bell hooks, a amada que amou

Referência para o feminismo negro, escritora deixa um legado forjado no amor revolucionário e na emancipação coletiva que perdurará até que este mundo seja outro.


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Foto: Getty Images



Abre-se a última página de tudo sobre o amor e está lá, na parte sobre a autora: ”bell hooks é uma das mais importantes intelectuais feministas da atualidade”. E hoje, 15.12, ela nos deixou. bell hooks, assim, em minúsculo mesmo, tinha 69 anos. Perdemos uma teórica essencial, uma escritora incrível, uma crítica poderosa. Uma mulher amorosa, abundante em amor, algo que podemos observar não só pela comoção que sua partida causa, mas também pelas suas palavras e posicionamentos que não escondiam seu afeto.

Seu nome de batismo é Gloria Jean Watkins. Nascida em Kentucky, no sul segregador dos Estados Unidos, no ano de 1952, ela escolheu o pseudônimo bell hooks em homenagem à bisavó, Bell Blair Hooks. Estudou literatura inglesa na Universidade de Stanford. Fez mestrado na Universidade de Wisconsin e doutorado na Universidade da Califórnia. Foi professora em Yale e na New School. É autora de uma penca de livros e obras que, ouso dizer, todo mundo deveria ler. Vão de literatura infantil à poesia e somam mais de 30 títulos. Aqui, cito alguns: Ensinando pensamento crítico: teoria prática; Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra; Olhares negros: raça e representação; Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade.

De forma particular, instigante e didática, bell discorre sobre gênero, raça, classe, educação, política e cultura com uma abordagem anticapitalista, antirracista e feminista. É arrebatadora. Penso que ela te sacode e impulsiona a ser uma pessoa mais crítica, mais revolucionária e também mais afetuosa. bell acolheu, lutou e é referência para uma enorme parte da comunidade negra, no Brasil e no mundo. Potencializou e embasou um pensamento feminista pautado em raça e classe. Ensinou sobre cuidado, afeto, emancipação, feminismos, direitos, vida abundante, pedagogia crítica, revolta, poder popular, solidariedade, libertação negra. É até clichê, embora verdadeiro, dizer que bell nos deixa, mas seu legado perdurará. Por isso, vale complementar: bell nos deixa, seu legado perdurará e isso soa como uma missão diária: arregaçar as mangas e construir um mundo novo, forjado em justiça e solidariedade. E fazer isso amando, para honrar a vida de uma das mulheres que mais amou e foi amada em nosso tempo.

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Obra tudo sobre o amor, de bell hooks. Reprodução Editora Elefante.

Conheci bell assim como muitas, buscando por teoria feminista. O primeiro livro que li foi o clássico o feminismo é para todo mundo. Neste ano, fiquei eufórica quando a Editora Elefante lançou a versão traduzida para o português de tudo sobre o amor. Sempre desejei aprender sobre o amor de forma crítica e com uma persperctiva feminista e revolucionária. Li o livro em doses, pois cada capítulo movia dias de debates internos, conversas com pessoas próximas e muita reflexão. Agora, sempre releio, sempre que preciso de um reencontro comigo mesma.

Nesta semana, estive revisitando o capítulo 11, ”perda: amar na vida e na morte”. bell fala sobre o luto e sobre como viver uma vida amorosa nos faz mais vivos, sem temer a morte ou morrer em vida. Talvez como conforto, guia ou chamado, deixo abaixo um trecho dessas páginas. Elas me fazem ter certeza que o amor de bell lhe honrou em vida, e vai continuar lhe honrando agora, no depois:

”Muitos de nós passam a amar a vida apenas quando confrontados com doenças que a colocam em risco. Com certeza, encarar a possibilidade da minha morte me deu coragem para olhar de frente a falta de amor em minha vida. Muitas obras contemporâneas visionárias sobre a morte e o morrer destacam o aprendizado de como amar. Amar permite que transformemos a nossa celebração da morte em uma celebração da vida. Em uma carta jamais enviada a um de meus amores verdadeiros, escrevi: ‘Durante o funeral da irmã, minha amiga fez um discurso do qual declarou: ‘Sua morte fez com que nós a amássemos completamente’. Somos muito mais capazes de abraçar a perda de pessoas íntimas que amamos ou de amigos quando sabemos que demos a eles tudo o que podíamos – quando compartilhamos com eles o reconhecimento mútuo e o pertencimento no amor que a morte jamais poderá mudar ou tirar de nós. A cada dia, sou grata por ter conhecido um amor que me permite aceitar a morte sem qualquer medo de incompletude ou falta, sem qualquer sensação de arrependimento irreversível. Esse foi um presente que você me deu. Eu o aprecio; nada muda o seu valor. Ele permanece precioso’. Amar faz isso. O amor nos empodera para viver plenamente e morrer bem. Então, a morte se torna não o fim da vida, mas uma parte dela”.

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