Arte em SP: Gran Fury, George Love e Lygia Clark

Exposições no Masp, no MAM e na Pinacoteca resgatam as trajetórias do coletivo, do fotógrafo e da artista.


Obra do coletivo estadunidense Gran Fury
Obra do coletivo estadunidense Gran Fury Foto: Divulgação/Masp



O que a artista brasileira Lygia Clark possui em comum com o fotógrafo estadunidense George Love e o coletivo Gran Gury, que atuou nos Estados Unidos nas décadas de 1980 e 1990? Por meios distintos – da criação de objetos e instalações a imagens da Amazônia e campanhas gráficas sobre a epidemia da Aids – os três questionam, cada um a sua maneira, o papel da arte na sociedade. Conheça a seguir as exposições em torno das obras dos três:   

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Kissing Doesn’t Kill (ver.1) (Beijar não mata, versão 1), 1989-1990 Foto: Divulgação/Masp

Gran Fury: arte não é o bastante, no Masp

“O que pode a arte durante a pandemia?”, é o que pergunta o curador André Mesquita no catálogo da mostra dedicada ao Gran Fury, um grupo de ativistas que atuou em Nova York nas décadas de 1980 e 1990 com o objetivo de denunciar o descaso do governo estadunidense com a epidemia da aids. À época, a resposta do coletivo sobre a dimensão social da arte foi um cartaz com a declaração de que “com 42 mil mortos, arte não é o bastante”, seguida de um convite para que todos se engajassem em uma ação direta para acabar com a crise de saúde.

Neste ano em que o MASP se dedica a contar as histórias da diversidade LGBTQIA+, com uma série de exposições relacionadas à temática ao longo de 2024, a provocação de Gran Fury funciona como uma crítica ampliada à autonomia da arte, questionando tanto o papel das instituições culturais como dos artistas. 

No início de sua atuação, o grupo se recusou a participar de mostras institucionais e ter seus trabalhos expostos em museus ou galerias, e sua primeira inserção dentro do circuito artístico foi um tanto polêmica. Durante mostra coletiva dedicada a artistas emergentes na Bienal de Veneza, em 1990, o coletivo levou o trabalho The pope and the penis (O papa e o pênis), no qual questionava  a posição da Igreja católica ao condenar o uso de preservativos. No Masp, será possível ver não apenas a reprodução do trabalho e da capa do jornal La Nuova Venezia, que tratou do “escândalo na Biennale”, como registros fotográficos da montagem na Bienal.

Em sua trajetória, o Gran Fury produziu uma infinidade de intervenções públicas e campanhas gráficas – de cartazes a fotografias e comerciais de televisão. Só no Masp, são 76 peças que mostram como a arte pode ocupar um papel decisivo dentro do ativismo social. É uma exposição, como Mesquita acentua no catálogo, que “traz a possibilidade de olharmos para um passado não tão distante para interrogar o presente, para refletir sobre o avanço desses movimentos, sobre o que mudou a partir de então e o que ainda resta transformar, enfrentar e resistir”. 

Até 9/6, no Masp

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Monte Roraima, do livro Amazônia, obra em conjunto com Claudia Andujar publicada em 1978, foto registrada em 1974 Foto: Divulgação/MAM-SP

George Love: além do tempo, no MAM-SP

O fotógrafo estadunidense George Love (1937-1995), que chegou ao Brasil em 1966 a convite de Claudia Andujar, fez da Amazônia um de seus maiores temas. Nas décadas de 1970 e 1980, ele retornou diversas vezes para a região. As imagens aéreas que tirou de lá, apesar de serem em grande parte para a Revista Realidade (1966-1976), iam muito além do registro puramente documental, com uma linguagem que incorporava a abstração e o experimentalismo.

No trabalho que desenvolveu ao lado de Andujar, sua companheira até 1974 – e que culminou no fotolivro Amazônia (1978) –, os dois se dividiram em tarefas. Enquanto Andujar se dedicava ao contato com as comunidades indígenas, Love se detinha nas paisagens.

Dessas incursões à região, financiadas muitas vezes com recursos próprios advindos de trabalhos publicitários, Love gostava de ressaltar a infinitude da Amazônia, algo, para ele, impossível de ser capturado pela câmera, mas possível de ser sonhado. 

Não à toa, essas imagens são o grande destaque da exposição dedicada a ele no MAM São Paulo, com mais de 500 fotografias que demonstram, na opinião do curador-chefe do museu, Cauê Alves, “um olhar visionário e atual do artista para questões ambientais urgentes, em uma época em que a crise climática está cada vez mais evidente”.

Dentro da mostra, que está dividida em 20 núcleos e se concentra também entre os lugares que Love viveu no decorrer da sua carreira (Nova York, São Paulo e Rio de Janeiro), há espaço para aspectos menos conhecidos da obra do fotógrafo, como seu envolvimento com o Student Nonviolent Coordinating Committee, conhecido pela sigla SNCC. Ao lado desse grupo, formado em grande parte por estudantes negros que promoviam ações contra a segregação étnico-racial nos Estados Unidos, Love registrou inclusive a trajetória de líderes dos Panteras Negras, como Huey Newton. Já na seleção do MAM, construída em torno do acervo deixado pelo próprio fotógrafo ao cuidado de Zé De Boni, que assina a curadoria da exposição, estão fotografias de sua família e registros do bairro do Harlem em Nova York, onde o fotógrafo realizou um resgate de sua ancestralidade. 

De 1/3 a 12/5, no MAM.

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Lygia Clark com uma obra da série Bichos sob projeção da proposição Máscara abismo da série Objetos sensoriais Fotógrafo: Michel Desjardins. Arquivo Lygia Clark. Cortesia Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark, Rio de Janeiro

Lygia Clark: Projeto para um planeta, na Pinacoteca SP

Nome fundamental na história da arte brasileira, Lygia Clark (1920-1988) queria desmistificar o lugar da arte e do artista e se destacou por sua atuação no campo da arte terapia. Por meio de suas peças, ela propôs uma nova relação entre o corpo e o objeto, na qual o público não deveria apenas contemplar a criação artística, mas vivenciá-la em toda sua dimensão.

E é por esse motivo que sua retrospectiva na Pinacoteca, com curadoria de Ana Maria Maia e Pollyana Quintella, inicia seu percurso justamente com uma proposição que enfatiza a interação com o público. Na primeira sala da mostra, que reúne mais de 150 peças, estão réplicas da série Bichos, as esculturas criadas pela artista na década de 1960 que mudam de forma conforme o manuseio. Feitas a partir de placas de metais ligadas por dobradiças, elas permitem infinitas possibilidades de criação – as peças originais, inclusive, também estão na exposição, embora não sejam passíveis de manuseio em razão da preocupação com a sua conservação.   

A casa é o corpo, apresentada pela artista na Bienal de Veneza em 1968, é uma das obras que mostra de forma mais evidente a vontade de Lygia em diluir os limites entre a arte e a vida. A estrutura simula um útero de oito metros de comprimento que deve ser “penetrado” pelo visitante – ali dentro, diferentes situações sensoriais afetam, inclusive, o equilíbrio. 

A exposição parte do pressuposto, segundo Pollyana, de que não seria possível entender os experimentos radicais do fim da vida da artista sem trafegar por todo o itinerário por qual ela passou. Os experimentos radicais, no caso, incluem o método terapêutico chamado Estruturação do Self, por meio do qual a artista explorou a fronteira entre arte e clínica em sessões de terapia no seu apartamento do Rio de Janeiro. “Para a artista, pouco importava a forma do objeto, mas sim aquilo que ele mobiliza nas fantasias de quem o experimenta, seu potencial para deflagrar o encontro entre o real e o imaginário”, resume Pollyana em texto curatorial.

De 2/3 a 4/8, na Pinacoteca.

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