“Asteroid City” e os filmes essenciais de Wes Anderson

O estilo bem particular do diretor, que estreia seu novo longa no Brasil.


O diretor Wes Anderson ao lado de cenas de seus filmes.
Fotos: Divulgação



Com Wes Anderson, basta um quadro para saber que o filme é dele. O diretor estadunidense de 54 anos tem um universo todo particular, marcado pelas cores pastel, simetria, movimentos de câmera lineares, atuações com timing bastante específico. Não à toa, tem gente que vê seu jeitão nos lugares mais improváveis (a conta do Instagram @accidentallywesanderson rendeu até um livro), e ele virou febre no TikTok no primeiro semestre, com pessoas fazendo vídeos de suas atividades mais cotidianas no estilo do diretor. 

Mas a verdade é que, por mais visualmente atraentes que seus 11 longas-metragens sejam, Anderson trata de temas como famílias disfuncionais, as dores do crescimento e luto em suas obras.

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Wes Anderson no Festival de Cannes neste ano Foto: Lionel Hahn/Getty Images



E Asteroid City, seu mais recente longa-metragem, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (10.08), depois de disputar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em maio, é como um resumo de tudo isso, somado a algumas reflexões sobre o mundo em que vivemos e do artista refletindo sobre sua obra. A produção teve a maior bilheteria em um fim de semana para o cineasta nos Estados Unidos e rendeu US$ 46,7 milhões até agora. 

Filmado durante a pandemia, trata de uma cidade fictícia no sudoeste dos Estados Unidos, que recebe uma convenção de jovens gênios. Apesar de estar mergulhado nos símbolos visuais de seu país, Anderson filmou na Espanha – ele mora há anos na Europa.

Em setembro, exibe no Festival de Veneza The wonderful story of Henry Sugar, um curta-metragem baseado na obra de Roald Dahl, um dos seus ídolos. A produção estreia na Netflix em 13 de outubro.

A seguir, saiba quais os filmes que você tem de assistir para entender o universo bem particular do diretor:

Três é demais (1998)
Pense em um cineasta de personalidade, mesmo quando jovem. Em seu segundo longa, Anderson já exibe algumas de suas marcas, como a criação de um universo próprio, descolado do realismo, e o protagonista um tanto irritante, mas retratado com carinho em suas falhas. Max Fischer (Jason Schwartzman, primo de Sofia Coppola, em sua estreia como ator) é um adolescente que recebe um ultimato do diretor da escola (interpretado por Brian Cox, de Succession), por causa das notas ruins. Ele fica amigo de Herman Blume (Bill Murray), que é bem mais velho e pai de dois alunos da mesma escola. Mas se decepciona quando descobre que o bestie está interessado na professora Rosemary Cross (Olivia Williams), seu crush. A história conta com elementos autobiográficos de Anderson e de Owen Wilson, coroteirista e colega do diretor na universidade. Três é demais ganhou o Film Independent Spirit Awards, o Oscar indie, de direção e ator coadjuvante (para Bill Murray). É um dos únicos filmes de elenco enxuto dirigidos por Wes Anderson.

Os excêntricos Tenenbaums (2001)
Famílias disfuncionais? É pra já. Elas são um dos temas preferidos do cineasta. Neste caso, o ponto de partida foi justamente o divórcio dos pais, quando ele era criança – a mãe no filme, Etheline (Anjelica Huston), é arqueóloga como a sua. Aqui, o patriarca Royal (Gene Hackman) volta anos depois de abandonar os três filhos na adolescência. Chas (Ben Stiller), Margot (Gwyneth Paltrow) e Richie (Luke Wilson) foram crianças-prodígio que, adultos, estão perdidos na vida. O filme é dividido em capítulos, como em um livro, um recurso que Anderson utilizou outras vezes. O figurino composto por agasalhos vermelhos para Chas e seus filhos e casaco de pele ou vestidos de tenista para Margot viraram hit. E, embora a casa dos Tenenbaums pareça normal do lado de fora, é uma criação de Wes Anderson, com um mundo de cores estudadas e visual particular. O filme rendeu sua primeira indicação ao Oscar, pelo roteiro original, escrito mais um vez com Owen Wilson.

O fantástico Sr. Raposo (2009)
Depois de expandir sua visão em A vida aquática de Steve Zissou (2004), com Seu Jorge, e Viagem a Darjeeling (2007), que não foram tão bem recebidos, Anderson decidiu tentar a animação em stop-motion (com bonequinhos), a técnica ideal para quem quer exercer controle total sobre sua criação, já que tudo precisa ser concebido do zero. Em parceria com Noah Baumbach (coroteirista de Barbie e diretor de Ruído branco, de 2022), ele adaptou o livro de Roald Dahl. No filme, o Sr. Raposo (voz original de George Clooney), pai de família, recai em seus hábitos do passado, roubando frangos das fazendas vizinhas. É claro que isso causa uma tremenda confusão. Como em outras obras do cineasta, a trilha é de primeira, com a música original composta pelo francês Alexandre Desplat, e canções de Rolling Stones, The Beach Boys e uma nova de Jarvis Cocker. Em 2018, ele voltaria à animação stop-motion com Ilha dos cachorros. O fantástico Sr. Raposo concorreu aos Oscars de animação e trilha sonora.

O Grande Hotel Budapeste (2014)
Depois de fazer seu primeiro filme de época – Moonrise kingdom (2012) –, Anderson tomou gosto pela coisa. Desta vez, ele não inventou um mundo, como nas animações, mas um país: Zubrowka, que ficaria ali pelos lados da Alemanha e da Áustria. Em 1932, o mensageiro de lobby Zero (Tony Revolori) trabalha no Grande Hotel Budapeste, frequentado por ricos e famosos como a Madame D. (Tilda Swinton). Ela morre misteriosamente, e o concierge Gustave (Ralph Fiennes), seu amante, recebe um valioso quadro renascentista como herança. Gustave acaba preso, acusado de assassinato. Zero e sua noiva Agatha (Saoirse Ronan), que trabalha na doceria mais famosa do país, vão ajudá-lo. Dá para perceber que o mundo real invadiu o universo andersoniano: Zero, um refugiado, é ameaçado, enquanto o fascismo avança em Zubrowka. As preocupações com a realidade também aparecem em A crônica francesa (2021), uma defesa do jornalismo, e o novo Asteroid City, que foi feito durante a pandemia e fala de violência, militarização, opressão. O Grande Hotel Budapeste concorreu a nove Oscars e ganhou quatro (figurino, maquiagem e cabelo, trilha sonora e design de produção).

Asteroid city (2023)
Cadê o Bill Murray? A produção mais recente de Wes Anderson é a única sem o ator desde que trabalharam juntos pela primeira vez, em Três é demais. Murray pegou covid-19 e foi substituído na última hora por Steve Carell. Mas outros favoritos do diretor estão no elenco, como Jason Schwartzman, Edward Norton, Adrien Brody e Jeffrey Wright. Bryan Cranston e Scarlett Johansson, que tinham feito vozes em Ilha dos cachorros, entram oficialmente para a companhia, assim como os estreantes Tom Hanks e Maya Hawke (Stranger things). Schwartzman interpreta Augie Steenback, um fotógrafo que leva o filho adolescente Woodrow (Jake Ryan) a um acampamento científico para jovens gênios, no meio do deserto estadunidense. Lá, Woodrow encanta-se por Dinah (Grace Edwards), e Augie, pela mãe dela, a estrela de cinema Midge (Johansson). Coisas estranhas acontecem por ali, com um cogumelo de teste atômico ao fundo e a chegada de visitantes inesperados. Mas, acima de tudo, trata de luto e trauma. E o filme é na verdade uma peça dentro de um programa de televisão. É como se Anderson estivesse expondo as suas entranhas criativas para que todos entendam que as cores pastel, a simetria, os movimentos de câmera lineares, o estilo de atuação não são perfumaria. Eles são a essência de quem ele é como artista e pessoa.

 

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