Jão: como não amar?
Cantando o desabafo de quem não controla o coração, Jão se tornou um fenômeno, reunindo uma legião de românticos que esgotam seus shows pelo país.
Esta reportagem foi publicada originalmente no Volume 01 da ELLE Men, em julho de 2022.
Jão, 27 anos, diz, brincando, que estava morando nos Estúdios Globo para gravar todos os programas da emissora para os quais é convidado, antes desta sessão de fotos, em que homenageia Elvis Presley. A vida, agora, é a correria entre Rio de Janeiro e São Paulo. E, nos fins de semana, entre os shows que acontecem em outros estados. “É uma loucura, porque vou dormir às 4 da manhã e acordo às 8”, conta. Ficou cada vez mais raro jogar vôlei com os amigos, descansar com seus três gatos ou passar horas no videogame.
No lugar do dolce far niente, ele coleciona números impressionantes. São 3 milhões de ouvintes mensais só no Spotify (para efeito de comparação, Roberto Carlos tem 4 milhões) e 500 milhões de views em seu canal do YouTube. Com o álbum mais recente, Pirata (2021), só nas primeiras 24 horas de lançamento, 4,9 milhões de plays foram dados. Isso sem falar da turnê com ingressos esgotados e datas adicionais. Em uma única casa de shows em São Paulo, foram necessárias quatro apresentações extras.
João Vitor Romania Balbino, ou Jão, começou a tocar teclado e violão na infância, em Américo Brasiliense (SP). Há uma década, cruzou os 280 km que separam a sua cidade natal da capital paulista para estudar publicidade na Universidade de São Paulo (USP). Enquanto morava num quarto, que era também a sala de uma república, sonhava que uma gravadora o encontrasse e mudasse seu caminho para a música. Foi necessário, porém, que ele mesmo redirecionasse o próprio destino.
Hoje, à frente de shows lúdicos, com direito a um carro suspenso no palco, um navio cenográfico ou um polvo inflável de 18 m, com tentáculos abraçando a banda, Jão conquista um público que canta, em coro, suas letras. Se apenas os bobos se apaixonam, como um dia cantou Elvis, Jão encontrou uma legião de fãs orgulhosos em serem tolos ao amar. No próximo mês, seu show chega à Europa e, em setembro, ele estreia no palco do Rock in Rio. Antes, Jão conversou com a ELLE Men.
Jão na capa do Volume 01 da ELLE Men. Clique na imagem para comprar seu exemplar. Foto: Hick Duarte
O que você mais lembra de Américo Brasiliense?
Morava a um quarteirão das minhas avós. Minha infância foi a pé, e a vida corria mais devagar. Eu e minha irmã (um ano mais velha) fomos criados quase como gêmeos, cantando em dupla. Ela decidiu não seguir a carreira artística e eu fui o otário que persistiu. Eu era mais introspectivo, a criança estranha. Brincava, mas também me trancava para ouvir música. E os meus pais me apoiaram. Eles fizeram de tudo para que eu tivesse acesso à música. Mas não havia nada além daquilo que precisávamos ter, não existia luxo. Eles se mataram para que as coisas acontecessem.
O que você ouvia?
As músicas das Chiquititas, das novelas da Globo e de cantores sertanejos, como Sérgio Reis e Leandro e Leonardo. Basicamente, o que vinha da televisão.
Você se mudou para São Paulo para estudar em uma das mais prestigiadas universidades do mundo. Como foi esse momento?
Quem vem do interior sabe que em determinado momento a cidade te expulsa, te regurgita. Nem parece uma escolha. E quando você sai dela percebe o quanto foi feliz. Vivi experiências incríveis, não troco a minha história por nada. Mas a mudança para São Paulo mudou tudo. Quando olho em perspectiva, percebo o quanto foi abrupto. Antes, não sentia falta de nada, até porque não conhecia tanta coisa. Não sabia o quão longe o horizonte podia ir. A música me ajudou a vir para São Paulo. E foi bom. Na USP, mais do que o curso, passei a conviver com pessoas, viver histórias, ter mais liberdade sexual e artística. A minha cabeça abriu. É engraçado que, apesar de o ambiente musical ser fervoroso, quando saí da faculdade percebi que ela era ainda mais libertária do que o mundo de fora.
Quando você enfim passou a trabalhar na sua área, largou em 20 dias o emprego. Qual foi o estopim para seguir como cantor?
Estava infeliz. Trabalhava em uma empresa júnior (gerida por estudantes universitários) e no tempo livre procurava lugares para cantar. Saía arrumadinho, cheiroso, achando que uma gravadora ia me notar. Era frustrante porque eu não achava a porta de entrada. Foram os meus amigos que me impulsionaram. O Pedro (Tófani), que hoje trabalha comigo, me chacoalhou, porque eu estava depressivo. Ele falou para eu sair e tentar fazer acontecer, que ele e os meus amigos formariam um plano. Foi quando começamos a produzir vídeos meus cantando covers. Pegávamos uma luz ali, um equipamento aqui e fazíamos.
Blazer de veludo e camisa, Bob Mackie, ambos acervo Casa Juisi. Calça, Hugo Boss. Sapatos, Prada. Foto: Hick Duarte
Como não teve olheiro, você foi a sua própria produtora.
Sim, e foi natural. A gente gostava de fotografia, vídeo, música pop e tinha uma noção mínima de como gravar. Então, fizemos meus vídeos para chamar a atenção, e eu postava no Facebook, no YouTube. Depois, surgiu o Renan (Silva). Ele trabalhava com entretenimento e a gente se encontrava para beber. Um dia ele pediu para eu cantar e falou: “Pera, realmente precisamos fazer algo”. E esse foi o embrião da Ufo Sounds, que, na verdade, continua sendo o que sempre foi, mas agora com dinheiro. Colocamos a mão em tudo, desde o show até a capa e as músicas. (A empresa já fez parcerias com Iza, Giulia Be e Luan Santana.)
No pop, você tem que encontrar um balanço entre o sucesso e a sua essência, certo?
Sim, e não faço mais concessões. Tive alguns deslizes durante o caminho, porque você vai crescendo e muita gente fala coisas. Mas decidi ser verdadeiro. De toda forma, acho que também há um fator positivo que é eu gostar mesmo de música grudenta, uma linguagem universal.
Existe uma curiosidade da imprensa em relação à sua sexualidade, mas você já disse que não quer que isso se sobreponha à sua carreira.
Sempre lidei com tanta naturalidade em relação à minha sexualidade que pensava não ser necessário tratar sobre o assunto publicamente. Mas isso virou outra história, como se eu tivesse vergonha, quisesse esconder. (Jão já se declarou bissexual.) Para amigos e família, isso sempre foi aberto, e eu tinha a preocupação de que essa narrativa fosse minha. Preferia deixá-la restrita àquilo que tenho controle, a minha música. Mas chegou um momento em que entendi ser necessário falar porque é importante para quem vai aos meus shows e me acompanha. E eu tento falar mais, criar um espaço que gostaria de ter frequentado. Nos shows, eu e minha equipe passamos a ver cada vez mais gente que está com pais e amigos e que aproveita o momento para falar também. Contar para a mãe, para alguém. Sinto que isso deixou o meu público mais seguro.
Camisa, Coperni, e gola, Ganni, ambas à venda na NK Store. Colar, acervo Casa Juisi. Foto: Hick Duarte
Você já foi chamado de um Renato Russo, um Cazuza de agora. A própria Lucinha Araújo, mãe do cantor carioca, foi a uma apresentação sua. E eles quebraram estigmas sobre suas próprias sexualidades não só com a música, mas na vida pública também.
Sim, e ainda existe um fato doido: por mais que eles tenham virado ícones, tenham se expressado sobre a própria vida, anos depois as suas sexualidades ainda seguem suprimidas. Aconteceu com o Freddie Mercury, por exemplo. Recentemente, teve gente brava porque lembraram que ele era gay. Isso é triste e é nosso papel resgatar a história.
Você acha que há um exagero do público em relação a posicionamentos de artistas?
Gosto de me posicionar sobre o que eu acredito, entendo e em que consigo fazer a diferença. Não só por validação. Acredito em posicionamentos porque, quando estava na escola, não se discutia política. Se muitos jovens se envolvem com política hoje, é porque eles veem cantores, atores, seus ídolos se posicionando. Américo Brasiliense é conhecida como a Cidade Doçura. E é difícil não fazer essa analogia com sua aparência de moço bom.
Esse rótulo o persegue?
(Risos) Não, não é um fardo. Acho, na verdade, que me ajudou. Mela todo mundo. Essa cara de mocinho me levou para muitos lugares.
Falando sobre imagem, você é um galã…
Um galã feio, né!? (Risos). Eu já saí na página de galãs feios (no Instagram). E, para ser sincero, adorei porque acho os galãs feios os mais bonitos. (Risos)
Mas uma foto sua do Instagram está sempre repleta de elogios. Você sempre lidou bem com sua imagem?
Não, nunca lidei bem e continuo não lidando. É até algo bem complicado, porque eu não me assisto. Não me vejo em absolutamente nada. Acho que o mais saudável seria aprender a me assistir e continuar fazendo, mas ainda não resolvi isso. E sei que, se eu me assistir, vou querer parar. Vou encontrar mil razões, transformar algo legal em algo ruim. Recentemente, apareci no Fantástico em uma matéria sobre a minha carreira, minha família, minha cidade e eu não consegui ver. A minha família inteira no sofá, gritando, e eu, que sabia que não seria fácil, criei uma playlist com o tempo aproximado da reportagem. Coloquei no fone e fiquei ouvindo música. Prefiro o palco, porque não tem volta. Mas os elogios ajudam. Todos nós gostamos disso. E não falo só de imagem. Quando você vê sua carreira crescendo, a sua música alcançando pessoas, ganha uma confiança que antes não existia.
Você se descreve nas suas músicas como imaturo e bobo ao lidar com o amor. Na vida real, é assim também?
Me sinto dono da minha vida artística, mas, no aspecto amoroso, sempre me vejo infantilizado. É uma dualidade, porque na parte profissional eu me vejo como o cara que conquista, sabe tudo, e na amorosa, não. Inclusive, não sou um bom conselheiro amoroso. E nem me sinto preparado para um relacionamento. Escute minhas músicas como um desabafo, mas não siga o que eu falo.
O ensaio completo com Jão foi publicado no Volume 01 da ELLE Men. Clique aqui para comprar suas edições da ELLE para eles.
CRÉDITOS
Look da capa da ELLE Men: casaco, Prada, preço. Colar de flores, Flower Bar.
Edição de moda: Pedro Sales
Beleza: Daniel Hernandez
Produção de moda: Rogério Martinez e Luiz Freiberger
Produção de arte e cenografia: Anderson Rodrigues
Produção executiva: Isabela de Paula
Tratamento de imagem: Helder Bragatel
Assistentes de foto: Edson Luciano, Karen Macedo, Aline Lins
Assistente de beleza: Cristian Dallé
Assistente de produção de arte: Leandro Rezende
Assistentes de produção executiva: Carlos Henrique e Deise Cruz
Contrarregra: Ronaldo Junge
Camareira: Conceição Souza
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