Clique no play e sonhe junto com as crianças de Salvador
Em FUTURO, o fotógrafo e cineasta Renan Benedito reencontra sua infância e ouve "desejos-profecias" de meninas e meninos de 4 a 13 anos.
Este vídeo faz parte do ELLE Stories, uma curadoria de vídeos, filmes e documentários inéditos feita pela equipe da ELLE Brasil, que você confere primeiro aqui, no nosso site.
Renan Benedito cresceu na era da imagem digital, mas as lembranças afetivas que tem da fotografia são à moda antiga: “Minha mãe adorava imprimir fotos, fazer quadros. Eu achava fantástico ver uma cena fotografada impressa no papel”, conta o fotógrafo e cineasta de 23 anos. Quando adolescente, Renan fotografou um acampamento da sua igreja e outros eventos religiosos. Vislumbrou aí um caminho e, depois de ingressar brevemente em uma agência, tentou carreira solo. Daí vieram as fotografias de casamentos luxuosos. Mas a realidade desses ambientes era bem diferente daquela que Renan imaginava. “Fiquei muito frustrado. Acabei desistindo depois de sofrer situações de racismo horríveis, e a desigualdade social também era escancarada. Achei que aquilo não era pra mim, pensava que eu não tinha talento. Mas não era isso, eu só não tinha oportunidades.”
A fotografia parecia mais um plano a ser esquecido, assim como o sonho que ele tinha de ser jogador de futebol – chegou a jogar em outros Estados e em campeonatos intermunicipais, mas a carreira com a bola não decolou e ele desistiu dela aos 19 anos. A câmera, por sua vez, ficou guardada até o dia em que Renan viu crianças brincando com a água de uma mangueira. A leveza, a diversão e a presença infantil fizeram com que ele se lembrasse dele mesmo, anos atrás, quando estava nos mesmos becos e ruas do bairro Lobato, em Salvador, na Bahia, onde nasceu e cresceu. “Lembrei da minha infância e ali, naquele momento, consegui restaurar minha fotografia.” Sua paixão voltou ao reencontrar seu passado. Foi publicando os cliques nas redes e, com o apoio dos amigos pedindo mais fotos, aos poucos, o trabalho deslanchou.
O vídeo FUTURO, um dos trabalhos apresentados na capa da primeira edição da ELLE View, que você também pode assistir aqui, no ELLE Stories, carrega essa identidade de Renan. As crianças que aparecem contando seus sonhos são suas vizinhas, também filhas de amigos próximos. “É uma vivência de muitos anos. Já vi crianças nascerem e hoje elas brincam na rua, aparecem na minha foto”, conta ele. Os frames foram gravados de janeiro a julho deste ano, muitos feitos antes da pandemia de Covid-19: meninos e meninas brincam na praia, entram no mar, estão em grupos. Alguns dos áudios que percorrem o vídeo foram gravados por ele, outros foram enviados pelas famílias da garotada via WhatsApp. “Vejo que as crianças hoje sonham muito pouco. Digo isso porque eu sonhava muito. Queria saber quais eram os sonhos delas”, descreve. A fala de Renan pelo telefone é leve e emocionada ao contar sobre os momentos que passou com sua comunidade. O valor de estar junto e de ver os seus poderem sonhar é, para ele, inestimável.
“O Tássio sonha em ter uma casa confortável, e eu sei o que ele está falando, eu fui essa criança. Ele está simplesmente falando de uma casa que não entre água, que seja segura.”
Entre os desejos das crianças, misturam-se fantasia e realidade (já que a distinção não existe nesse universo), conquistas simples e complexas ao mesmo tempo: “ir para a Disney”, como conta Clarinha, “o fim da pandemia”, “ser uma grande confeiteira, ter o meu próprio negócio”, descreve Eloá. O empoderamento das meninas é forte no vídeo. Ao mesmo tempo, as diferenças de um país marcado pela desigualdade se faz presente em falas comuns. “Clarinha tinha muita vergonha de ter o sonho de ir para a Disney, ela achou que era vergonhoso. Quando ela falou isso, na verdade, eu me emocionei, porque é o sonho de muitas crianças. Nossas casas são apertadas, moramos em becos. O Tássio sonha em ter uma casa confortável, e eu sei o que ele está falando, eu fui essa criança. Ele está simplesmente falando de uma casa que não entre água, que seja segura”, afirma Renan.
Para o fotógrafo, as palavras das crianças têm um aspecto mágico, profético, que existe nos adultos, mas que precisa ser resgatado — e sempre incentivado nos pequenos. “Tenho saudades de quando fui criança. Hoje tenho a percepção de todas as oportunidades que eu e outras pessoas próximas não tivemos. Amigos que entraram no tráfico [de drogas]. Tento induzir quem está ao meu redor a ver outros caminhos, outras possibilidades.”
É por isso também que seu trabalho exibe uma narrativa além da comumente encontrada na mídia quando se fala de crianças e adolescentes negros: a trágica violência normalizada é transformada em sorrisos, abraços e sonhos. Renan descreve: “Gosto de trazer sempre a esperança, a alegria, a felicidade. As imagens são para afirmar algo que não pode ser abandonado e que é necessário para seguir e realizar os sonhos. Carinho, presença, brincadeira: tudo isso é um combustível.”
O fotógrafo e cineasta define seu trabalho como simples e objetivo e se inspira na frase, atribuída a Leonardo da Vinci, que define a simplicidade como o último grau da sofisticação. “Ver essas crianças falando esses sonhos, tudo isso de forma simples, é uma energia imensa”, diz Renan. Ou, como ele resume na hashtag com que costuma marcar suas fotos, #simplesimenso.
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