um “sóciodiagnóstico”? Lélia em todo caso tinha um, o de que o país sofria de uma espécie de neurose cultural racista.
Não vou entrar nesse mérito diagnóstico, mas algumas questões bem importantes sobre cuidado parecem saltar daí.
Mulheres brancas, mesmo as feministas brancas, passaram séculos ignorando as lutas de outras mulheres dentro de suas próprias casas. Muitas delas, estatisticamente, a maioria delas, negra. Empregadas domésticas, babás, “auxiliares”, cozinheiras, diaristas. Funções com forte marca colonial muitas vezes ainda condensadas no espaço do quartinho de despejo, resto arquitetônico do complexo casa grande/senzala. Uma realidade não só para os muito ricos mas para a classe média mais abastada ou remediada. Uma espécie de sonho de consumo do ideal branco local, um símbolo de status.
Se o Brasil como país é por excelência, seguindo o raciocínio de Lélia, aquele que desumaniza e esconde brutalmente a própria mãe, seu primeiro outro, a coisa é feíssima. A análise que ela faz a partir da mucama é igualmente bombástica e merece uma apreciação própria, também essencial para pensar as dinâmicas da casa grande e suas heranças. Muito se fala do que ela comenta a respeito da mulata do Carnaval, mas a análise da mucama, que Lélia nomeia como ” a mulher” (e aqui ela se refere também, embora não somente, ao sentido equivalente a esposa), é bem mais explosiva e mobiliza muito mais elementos, muitos deles ricamente contraditórios.
Preciso tomar fôlego e arrumar ajuda pra falar disso, ainda tomarei. Hoje, porém, vou focar na bá, a mãe preta.
A mãe-preta, ela diz, era tida como a mais boazinha pelos brancos, a mais inofensiva. E até como traidora pelos negros por tratar as crianças da casa grande com cuidado genuíno e amor. Muitas vezes sendo impedida de estar com seus próprios filhos. Mas elas não eram assim submissas, falavam de si e do mundo como os senhores não previam. Com suas falas, cantigas, histórias, palavras, dengos, broncas, benzidas, com sua presença. A força dessa presença insubmissa e influente é que as famílias doriana tentam abafar a todo custo. Assim como a elite brasileira que legisla sobre o que é a cultura válida”. Só que, como o inconsciente está em jogo, isso se faz marcar o tempo todo e de muitas formas.
Pensem na complexidade disso. Se além de papai e mamãe temos uma mãe que cuida, mas não é permitida como mãe legítima, uma mãe legítima que é afastada dos cuidados e age como uma governanta de luxo, como uma versão enfraquecida do pai-senhor, uma mucama que limpa e arruma mas que também pode estar colocada como não-permitida no lugar de mulher. A bá e a mucama são nesse contexto ainda escravas, mas escravas que botam em questão, fazem fissura na ideia desumanizante que sustenta a escravidão e o próprio racismo.
Quando o fascismo que hoje está no poder no Brasil fala de família tradicional brasileira não esconde, mas antes revela essa verdade tão habilmente trabalhada por Lélia. Manter a tal família tradicional ancorada em certa imagem requer sacrificar e apagar muita coisa, muita gente, o que está absolutamente conectado à raça, ao racismo, e ao arranjo do sistema econômico.
E o que era exigido de uma criança que crescia com sua bá para depois ter de renegá-la publicamente como menos-que-humana? E o que se exige ainda hoje das crianças criadas por babás e empregadas domésticas que depois são descartadas? Ou das que vivem com mulheres semi-escravizadas sob a reveladora frase “ela é como se fosse da família”. De alguma forma ela é da família, e o lugar que ocupa, esse que não poderia ser feito de mais exaustão e desprezo, não seria o da mãe? É isso que se faz com a tão endeusada mãe? Freud arrancaria a barba lendo a história do Brasil.
E a mulher branca nessa história colonial? Relegada a um útero e um título? A uma vida de insatisfação sexual, de cultivo obsessivo de aparências, de lealdade a um senhor que talvez só lhe entregue grana e o direito de se declarar superior a outros homens e mulheres? O que herdamos desse processo? A história de lutas da mulher branca passou não por acaso pelo desejo de trabalhar e escapar desse lugar.
Mas com tudo isso posto, por que o feminismo branco segue incapaz de ver que a causa racial tem de ser obrigatoriamente também causa fundamental e inegociável para mulheres brancas?
Volto ao autocuidado e penso em como nesse termo há uma marca do apagamento do trabalho dessas mulheres negras? Não só o de limpeza que permite fazer a make no quarto bonitinho, não só o da babá que conforta a criança para que ela durma, não só o da arrumadeira que deixa a sala pronta para meditar ou o da cozinheira que arruma o jantar. O trabalho que as mulheres negras fizeram contra sua vontade e que revelou às brancas sua própria servidão.
A prisão organizada como privilégio exige que nos tornemos seres horríveis incapazes de oferecer cocada aos convidados mesmo quando tudo está nas nossas mãos porque sem marcar as mulheres negras como serviçais, no contexto desse sistema, sinceramente não somos grande coisa.
Esse privilégio parece atraente para muitas quando o mundo exalta a vida “de novela” ou feeds cafonas com fantasias variadas de elite (da princesa europeia à herdeira “verde”) como os grandes ideias de sucesso. Não se trata de criticar o consumo com moralismo, mas de pensar se é essa papagaiada mesmo que desejamos. E isso inclui considerar que a outra face dessa moeda é que o privilégio branco, quanto mais descemos na pirâmide social, mais se reduz simplesmente à chance de sermos menos exploradas e atacadas do que as mulheres negras.
Se conseguimos fugir dessa dinâmica é com muito esforço e não sozinhas. Outras, infelizmente, se acomodam bem. E o que dizer desse encaixe com a desumanização?
Vou destacar aqui duas falas de Deivison Faustino, cientista social e pós-doutor em Psicologia Clínica pelo IP-USP, à revista Quatro Cinco Um, na ocasião do lançamento de seu livro Frantz Fanon e as Encruzilhadas.
Diz Deivison: “Se o racismo cria o negro como um ente maldito da racialização nessa animalização colonial, ele também cria o branco. Aliás, ao criar o negro, o branco cria a si próprio como grupo alienado de si. Porque quando o branco diz “o negro é isso”, ele deixa de se ver naquilo que ele está identificando no negro. Então o branco também é um ente fetichizado e amaldiçoado, criado pelas relações raciais. E o Pele Negra [Máscaras Brancas, livro de Frantz Fanon] nos convoca a olhar para o branco também como objeto das relações. Isso não significa uma simetria nas relações de poder, muito pelo contrário, mas significa que o branco também perde sua humanidade nas relações raciais”.
Se também estamos alienados de nós nisso que é chamado de branco, precisamos trabalhar aí. O que implica complicações como essa tão bem descrita por Deivison. “O Fanon vai dizer que é muito fácil pensar no negro como natureza, porque a natureza está ligada ao selvagem, e o selvagem é objeto das relações em uma sociedade que pensa o sujeito na razão. Então você cola o negro no corpo e o branco na razão. (…) O resultado dessa fragmentação, que é simbólica, é uma sobrevalorização das habilidades corporais do negro que é mítica, irreal, falsa, e é colonial. Ela dá a entender também que o branco é inferior ao negro no que tange ao corpo, cria uma representação social pautada na ideia de que o corpo do negro é superior ao do branco. Essa representação é mortal, faz com que na área da saúde demorem mais em dar anestesia para a mulher negra do que para a mulher branca, dizendo que aquele corpo é mais forte. Faz com que homens negros consigam mais trabalhos de segurança do que em escritórios, independentemente da sua formação. Faz com que a polícia esteja duas vezes mais disposta a apertar o gatilho em territórios negros do que em territórios brancos. Como psicanalista, o Fanon nos provoca a pensar que tipos de fantasias essa distribuição de prestígio cria no olhar do branco sobre o negro. O corpo negro, quando aparece, é ameaçador aos olhos do branco, causa ou desejo ou repulsa, mexe com o inconsciente. Pensar nisso implica discutir o branco. Para o Fanon, sem discutir o branco a gente não entende as relações raciais”.
Se assim é, mesmo os projetos como o do “feminismo dos 99%” erra rudemente o alvo quando reduz a questão racial à questão dos direitos, embora obviamente quaiquer projeto sério tenha de necessariamente passar por eles.
Pessoalmente, gosto de insistir em Fanon em seu brilhante encerramento de Os Condenados da Terra, quando ele convoca algo radical, a construção de um novo fundamento para nossa maneira de viver e estar aqui nesse mundo. Algo que, como ele diz, “faça a humanidade avançar um furo”.
O que vai se desenhando, não só a partir dele mas especialmente das vozes de tantas mulheres, é que esse processo criativo exige desalienações e demolições. Isso portanto não se refere a qualquer ideia que tenha como objetivo retornar a algum cenário ancestral ou pretensamente natural, a um Oriente mítico etc Muito menos manter intacta a supremacia branca ocidental via Europa e EUA, com novo verniz e nominhos chamativos.
Um exemplo. A socióloga Oyèrónkẹ Oyěwùmí argumenta em seu A Invenção das Mulheres que entre os iorubás nigeriano dos quais descende não existia gênero antes da colonização europeia.
Oyèrónkẹ diz que a anatomia do sexo, em suas palavras anassexo, com anafêmeas e anamachos, não determinava nenhum tipo de hierarquia, divisão social ou de trabalho entre os iorubás. Que essa diferença não chegou a construir jamais, entre eles, algo que funcionasse como o conceito de gênero conforme suas definições ocidentais modernas. O sexo anatômico não organizava posições sociais e não funcionava como oposição. O corpo, segundo ela, não era determinante para organizar a sociedade iorubá nigeriana. Importante para eles era a senioridade, que assim mesmo era relativa e não puramente ou apenas cronológica.
As categorias eram relacionais de uma forma específica. A palavra traduzida como marido, por exemplo, é uma categoria social que pode se referir tanto a fêmeas quanto a machos dependendo da relação em questão. Mas mesmo a tradução é difícil porque não se dá sobre as mesmas bases de mundo, não existe propriamente um marido nem propriamente um homem aí, mas pessoas se relacionando num outro contexto. Não é como traduzir do alemão ou do húngaro, as aproximações precisam de mais explicação, de uma escuta bem aberta e radical, esforços para criar pontes.
Do que Oyèrónkẹ diz decorre que não há para aqueles iorubás nada que se configure como mulheres como grupo socialmente oprimido. Em outro de seus livros, ela procura distanciar a experiência da maternidade da visão de gênero ocidental, a partir dos mesmos iorubás e de suas práticas coletivas.
Isso não quer dizer que a solução seja “retornar” a um iorubá pré-colonial, romantizar ou idealizar qualquer sociedade, originária ou não, mais ou menos antiga, mas encontrar modos de reconhecer sua existência, seus problemas, sofrimentos e suas contribuições em pé de igualdade.
Desponta, sim, a ideia de que toda a história e ancestralidade contribuam com a possibilidade da criação de uma nova igualdade social sustentada pelas diferenças, inédita em seus avanços e futuros problemas porque pensada a partir do que agora se coloca, uma criação não de seu tempo mas capaz de refundar a noção social de tempo.
Sei que é muita coisa densa pra pensar e reforço que essa forma bastante solta de colocar isso tudo aqui é tão somente uma tentativa de aproximação com os temas, que não só pedem mas exigem outros níveis de exposição e dedicação, de participação.
Continuo na terceira e última parte dessa primeira tentativa, na semana que vem.
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