Cate Blanchett fala à ELLE sobre “Tár”

Uma das favoritas ao Oscar de melhor atriz por sua interpretação de uma maestrina controversa, australiana já levou o Globo de Ouro e o Critics Choice pelo papel.





Cate Blanchett tem grandes atuações em seu currículo, da rainha Elizabeth 1ª em Elizabeth (1998), que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar, à desequilibrada Jasmine em Blue Jasmine (2013), pela qual ganhou a sua segunda estatueta (a primeira foi com O Aviador, de 2004). Mas é bem provável que sua interpretação de Lydia Tár, em Tár, que estreia nesta quinta-feira (26.01) no Brasil, seja a melhor de sua carreira. Blanchett, que já foi eleita a melhor atriz no Festival de Veneza, no Critics Choice, no Globo de Ouro e em diversos prêmios das associações de críticos pela atuação, deve receber também seu terceiro Oscar na cerimônia, que acontece em 12 de março. 

Para interpretar a personagem fictícia, primeira maestrina da Orquestra Filarmônica de Berlim na trama, a atriz estudou piano, alemão e regência. Mesmo sendo Cate Blanchett, oito vezes indicada ao Oscar, ela teve dúvidas se daria conta. E Lydia Tár ajudou a superá-las. “Você pode pensar o que quiser dela, mas Lydia é destemida”, disse a atriz australiana em entrevista com a participação da ELLE, por videoconferência. “Não que ela não tenha medo de si mesma, de seu passado, de ser exposta. Mas ainda assim ela sobe no pódio e luta pelo que acredita. Essa ferocidade criativa me deu muita coragem.”

Lydia Tár é uma mulher difícil de gostar: exigente, narcisista, egoísta. Ela tem poder e o exerce, em geral de maneira tóxica, afetando quem está à sua volta, especialmente sua mulher, a violinista Sharon Goodnow (Nina Hoss, uma das maiores atrizes alemãs, do longa Bárbara, de 2012, e da série Homeland), a assistente Francesca (Noémie Merlant, de Retrato de uma jovem em chamas, de 2019) e a jovem violoncelista Olga (Sophie Kauer, musicista que faz sua estreia como atriz). Seu mundo aparentemente perfeito e controlado começa a sair dos eixos quando surgem denúncias de assédio sexual e abuso de poder de sua parte.

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Nina Hoss como Sharin Goodnow e Cate Blanchett como Lydia Tár Foto: Focus Features

“Lydia não teve muitos modelos de mulheres em sua posição. Ela se baseou em exemplos de maestros homens”, disse Blanchett. Mas ela também acredita que o poder pode corromper tanto homens quanto mulheres. “Nós frequentemente nos sentimos incomodados quando as mulheres exercem seu poder de maneira firme. Em geral, essas mulheres são vistas como pouco femininas ou difíceis de gostar”, afirmou a atriz.

Esse é um ponto controverso. Todos sabemos que há muitas denúncias de abuso sexual, incluindo no mundo da música clássica, e todos os acusados são homens. Em geral, brancos. Colocar uma mulher lésbica nessa posição tem gerado críticas a Tár, como da regente Marin Alsop, que se disse ofendida pelo longa, descrito por ela como “antimulher”. O diretor Todd Field explicou sua escolha. “Nós estamos acostumados aos homens se comportando mal porque ninguém mais exerceu o poder”, disse ele em outra entrevista com a participação da ELLE. “Mas estou interessado na questão do poder. E Lydia sendo mulher e lésbica permite uma abstração para que possamos nos engajar mais em examinar o poder e como ele funciona.”

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Sophie Kauer como Olga Metkina (à esquerda) e Cate Blanchett como Lydia Tár Foto: Focus Feature

Sophie Kauer acredita que a provocação funcionou. “Eu acho que, em vez de a gente revirar os olhos e dizer, ‘pronto, mais uma história sobre abuso de poder masculino’, o que seria previsível, a trama aqui é muito inesperada. E permite que o público veja o problema pelo que ele é.” Noémie Merlant concorda que Tár oferece uma perspectiva diferente, mas não acha que a raridade de denúncias de abuso de poder contra as mulheres tem a ver apenas com o fato de ocuparmos menos posições de poder. “Acho interessante, porém, mostrar mulheres em um mundo de homens, porque elas tiveram de lidar com muitas coisas, certamente, para chegar aonde estão.”

“Tár é incômodo porque provoca conversas que são raras de ter hoje em dia”

Merlant também acredita que não há relação entre tirania e genialidade, ou seja, o regente ou o cineasta não precisa ser ditador para alcançar o sublime na arte – outro tema discutido no filme. “Acho que rendemos muito mais quando há igualdade, respeito, espaço de criação, como o ambiente criado por Todd Field e Cate Blanchett no set.” A sua experiência filmando Tár foi tão boa que a atriz está terminando de escrever um roteiro com Céline Sciamma (diretora de Retrato de uma jovem em chamas) e pretende dirigi-lo em breve.

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Cate Blanchett Focus Features

O longa também discute a cultura do cancelamento e as divergências entre artistas mais velhos e os jovens sobre o que deve fazer parte da lista de obras-primas indiscutíveis. Em uma cena brilhante, um aluno não-branco diz para Lydia Tár que tem dificuldades de se relacionar com a obra de Bach, um homem branco, como quase todos os compositores do cânone da música clássica (e criadores de outras artes). Na sessão de imprensa de Tár no Festival de Veneza, onde o filme teve sua primeira exibição, houve quem risse, identificando-se com a bronca humilhante que Lydia dá no rapaz. Mas a verdade é que o filme traz mais nuances do que isso. Não há respostas diretas. Ninguém é bom ou mau, todos fazem parte do sistema. “As narrativas simples são mais fáceis de digerir”, disse Blanchett. “Tár é incômodo porque provoca conversas que são raras de ter hoje em dia.”

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