Vulva, gênero, libido e outras questões na tela
Sete vezes em que a série Sex education nos ensinou a importância de uma boa educação sexual.
A série
Sex education estreou sua terceira temporada recentemente na Netflix e, mais uma vez, ganhou o coração do público e das pessoas que já lidam com a temática da sexualidade há mais tempo. É notável todo o trabalho feito em conjunto com educadores e terapeutas sexuais e as pesquisas envolvidas, e é por essas e outras que eu sou fã de carteirinha. Como essa é uma coluna sobre dúvidas, separei aqui respostas importantíssimas que foram trazidas ao longo desses oito episódios, mas já alerto: este texto inevitavelmente pode conter spoilers! Então, se preferir, vá maratonar a série e depois volte aqui, ok? 🙂
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1. Toda vulva é única e linda
Imagine o tamanho da emoção quando vi que uma das minhas páginas preferidas, a
@the.vulva.gallery, foi convidada pra ajudar a retirar o estigma e esse padrão de beleza tão torto imposto em cima das vulvas? E isso contou até com uma versão brasileira especial, com a criação do site Toda PPK é linda, que mostra com ilustrações e relatos que cada vulva é única e, sim, linda. Ela não precisa ser simétrica, clara, sem pêlos ou infantilizada como a pornografia tentou padronizar. Não existe libertação mais gostosa do que olhar pra própria vulva e começar a sentir carinho depois de tantos anos achando que ela era de alguma forma errada ou “suja”. Simplesmente não é, nunca é.
2. Talvez você não volte a ser como era antes depois de um trauma, mas tudo bem
Quando alguém ultrapassa nossos limites, as marcas deixadas podem ficar pra sempre. E como conviver com isso? Primeiro, entendendo que se o outro ultrapassou um limite, a culpa é justamente desse outro, não sua. Segundo, cuidando das cicatrizes e entendendo que, mesmo que elas não sumam, é possível construir um convívio. Um diálogo entre as personagens Aimee e a terapeuta sexual Jean Milburn me marcou bastante: “Eu costumava gostar do meu corpo e eu gostava de fazer sexo, mas desde o ocorrido não me sinto confortável com meu corpo. Eu não gosto de olhar pra ele e não gosto quando meu namorado toca nele. (…) Eu só queria ser a antiga eu de novo” E logo a dra. Jean responde “Talvez você nunca seja a velha você de novo, Aimee, mas tudo bem”. Essa construção não é fácil ou rápida, mas só de saber que é possível já é um indício de que realmente pode ficar tudo bem.
3. Pessoas não binárias existem e precisam urgentemente de visibilidade e espaço na sociedade
Um assunto sensível e novo pra muitas pessoas foi abordado de uma maneira muito bonita aqui. Pessoas não binárias existem! Por mais que insistam que a binariedade é via de regra e que nos limitamos a homem e mulher, felizmente, isso não é verdade, porque somos extremamente plurais. E gênero, assim como sexualidade, transita em espectros amplos. Então, nessa temporada teremos boas discussões sobre visibilidade, respeito, dificuldades e direitos. Um aulão e tanto.
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4. Nunca é tarde pra buscar o que te dá prazer (não sexual) e ter uma vida mais leve
É difícil quebrar um ciclo de repressão e violência. Se uma pessoa cresceu sendo ensinada que amor era sinônimo de sacrifício e dor, provavelmente ela vai repetir isso na sua própria família. E é necessário muita coragem e vontade de se redescobrir pra conseguir fazer diferente. Nessa temporada, vimos como aprender a cuidar de si é um passo importante pra saber cuidar de quem amamos. Descobrir o que te dá prazer – seja cozinhar, escrever, fazer alguma atividade física ou encontrar um hobby – também é uma forma de se aproximar das levezas e delícias de ser. Buscar afeto dentro de si pode ser um bom jeito de conseguir compartilhá-lo.
5. Não é incomum o luto alterar a libido
Acredito que foi a primeira vez que eu vi a junção desses dois assuntos, que são grandes tabus, tratados juntos numa conversa tão humana dentro de uma série. Às vezes acontece, sim, de a gente preferir distrair a tristeza com outros sentimentos, e isso inclui até excitação e euforia. Esse é um ponto sabiamente ativado por Otis, o qual ele chama de “mecanismo de enfrentamento”. Cada um possui seu próprio tempo pra assimilar o luto, seja ele qual for, e precisa do seu espaço pra saber como lidar com ele. Afinal, sentimentos são complexos, e disso não temos como discordar.
6. Reprimir os jovens só piora a situação
Um dos outros pontos fortes dessa temporada foi a abordagem sobre a repressão como via de “controle” dos jovens e, bem, nem preciso dizer que esse é o tipo de coisa que não funciona. Cortar formas de se expressar, de identidade e as vozes desses indivíduos em desenvolvimento pode gerar sequelas graves pra vida adulta. O mais importante nessa etapa da vida é se sentir seguro pra dividir os anseios e saber que pode tirar as dúvidas com os mais velhos. Acolhimento e amparo são as atitudes e palavras-chaves, nunca o contrário.
7. Nem abstinência nem pornografia
Flutuamos ali pelos dois extremos, seja ouvindo os piores conselhos do mundo que o tal “Sex King” tirava da pornografia, seja com as aulas de educação sexual de abstinência promovidas pela diretoria da escola. E, mais uma vez, duas coisas que simplesmente não funcionam. Já é comprovado que países com uma educação sexual inclusiva e honesta possuem
uma taxa menor de gravidez indesejada na adolescência e de contração de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis). Como escutei de um professor uma vez: “Focar apenas em ‘perigos do sexo’ durante uma aula de educação sexual é como focar apenas em salmonella durante uma aula de culinária”. Aterrorizar os jovens sobre sexualidade, em vez de trazer luz pro assunto, pode ser perigosíssimo. E é bem nessas horas de falta de informação que a pornografia entra, ensinando o que não existe e trazendo uma ficção muitas vezes violenta, e não prazerosa ou consentida.
Aprender sobre coisas importantes com toques de humor e um enredo gostoso de acompanhar é uma coisa que torço pra deixar de ser raridade. Quisera eu ter tido acesso à séries do tipo ali na época do ensino médio. Com certeza as coisas teriam sido bem diferentes. Mas cresce aquela esperança toda vez que percebo que a conversa sobre sexualidade se amplia e alcança novos públicos, principalmente os que estão entrando agora nesse mundo das descobertas sexuais. Que a gente siga aprendendo, dialogando e construindo novas relações saudáveis com os outros e nós mesmos. E aí, teve mais algum ponto que te tocou na série e eu não abordei aqui? Então, me conta? Vou adorar saber e conversar sobre. Um beijo e até o próximo Prazer sem Dúvidas.
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