Leo Grande, Emma gigante

Mais do que a nudez física, novo filme de Emma Thompson entrega a aventura de se despir de padrões estéticos e morais impostos há séculos sobre nós.


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Você já ficou nua na frente do espelho? Se você respondeu “sim”, a gente reformula a pergunta. Você já ficou nua e não apenas pelada na frente do espelho? Muitas de vocês devem estar questionando se não é a mesma coisa. Bom, depois de assistir Boa sorte, Leo Grande, nós por aqui, tivemos a certeza de que são coisas completamente diferentes. Isso porque tirar a roupa e encarar de frente seu reflexo, para a maioria das mulheres, significa analisar todas aquelas partes do seu corpo que são absolutamente normais, mas que a sociedade julga como “fora do padrão ideal”. Perna fina, peito caído, muito grande, muito pequeno, barriguinha, coxa grossa, panturrilha fina, flacidez, estria, pouca cintura, braço roliço, celulite, umbigo triste, corpo em formato de pêra, retangular, oval ou maçã. A lista é grande. Não importa qual você acha que é o seu “defeito”, quando a maioria de nós tira a roupa na frente do espelho, aquilo que não se enquadra no padrão são as partes que mais enxergamos. A própria Emma Thompson, atriz principal do filme, disse em entrevista coletiva na 72ª edição do Festival de Cinema de Berlim: “Eu não posso ficar na frente de um espelho assim. Se eu fico na frente de um espelho eu sempre escondo alguma coisa, eu me viro… eu faço alguma coisa. Eu não posso ficar parada, por que eu deveria? É horrível. Tudo ao nosso redor nos lembra o quão imperfeitas somos e que tudo está errado conosco. Tente se olhar no espelho sem roupa e sem se mexer. Apenas aceite e não julgue. É a coisa mais difícil que já fiz. Eu fiz algo que eu nunca tinha feito como atriz.” Muito triste isso. Mas a boa notícia é que, se ficar pelada nos leva a ver nossas “imperfeições”, ficar nua pode nos levar a ver como somos perfeitas ao nos despirmos de todos esses estereótipos de beleza que criaram para nós. E Emma faz isso de forma brilhante durante o filme. Ela não entrega apenas a nudez física. Pouco a pouco, sua personagem vai tirando camadas de preconceitos, se despindo de padrões estéticos e morais que há séculos são colocados sobre as mulheres, como, por exemplo, na cena em que ela percebe como estava equivocada ao considerar suas alunas “vadias” porque usavam roupas curtas. Respeito não passa por aí. E se antes o ditado era “ajoelhou tem que rezar”, agora podemos dizer que “ajoelhou pode rezar, mas, se quiser, também pode chupar”.

Boa sorte, Leo Grande acontece entre quatro paredes, mas, seguramente, vai muito além delas. O enredo conta a história de uma viúva de 60 anos, ex-professora de religião que decide explorar sua sexualidade depois que o marido morreu. Para isso, ela reserva um quarto de hotel e contrata um garoto de programa (Daryl McCormack, também excelente no papel), muito mais jovem que ela, para ter uma noite de sexo prazerosa, explorando seu corpo e, quem sabe, finalmente, sentir um orgasmo de verdade.

Mas por que ela não poderia ter isso com alguém da sua idade? Poderia, mas é aí que o filme se torna absurdamente humano. E é por isso que destacamos o “muito mais jovem que ela”. Sem dar spoiler, a própria personagem diz que alguns homens de sua idade demonstraram interesse por ela, mas que ela “não se sente atraída por um corpo velho”, nos fazendo lembrar que não aprendemos a valorizar o corpo como também um meio de prazer, mas apenas como algo puramente estético. O jovem é bonito, o velho é feio. Simples e complexo assim.

Além do empoderamento emocional e sexual, o filme também aborda, ainda que com menos profundidade, outras questões como a legalização do trabalho sexual, o etarismo que a própria personagem sente e, também, a complexidade das relações humanas.

Em Berlim, Emma disse ainda: “As mulheres sofreram lavagem cerebral para odiar o próprio corpo. É um fato”. Ela tem razão. Historicamente, as mulheres são alvo de uma pressão estética tão forte que as faz odiar o próprio corpo. Infelizmente, fomos ensinadas a dar prazer sem nos preocuparmos com o nosso próprio prazer. Mulheres com mais de 60 anos foram, na maioria, educadas desde a juventude a aceitar que a vida íntima no casamento não seria satisfatória e que prazer era uma prerrogativa masculina.

O filme é perfeito? Não. Mas, sob vários aspectos, não deixa de ser uma obra-prima. Exatamente como todas nós.

Camila Faus e Fernanda Guerreiro são criadoras do @she____t. Uma plataforma de conteúdo feita para mulheres que acreditam que a idade dos “enta” rima com experimenta.

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