“Eu sei o que você quer. É muito estúpido da sua parte mas terá o que pediu. E isso te trará tristeza, minha linda princesa”. A Pequena Sereia é um dos contos de fada mais dramáticos e cruéis, um tsunami de mutilações de vozes, rabos, pernas, cabelos e existências. A maldição de se apaixonar pela pessoa errada, de errar fatalmente, de errar sabendo da profecia do erro mortal, de aceitar facas nos pés, facas no coração, e seguir sorrindo, toda errada.
Errar às vezes traz de fato muita dor e tristeza, mas nem sempre elas estão no erro em si. Às vezes estão. Às vezes é mais sobre como percebemos o que significa errar afinal. É pelo resultado que se mede? É pelo encaixe em uma proposta inicial? É pelo olhar do outro, pelo nosso? É pelo grau de satisfação obtido? O que possibilita que um erro se converta em acerto e será que em toda e qualquer situação acertar é melhor do que errar?
“Tudo o que você faz termina em confusão”, diz Otis para a sua mãe em Sex Education, minha série preferida desde que começou. Sua mãe que fala de sexo por aí como não deveria falar ” uma mãe”, sua mãe grávida aos 48 anos como os médicos e os intrometidos não recomendam, sua mãe com um namoro complexo, com a ideia de uma nova família que mal começou e periga se desmontar. Jean Milburn, mais uma mãe errada.
Otis também ele um filho errado, com namoros errados e namoradas idem. Toda a terceira temporada é sobre o erro e como ele nos constrói enquanto tentamos à nossa maneira nos livrar dele.
A nova diretora da escola frequentada pelos personagens pretende remodelar um colégio à base do corte de erros. Andar em fila, usar uniformes, não correr, não ter estilo, não falar demais, se submeter em busca da excelência, de um modelo de correção. Ela é, obviamente, a mais errada de todas e a mais apegada a um certo fim de linha, aquele resultado que justifica os meios, os 100%, a boa, o sucesso, a fechação, o dinheiro.
Uma das regras é não transar nem falar sobre sexo. Porque sexo é o lugar do erro por excelência. Bom, ruim, confuso, bizarro, novo, gostoso, mecânico, com ou sem tesão, mas nunca certo. Sempre um erro atrás do outro, sempre um a mais ou a menos, sempre uma falta, um excesso, um impossível, nunca exatamente aquilo.
É um alívio ver uma série assim com todo mundo tão errado. Sim, tem encontros, tem esforços individuais e coletivos que promovem mudanças, movimento. Tem ações e consequências. Mas mesmo esses vêm capotando sem brecar, se aprumando no caminho, não se resolvem de vez nem mesmo até a próxima temporada.
Não é uma série dessas que “entrega tudo”. Que inferno entregar tudo, aliás. Ela entrega personagens com dramas que não parecem saídos de um shuffle de questões e características, parece mesmo que estamos falando de pessoas.
Depois da obsessão com distopias “súper” conectadas aos males da realidade e das séries edificantes, cheias de respostas que depois viram cards de sabedoria desconstruidona de mercado, uma série que entrega nada de muito certo.
Esse texto ele mesmo não entrega nada de correto e conclusivo. Não é #somostodoserradxs nem passada de pano pra quem usa escolhas e projetos absolutamente calculados e direcionados sob o disfarce de erro.
Um texto sem defesa, confuso, talvez secretamente otimista. [Spoiler]. Maeve sentada no ônibus, na estrada, indo pra um lugar fora dos limites da cidade, do conforto, do desconforto, da certeza. Erros honestos, um caminho trilhado, algumas conquistas, tempo pra refletir em silêncio, só mais uma pessoa numa poltrona, indo pra algum lado em um mundo que gira no espaço. O refrão do Big Star dizendo “hold on”. Vambora.
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