Sobre amores e vibradores

Sex toys não vieram para concorrer com sua vida afetiva. Lembre-se: não podemos humanizar objetos e nem objetificar seres humanos.


origin 781



Medos rondam nossa sexualidade e nossos corpos desde sempre. Estudando e conversando com pessoas de gêneros diferentes, é fácil perceber que alguns medos se encontram, mas outros vêm de realidades e contextos tão singulares, dentro de recortes tão específicos, que muitas vezes o outro nem conseguiria entendê-los, justamente por nunca ter chegado minimamente perto dessa experiência. Nisso, a educação sexual pode ser um ótimo aliado contra alguns temores específicos, já que informação e amparo fazem parte dessa jornada. Com a informação, conseguimos enxergar de maneira mais objetiva, e muitas vezes isso é o que transforma bichos-de-sete-cabeças em pequenos seres dóceis. Já com o amparo, sabemos que não estamos sozinhos nesse mundo, e isso faz toda a diferença.

Sempre que eu abro a caixinha de perguntas para responder dúvidas dos leitores, o que me aparecem são diferentes tipos de medos. Por isso, resolvi escolher um bem recorrente para ser sanado nesta coluna. Duas questões iguais vindo de dois ângulos diferentes: “E se eu gostar tanto do meu vibrador que nunca mais vou querer me relacionar de maneira íntima com alguém?” e “E se minha parceira me deixar de lado porque eu não consigo fazer o que o vibrador dela faz?”. O campo do “e se…” é um lugar perigoso de andar, mas vamos tentar entender de maneira racional quais são as chances reais desse tipo de coisa atravessar as nossas vidas.

Em primeiro lugar, o que precisamos saber é que vibrador não vicia. Essa é outra dúvida que acaba ficando lado a lado do medo acima: “e se eu viciar?” Bom, pois já fique sabendo que não vai. O máximo que pode acontecer é você se acostumar a se tocar de uma forma específica, e seu cérebro entender essa maneira como um atalho mais fácil e te direcionar para ela. Mas isso independe do vibrador. O que eu posso sugerir é: Sempre que estiver percebendo que o orgasmo só chega de uma única forma, se atente a mudar os estímulos, posições e ritmos. Isso funciona como uma reeducação corporal, e só o autoconhecimento vai te levar ao ponto de saber a hora certa de experimentar novas formas de sentir.

O segundo ponto: não podemos humanizar objetos e nem objetificar seres humanos. Vibradores foram feitos para… vibrar. É isso, a vibração é capaz de relaxar musculaturas, aliviar dores, ativar a circulação sanguínea e, sim, proporcionar diferentes tipos de prazer. Quem lembra daquelas cadeiras de massagem espalhadas por aeroportos e shoppings afora? A massagem ali é feita através da vibração. Faria sentido, então, achar que quem gosta dessas cadeiras jamais iria querer receber um cafuné, carinho ou até massagem das pessoas por quem ela nutre afeto ou desejo? Parece improvável, né?

Então, o mesmo raciocínio pode ser trazido para os nossos queridos objetos de prazer. Eles são muito divertidos e capazes de movimentos que nenhum ser humano vai conseguir reproduzir, mas isso não significa que sejam equiparáveis à potência que os encontros e os toques de uma outra pessoa possuem. Sex toys são ferramentas também utilizadas para um autoamor, um momento íntimo diferente, para uma conexão com os outros, mas não deve ser de forma alguma um limitador das experiências, pelo contrário.

A ideia do sex toy enquanto “consolo” de quem é mal amada ainda nos assombra, porque vivemos num mundo que acha que o pênis deveria ser a coisa mais importante da história. Crescemos ouvindo que, se uma mulher procura outras formas de buscar prazer, é porque ela está sem um homem ou o seu atual relacionamento não é bom o suficiente. Isso, além de irreal, é falocêntrico, heteronormativo e é sim uma forma de objetificar pessoas. Como educadora sexual, posso afirmar que somos considerados interessantes e nos relacionamos por milhões de motivos que não se resumem às nossas partes íntimas. É como demonstramos carinho, como dialogamos, como nos fazemos presentes, como construímos o nosso caráter, como nos portamos enquanto cidadãos e partes de uma comunidade. Enfim, se comparar a um vibrador, por mais tecnológico e multifuncional que ele seja, me parece pequeno e mesquinho.

Terceiro e último ponto: não trate seu aliado como inimigo. Um erro frequente é achar que esses pequenos objetos inofensivos estão ali para destruir sua vida amorosa, ao invés de se dar conta de um fato importante: eles existem apenas para proporcionar momentos ainda mais gostosos. Sabe o bicho-de-sete-cabeças que, na verdade, é um pequeno ser dócil, que falei no início? Esse é um caso. Use a tecnologia a seu favor, e a favor de quem mais você achar que merece, e um mágico – mas ainda humano – mundo de possibilidades se abre. Esse é o futuro e, para que seja equilibrado no meio de tantas novidades, basta seguir com o coração aberto e sem nenhum medo de ser feliz.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes