Cinco fatos sobre Lina Bo Bardi
Arquiteta ítalo-brasileira, que neste ano foi escolhida para receber um Leão de Ouro póstumo, ganha duas biografias.
Arquiteta, cenógrafa, curadora de exposições, professora, pintora, designer de móveis, criadora de revistas. Para dar conta dessas e de outras facetas de Lina Bo Bardi (1914-1992), a italiana que escolheu fazer do Brasil sua pátria-mãe (“um país inimaginável, onde tudo era possível”), são necessárias dezenas de biografias. Ambas resultado de anos de pesquisa, duas chegam às livrarias nesta sexta-feira, 7.5: Lina Bo Bardi – O que eu queria era ter história, de Zeuler R. Lima (Companhia das Letras), e Lina: Uma biografia, de Francesco Perrotta-Bosch (Todavia).
Os livrões (456 e 576 páginas, respectivamente) iluminam a trajetória e as proezas daquela que neste ano foi escolhida para receber um Leão de Ouro póstumo pelo conjunto de sua obra. A Bienal de Arquitetura de Veneza, principal evento mundial dessa disciplina, afirmou que a premiação reconhece uma mulher que “soube permanecer criativa, generosa e otimista o tempo inteiro”, apesar de guerras e conflitos políticos. “Em suas mãos, a arquitetura se torna verdadeiramente uma arte social”, dizia o comunicado.
A sede atual do Masp (Museu de Arte de São Paulo) é o grande cartão de visitas de Lina, mas ela também assinou projetos como os do Sesc Pompeia e do Teatro Oficina, na capital paulista, e o da recuperação do Solar do Unhão, em Salvador. Saiba (ou relembre) cinco fatos marcantes sobre essa personalidade decisiva da cultura brasileira na segunda metade do século 20.
Foto: Divulgação/Companhia das Letras
Ciao, Roma
Nascida Achilina di Enrico Bo, estudou desenho no Liceu de Artes da capital italiana, antes de se formar pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma. Em 1940, aos 26, achando o meio profissional local muito alinhado ao fascismo, Lina se mudou para Milão. Ali, fundou e dirigiu revistas, além de se aproximar do Partido Comunista – e, mais importante, da cultura popular. Ainda voltaria a respirar ares romanos antes de emigrar para o Brasil em 1946 com o marido, o historiador e crítico de arte Pietro Maria Bardi (1900-1999), que pouco depois seria convidado a dirigir o Masp.
Quando cheguei por aqui, eu tudo entendi
O carinho pela terra de adoção foi instantâneo. Ao chegar ao Rio de Janeiro, ainda capital, encantou-se pelo prédio do Ministério de Educação e Cultura (MEC), um “grande navio branco e azul” a avançar contra o céu. Guardou para si aquela vista como uma “primeira mensagem de paz após o dilúvio da Segunda Guerra”. Nos anos posteriores, descobriu o esplendor do artesanato brasileiro – a seus olhos totalmente singular – e levou essas influências para o design de móveis. Em 1957, projetou a nova sede do Masp, um colosso de concreto atravessado por uma praça-mirante. O prédio seria inaugurado mais de dez anos depois. Os famosos cavaletes de cristal com pés de concreto usados para exibir a coleção do museu também levariam sua assinatura. Antes, ela já criara a Casa de Vidro, no Morumbi, com uma monumental fachada translúcida sustentada por pilares. Marco da arquitetura modernista, a construção serviu de residência ao casal Bardi por mais de quatro décadas e hoje abriga o instituto que conserva e divulga o acervo da família.
Foto: Divulgação/Todavia
Que saudade eu tenho da Bahia
Salvador representa um capítulo à parte na relação de Lina com o Brasil. Ali, ela enxerga um país que não tem vergonha de ser popular, que é mais autêntico do que o Sudeste por não se achar na obrigação de macaquear a Europa ou os EUA. Chamada no fim dos anos 1950 para dirigir o Museu da Arte Moderna (MAM) da Bahia, a arquiteta vai além, comandando o restauro do Solar do Unhão, antigo complexo agroindustrial que acabará abrigando a nova sede da instituição cultural. Na temporada soteropolitana, que se estende até meados da década de 1960, Lina ajuda a engrossar um caldo artístico que tem Glauber Rocha, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Pierre Verger, o etnólogo e fotógrafo francês. Ela reencontra a baía de Todos os Santos pouco mais de 20 anos depois, quando é convidada a contribuir para o processo de revitalização do Pelourinho.
Teatro-sambódromo
Uma das realizações mais impressionantes da arquiteta no Brasil é a sede atual do Teatro Oficina, o grupo histórico liderado por José Celso Martinez Corrêa. Desenhado na metade dos anos 1980 com a colaboração de Edson Elito, o croqui sairia do papel só na década seguinte. Trata-se de uma “caixa cênica” retangular, nos moldes de uma passarela, de um sambódromo ou simplesmente de uma “rua cultural”. O público se divide por três níveis de estruturas que lembram andaimes. Em 2015, o jornal inglês The Guardian apontou o Oficina como dono do melhor projeto arquitetônico do mundo para um teatro. Nas artes cênicas, Lina também assinou cenários (e às vezes também figurinos) de montagens de textos de Bertolt Brecht e Albert Camus. No cinema, cuidou da direção de arte de pelo menos dois filmes.
Lina, na construção do MaspFoto: Divulgação/Lew Parrella/Instituto Bardi-Casa de Vidro
Beleza roubada
Em projetos como os do Masp ou do Sesc Pompeia (uma antiga fábrica de tambores convertida na virada dos anos 1970 para os 1980 em centro cultural), Lina disse ter mirado propositadamente a feiura, a desarmonia. Ela buscava cada vez mais simplificar a gramática arquitetônica, limpá-la de ornamentos e penduricalhos, daí a presença ostensiva do concreto. Por isso, chegou a falar em “arquitetura pobre”. O que importava era criar espaços versáteis, que o público e seus hábitos pudessem reimaginar. Do mesmo jeito, as célebres cadeiras ergonomicamente calamitosas do teatro do centro cultural visavam estimular uma postura ativa, atenta do espectador, que afinal não estava no sofá de casa para se refestelar.
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