Eus mesmas

"Não tenho medo da desilusão. Tenho medo é de não sonhar."


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Você já percebeu que a medida que o corpo vai virando refém do tempo, a mente vai se libertando? Não enxergamos mais de perto, mas passamos a enxergar longe. Não conseguimos mais dar passos tão apressados, mas os damos na direção certa. Não dormimos tanto, mas, de alguma forma, parece que despertamos.

Ainda não cheguei na menopausa, mas, como toda mulher de 48 anos, estou próxima e, portanto, ali tropeçando no momento oficial em que vou parar de procriar… mas, que fique claro, não de criar!

Segundo a antroposofia, medicina alternativa que não leva em conta apenas a doença, mas o indivíduo como um todo, após os 42 anos, as forças vitais, que amadureceram os órgãos e os mantiveram funcionando bem até então, gradativamente se retiram deles, gerando inicialmente o declínio das funções reprodutivas, ou seja, a famosa menopausa nas mulheres.

Se para você parece o fim do caminho, saiba que não é. Isso porque essas forças vitais, retiradas parcialmente dos órgãos, se tornam disponíveis para o fortalecimento de outras habilidades, representando uma transformação ou metamorfose no processo de desenvolvimento! Mas se essas forças vitais não forem direcionadas para outras atividades, elas sobem na forma de ondas de calor, gerando o fogacho. No mínimo, um ponto de vista bastante coerente se considerarmos que somos todos… energia.

Costumamos dizer aos jovens que eles tem todo o tempo do mundo, às pessoas maduras que já estão no segundo tempo e, aos mais velhos, que o tempo deles já passou. Mas, afinal, o que sabemos sobre o tempo que temos?

Na semana passada, a maior cantora sertaneja, que revolucionou a sofrência no Brasil, morreu prematuramente aos 26 anos. Na mesma semana, a dama dos palcos brasileiros foi eleita aos 92 anos para a Academia Brasileira de Letras. Na teoria, Marília Mendonça tinha toda a vida pela frente e, Fernanda Montenegro, já estaria nos acréscimos. Mas, afinal, o que elas e todos nós temos em comum? A teoria do tempo que temos. Na prática, só temos o hoje, o agora. Temos a ilusão de que passamos pelo tempo como se ele fosse uma linha riscada no chão mostrando tudo o que vai acontecer em cada idade. Não passamos pelo tempo. Ele é que passa por nós. Ele é presença, infelizmente sentida, principalmente, na ausência.

Pelo olhar viciado a que somos condicionadas desde pequenas, parece que temos o tempo certo para tudo. Formatura, casamento, independência financeira, lutar, desistir, ter filhos, ser avó, conseguir a casa própria, receber uma promoção, parar de transar, deixar de sonhar. A lista é infinita. Mas aí vem uma morte precoce ou uma conquista considerada fora da idade e nos esbofeteiam com a maior das verdades, o que temos realmente é só o agora–- além de, claro, uma prepotência imensa de achar que as pessoas têm que isso ou não podem aquilo em uma determinada idade. Queridas, idade é só um número que diz o quanto você teve sorte de estar viva até aqui. Independentemente de quantos anos temos, só agora podemos realizar, só agora podemos sonhar, só agora podemos mudar. Porque só agora estamos vivas.

Na adolescência, eu era apaixonada por quem um dia eu iria ser. Hoje, sou apaixonada por quem eu sou. Desde sempre eu sofri com o futuro, sem perceber que ele não existia concretamente, de fato, para ninguém. Não existe lugar no mundo em que se possa comprá-lo, ninguém tem para emprestar, nem é possível fabricá-lo. Quem tiver sorte, pode ter um. Quem tiver mais sorte ainda, pode não desperdiçá-lo quando ele se apresentar da única maneira que podemos tê-lo: na forma do presente. O futuro é um hoje disfarçado com o nome de amanhã.

Queridas, idade é só um número que diz o quanto você teve sorte de estar viva até aqui. Independentemente de quantos anos temos, só agora podemos realizar, só agora podemos sonhar, só agora podemos mudar. Porque só agora estamos vivas.

Mas, se no meu caso ter o futuro pela frente foi sufocante, deixar o tal futuro para trás está sendo libertador. Acho que a isso dou o nome de maturidade. Não esperar algo acontecer para ser feliz, simplesmente ser no agora. Eu já fui redatora, já publiquei livro, já fui roteirista, já abracei árvore, já tive filhos, já casei, já enfiei o pé na jaca, já descasei, sou sócia da diretora de cena Camila Faus no @shet_alks e, hoje, também estou sendo artista plástica. Para mim, uma coisa se soma à outra. Por isso, quem tiver a oportunidade de ir na exposição @aparandoofuturo (com obras feitas de aparas e tocos de lápis usados por crianças de todo o Brasil) logo de cara vai se deparar com a primeira frase desta coluna: “Não tenho medo da desilusão. Tenho medo é de não sonhar.” Estou nua e assim quero atravessar avenidas, cruzamentos e becos sem saída dessa vida, me despindo de todas as camadas que tentam me definir. Quero cada vez mais ser minha própria essência: eus mesmas. E, nada, nem ninguém, vai me impedir de sonhar em todos os “hoje” que eu ainda tiver.

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É claro que ninguém gosta de críticas, julgamentos ou ser alvo de preconceito. Mas não é por que isso existe (infelizmente vindo também das mulheres que supostamente deveriam se unir contra tudo isso), que eu vou deixar de viver o que eu quero, da forma que eu quero e do jeito que eu posso. Passei a vida tentando me definir mas, com a maturidade, descobri que sou tantas em uma. Aliás, muito provavelmente, como todas nós. Algumas simplesmente têm mais chances de irem arrancando as camadas de preconceitos, opiniões alheias, padrões impostos pela sociedade e, como a gente gosta de dizer no @shet_alks, narrativas construídas para elas (e não por elas) durante toda a vida.

Morrer é inevitável. Mas se aventurar em viver o agora é uma escolha sua. Só sua.

Exposição @aparandoofuturo, de Maria Fernanda Guerreiro. De 11/11 à 26/11, com hora marcada, na Galeria Raw, Rua Augusta, 2.529, mezanino, São Paulo, SP, whatsapp: (11) 99997-6979.

Camila Faus e Fernanda Guerreiro são criadoras do @shet_alks. Uma plataforma de conteúdo feita para mulheres que acreditam que a idade dos “enta” rima com experimenta.

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