Cinco fatos sobre Chimamanda Ngozi Adichie

A autora nigeriana, que ajudou jogar luz sobre uma geração de escritores africanos, lança Notas sobre o luto, sobre a perda do pai.


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Foto: Divulgação/Manny Jefferson



“Minha filha de 4 anos diz que eu a assustei. Ela se ajoelha no chão para demonstrar e sobe e desce no ar o punho cerrado, e por sua imitação posso ver como eu estava: inteiramente fora de mim, aos gritos, dando murros no chão. A notícia é como um desenraizamento cruel.”

Com estas palavras, Chimamanda Ngozi Adichie, 43, descreve o momento, em julho de 2020, em que soube pelo irmão que o pai de ambos, James, havia morrido. Em Notas sobre o luto, lançado recentemente pela Companhia das Letras, a escritora aborda um tema que a pandemia aproximou ainda mais de todos nós, como o título sugere: o luto. Enquanto o livro fala da morte de James, neste ano, Chimamanda perdeu a mãe, Grace — em 1º de março, aniversário do pai.

Se há algo que Chimamanda faz com excelência é expressar na escrita, por meio da ficção ou da memória literária, experiências pessoais que, para além do íntimo, dialogam com a cultura em que vivemos.

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Foto: Divulgação

“O riso faz parte do luto. O riso está profundamente entranhado no linguajar da nossa família, e nós agora rimos ao lembrar do meu pai, mas em algum lugar por trás desse riso existe uma névoa de incredulidade. O riso vai se apagando. O riso se transforma em choro, que se transforma em tristeza, que se transforma em raiva. Estou despreparada para a raiva descomunal e avassaladora que sinto”, ela escreve.

Embora seja mais conhecida por escrever ficção, Chimamanda é uma prolífica autora de não ficção. Em Notas sobre o luto, ela fala sobre a perda do pai, de quem era inseparável, quando estava distante dele há muito tempo por causa da pandemia, o que foi devastador para a autora. “Uma coisa dessas, temida durante tanto tempo, finalmente chega, e na avalanche de emoções vem também um alívio amargo e insuportável”, escreveu. “Esse alívio se torna uma forma de agressão, e traz consigo pensamentos estranhamente insistentes. Inimigos, atenção: o pior aconteceu. Meu pai se foi. Minha loucura agora vai se revelar.” Outros textos de não ficção de Chimamanda já foram publicados nas revistas New Yorker e Granta.

Quem é: Chimamanda Ngozi Adichie nasceu em 1977, na cidade de Enugu, Nigéria. A escritora é uma das vozes de maior destaque da cultura do país e da literatura contemporânea em língua inglesa. O sucesso de títulos da autora como Americanah (2014), Hibisco roxo (2011)e Notas sobre o luto (2021), vai muito além do feminismo: segundo o The Times Literary Supplement, o fenômeno que Chimamanda representa chamou atenção para toda uma geração de escritores africanos da atualidade.

A seguir, cinco fatos sobre a escritora:

Infância e guerra civil: filha de James Nwoye Adichie (1932–2020) e Grace Ifeoma (1942–2021) e irmã de Ijeoma, Uche, Chuks, Okey e Kene, Chimamanda relatou na revista New Yorker que teve uma infância feliz, mas à sombra da Guerra de Biafra, que terminou sete anos antes de a escritora nascer. A família dela perdeu no conflito os avós, que foram assassinados. “Eu não tive perdas materiais — tive bicicletas, bonecas, livros —, mas minha família foi marcada pela Guerra”, escreveu. “Em casa, meus pais falavam sobre isso rara e obliquamente; eu ouvi muitas histórias sobre a sabedoria e o senso de humor dos meus avós, mas poucas sobre como eles morreram. Eu me tornei assombrada pela história. Passei anos pesquisando e escrevendo Meio dol Amarelo [de 2006], um romance sobre relações humanas durante a guerra. Foi um projeto profundamente pessoal baseado em entrevistas com membros da minha família.”

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Foto: Divulgação

Choque cultural: a escritora deixou a Nigéria aos 19 anos para estudar comunicação e sociologia nos Estados Unidos. Foi quando aprendeu que ser negra naquele país é completamente diferente do que na Nigéria. Em entrevista à NPR, Chimamanda contou que, no país africano, não ensinam nas escolas sobre a escravidão transatlântica. “Raça é uma construção e tanto, porque você tem de aprender o que significa ser negro nos EUA”, disse. A experiência inspirou o bem-humorado Americanah (2014), o terceiro romance de sua carreira. No enredo, a protagonista, Ifemelu, deixa a Nigéria para estudar nos EUA, o que a força a aprender sobre racismo; anos depois, ela retorna ao país de origem, que está diferente após o fim de uma ditadura militar, e sente-se deslocada. O termo nigeriano “americanah” refere-se a alguém que retorna à Nigéria com “afetações americanas” depois de viver nos EUA. “É frequentemente usado no contexto de zombaria gentil”, disse Chimamanda à NPR.

Beyoncé e a TED “talk” que mudou tudo: em 2012, Chimamanda fez sua segunda participação no circuito de palestras TED, em Londres, com a emblemática “Todos devemos ser feministas”, que foi adaptada para um ensaio publicado em livro. Beyoncé usou trechos da “talk” na música “Flawless”, lançada no ano seguinte, o que gerou imensa curiosidade em torno do trabalho de Chimamanda. Em entrevista ao jornal holandês De Volkskrant, em 2016, a escritora elogiou a pop star pela iniciativa de levantar uma discussão sobre igualdade de gênero, mas demonstrou ficar desapontada com a percepção de que ela deve ser grata à cantora pela visibilidade que a música lhe trouxe. Chimamanda disse também não se identificar com o “tipo de feminismo” que Beyoncé representa, que dá “bastante espaço à necessidade de homens”. “Mulheres são condicionadas a relacionar tudo a homens”, disse. Pela colaboração com Beyoncé, Chimamanda foi indicada ao Grammy na categoria de álbum do ano.

“Chimamanda talks”: as falas de Chimamanda no TED fazem enorme sucesso. A primeira, “O perigo da história única”, de 2009, tornou-se uma das dez mais vistas do evento, com mais de 27 milhões de visualizações. Na “talk”, a escritora aborda a pluralidade de pontos de vista em histórias como uma ferramenta importante para entendermos a cultura de maneira ampla. “[Quando criança,] tudo que eu havia lido eram livros nos quais as personagens eram estrangeiras. Eu me convenci de que os livros tinham de ser estrangeiros e sobre coisas com as quais eu não podia me identificar. Bem, as coisas mudaram quando eu descobri os livros africanos”, falou à plateia. “Percebi que pessoas como eu, meninas com a pele da cor de chocolate, cujos cabelos crespos não poderiam formar rabos-de-cavalo, também podiam existir na literatura. Comecei a escrever sobre coisas que eu reconhecia.” Ela também já falou, sempre bem-humorada e politizada, a universitários nas instituições Wellesley College, Williams College, Harvard e Yale. “Já sabia [quando jovem] que o mundo não estende a mulheres as várias pequenas cortesias que estende aos homens. Também já sabia que vitimização não é uma virtude, que ser discriminada não faz de você, de alguma maneira, moralmente melhor [que o outro]“, disse aos estudantes de Wellesley. “Sabia que homens não eram inerentemente maus ou cruéis, mas meramente privilegiados. É da natureza do privilégio cegar.”


Acadêmica e premiada: além de formar-se em comunicação e sociologia, em 2001, com a distinção summa cum laude pela Eastern Connecticut State University, Chiamamanda é mestre em escrita criativa pela prestigiada Johns Hopkins University (2003) e em estudos da África por Yale (2008). A mesma universidade concedeu à autora o título Honoris causa em 2019. Os reconhecimentos da escritora também se estendem à literatura: além dos frequentes elogios da crítica especializada, ela venceu a condecoração O. Henry pelo conto “The American Embassy” e foi indicada aos prêmios Orange e Booker por Hibisco roxo. Meio sol amarelo lhe valeu uma indicação ao National Book Critics Circle Award e o prêmio PEN Beyond Margins, da associação PEN America. Em 2008, ela foi uma das escolhidas para a MacArthur, a “bolsa dos gênios”, que dá suporte financeiro a nomes proeminentes de diferentes áreas. A organização National Book Critics Circle a reconheceu com o prêmio de ficção por Americanah. Em 2017, ela foi eleita para uma cadeira na American Academy of Arts and Letters.

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