Com a ajuda da escritora Audre Lorde, a filósofa Djamila Ribeiro explica por que esses dois conceitos são completamente distintos e a importância de se fazer esse discernimento.
05 de May de 2021
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Olá, pessoal, tudo bem? Espero que sim! Aqui, na nossa coluna pra ELLE eu vou falar um pouco sobre o erótico. Na verdade, como o erótico foi suprimido pra ser confundido com o pornográfico, segundo nos ensina Audre Lorde. Vai ser ela a autora base dessa nossa conversa hoje. Eu vou citar alguns trechos do trabalho dela,
O erótico como poder.
Bom, vamos lá a uma citação: "O erótico não é sobre o que fazemos, mas sobre o quão penetrante e inteiramente nós podemos sentir durante o fazer. E, uma vez que saibamos o tamanho de nossa capacidade de sentir esse senso de satisfação e realização, podemos, então, observar qual de nossos afãs vitais nos coloca mais perto dessa plenitude". Acho muito bonita essa citação de Audre Lorde, que faz a gente entender que o erótico é uma força vital. Não está ligado necessariamente só ao sexo. Também. Mas é algo nos expande, é algo que nos faz buscar a plenitude. E como em nossa sociedade, infelizmente, o erótico foi confundido com o pornográfico – que Audre Lorde vai dizer que esse pornográfico é aquilo que é automatizado, mecanizado, que suprime a autonomia da mulher –, a gente acaba tendo uma grande dificuldade em diferenciar as duas coisas.
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Então, pra Lorde, o erótico nos leva à plenitude, à gente se pensar como sujeitos autônomos. E já o pornográfico, não: ele coloca a mulher num lugar de submissão, ligando a mulher, automatizando o prazer, e fazendo com que a gente, muitas vezes, viva uma vida em que tenha que seguir padrões que foram construídos pro consumo masculino.
Num outro trecho, ela vai dizer o seguinte: "O medo de que não vamos dar conta de crescer além de quaisquer distorções que possamos achar em nós mesmas é o que nos mantêm dóceis, leais e obedientes, definidas pelo que vem de fora e que nos leva a aceitar muitos aspectos da opressão que sofremos por sermos mulheres". Então, não é uma questão, como muitas vezes as pessoas vão colocar, de a gente criticar o nu, por exemplo, pelo sentido moral. Muitíssimo pelo contrário. Mas, sim, de pensar o seu uso político. Por exemplo, o nu gordo, o nu que foge dos padrões excludentes, ele não é exaltado. Muito pelo contrário: é colocado num lugar de ridicularização, de menos oportunidades.
Essa diferenciação que Audre Lorde está fazendo do erótico e do pornográfico é fundamental pra gente entender, que o erótico, por exemplo, ela vai dizer, é quando a gente faz e também tem energia para desempenhar algo que a gente goste. Então, ela fala que não é uma questão de nos vermos como uma coisa só. Ela fala: "Por que uma pessoa (ela até dá o exemplo), uma traficante de armas não pode ser uma poeta?" A gente tende a ver as pessoas por essa lógica pornográfica como uma coisa só, por uma lógica do uso e não com uma lógica muito mais abrangente.
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Em outro trecho, ela vai dizer o seguinte: "O erótico é um lugar entre a incipiente consciência de nosso próprio ser e o caos de nossos sentimentos mais fortes. É um senso íntimo de satisfação ao qual, uma vez que o tenhamos vivido, sabemos que podemos almejar. Porque uma vez tendo vivido a completude dessa profundidade de sentimento e reconhecido seu poder, não podemos, por nossa honra e respeito próprio, exigir menos que isso de nós mesmos.
Então, acho que é uma citação incrível pra gente terminar a nossa conversa hoje. Mas acho que é pra gente entender essa diferença: não é uma questão moral, muito pelo contrário. Mas, quando a gente confunde essas duas dimensões, a gente acaba retirando de nós mesmas essa potência de nos vermos como sujeitos. O pornográfico reduz a mulher a uma lógica de padrão masculino de consumo, suprime esse erótico, retirando a autonomia da mulher e faz com que a gente, muitas vezes, nos violente pra atender a padrões inalcançáveis, com que a gente rivalize com outras mulheres, não entendendo qual é o nosso papel nesse mundo. Mas, sobretudo, nos deixando dóceis e leais, como diz a Audre Lorde. Por isso que eu acho que é tão importante a gente entender o erótico como essa força vital e recusar a sua confusão com a pornografia, porque é isso que nos retira o direito de buscar nossa plenitude.
Quando falamos de cultura do estupro, estamos falando que, sim, fomos nós que construímos isso e é nosso dever desconstruir e não aceitar esses comportamentos como naturais.
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