Como sentir prazer sozinha se o mundo trata a masturbação feminina como um tabu?

Masturbação feminina é feio? Ahhh, se toca!


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Quem disse que masturbação é só coisa de homem, de jovens ou de quem está sem uma parceira ou parceiro? Já reparou que um homem com tesão costuma ser associado à masculinidade, enquanto a mulher é ainda muitas vezes relacionada à promiscuidade? A notícia ruim é que essa mentalidade não vai mudar tão cedo, mas a boa é que se começarmos a transformá-la agora, falando sobre o assunto e diminuindo o tabu em relação a ele, a chance de que nossas filhas e netas possam se relacionar melhor com seus corpos tem grandes chances de aumentar.

Primeiramente, precisamos voltar um pouco na história para entender por que os homens são autorizados desde criança a se tocar e nós, mulheres, não. O filósofo Michel Foucault afirmava que, antes do século XVII, “eram frouxos os códigos da decência e da obscenidade”. A sexualidade e o sexo eram vistos como algo natural, sem repressões. Mas, nos séculos seguintes, a imposição dos costumes, a objetificação e redução da mulher à mero aparelho de procriação e a restrição ao próprio prazer (mulheres tinham que se casar virgens e não podiam demonstrar prazer na cama), tornaram-se frequentes. Para se ter uma ideia, a sexualidade feminina era tão inexplorada que, até o século XX, o orgasmo feminino ainda era desconhecido.

Hoje, sabemos que nosso órgão sexual tem duas vezes a quantidade de terminações nervosas do masculino, ou seja, um verdadeiro parque de diversões pronto para ser explorado. Além disso, o século XXI chegou com discussões sobre a pílula anticoncepcional, a escolha da maternidade, o direito à masturbação, aos orgasmos múltiplos, a luta pelo aborto e outros avanços que, pouco a pouco, se consolidam na busca pela nossa emancipação. Mas, mesmo assim, ainda temos resquícios. Afinal, fomos criadas dentro da narrativa de que a mulher veio ao mundo para ter filhos e dar prazer. Mas e sentir prazer, onde fica?

Ao contrário dos homens que, desde pequenos, são estimulados a exercitar seu prazer, meninas na maior parte das vezes ouvem coisas como “tira a mão daí que é feio”. Para tudo. Feio por quê?! O cenário geral é ainda pior. Quando meninas têm sua primeira relação sexual, a primeira coisa que costumam fazer é levá-las ao ginecologista para aprender a se proteger de doenças e de uma gravidez indesejada. Veja bem: conhecer o próprio corpo é feio e, no sexo, é preciso apenas se proteger de doenças e de uma gravidez indesejada! Pois é, já deu para perceber onde queremos chegar. Em nenhum momento ouvimos a palavra “prazer”.

A frase “mulher para casar x mulher para transar” nunca deveria ter existido. Somos uma só: a que casa e a que transa, e ambas, ou melhor, a mesma, também se cuida, evita doenças e deveria ter filhos apenas quando quer.

É verdade que muita coisa evoluiu e hoje somos mais livres em relação ao nosso prazer. Mas de quão livres estamos falando? Os dados ainda são assustadores. Acompanhe: segundo a pesquisa Mosaico 2.0, do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Hospital das Clínicas de 2016, 40% das mulheres não costumam se masturbar com frequência e, dessas, 19,5% nunca sequer chegaram a experimentar a prática. Números muito diferentes do universo masculino, por exemplo, em que mais de 82% dos entrevistados disseram se masturbar regularmente como forma de prazer. E aí, a gente volta lá para o início do texto: como sentir prazer sozinha se o mundo trata a masturbação feminina como um tabu?

E é por isso que é tão importante falar sobre masturbação feminina. Por nós e para nós. Por hoje e pelo futuro de todas. Masturbação feminina não é uma coisa feia e muito menos um pecado. Ela é um processo de autoconhecimento, de descobertas de sensações que podem ajudar cada uma de nós a ter mais prazer, a nos conhecer melhor, extravasar tensões, fortalecer nossa autoconfiança e, em uma relação a dois, até propiciar muito mais conexão. E sabe o que é melhor? Nosso clitóris não tem prazo de validade. Ele funciona até o último dia de nossas vidas e em qualquer idade.

Nosso clitóris não tem prazo de validade. Ele funciona até o último dia de nossas vidas e em qualquer idade.

Se no dicionário libido significa desejo sexual ou busca instintiva pelo prazer sexual, para nós aqui do SHEt, ele é algo tão simples quanto autocuidado. Um verdadeiro ato de amor com nós mesmas. E, caso você nunca tenha se masturbado antes, nossa recomendação é que você comece devagar, tendo paciência e respeitando seus limites e seu tempo. Aos poucos, você vai descobrir um universo paralelo onde antes só existia preconceito e tabu. Sim, nós sabemos que, para muitas mulheres, esse processo é difícil e que mudanças levam tempo. Mas uma vez feitas com consciência, podem ser definitivas.

Então, que tal começar a se olhar no espelho de forma mais gentil e curiosa e não apenas procurando seus defeitos? Aliás, defeitinhos esses inventados pela mesma sociedade que te faz sentir vergonha do seu prazer. Quando alguém disser que a masturbação feminina é uma coisa feia, lembre-se que derrubar esse tabu está em suas mãos!

Camila Faus e Fernanda Guerreiro são criadoras do @shet_alks. Uma plataforma de conteúdo feita para mulheres que acreditam que a idade dos “enta” rima com experimenta.

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